Luanda - No dia 8 de dezembro de 2024, o mundo acordou em choque. Notícias confirmavam que Bashar al-Assad, o todo-poderoso ditador da Síria, havia sido deposto por forças do Hayat Tahrir al-Sham (HTS) – antigo braço armado da Al- Qaeda – lideradas por Abu Mohammed al-Jolani, actualmente apelidado pelo Ocidente como um “extremista moderado”. Essas forças entraram na capital, Damasco, sem encontrar resistência significativa. Poucas horas depois, o governo russo admitiu oficialmente que havia concedido asilo a Assad, encerrando uma era marcada por uma longa e sangrenta saga iniciada em 2011, no contexto da chamada Primavera Árabe.
Fonte: Club-k.net
A Síria sob o comando de Assad era parte central do chamado “eixo de resistência”, que inclui o Irão e diversos movimentos xiitas, como o Hamas, o Hezbollah e milícias iraquianas. Este eixo representava uma ameaça direta à segurança e à própria existência do Estado de Israel. A mudança de poder na Síria enfraquece significativamente este bloco, especialmente o Irão, que utilizava o território sírio como rota para enviar mísseis destinados a alvos israelitas. Neste contexto, Israel emerge como um dos grandes vencedores, com uma estratégia clara de enfraquecer os seus inimigos. Enquanto eliminava lideranças políticas e militares do Hamas e do Hezbollah, também bombardeava posições militares sírias estrategicamente importantes.
Há especulações de que o HTS tenha recebido apoio tanto de Israel quanto da Turquia, que também colhe vantagens estratégicas com a queda de Assad. Para a Turquia, a mudança pode facilitar a repatriação de mais de 4 milhões de refugiados sírios atualmente em seu território, reduzindo uma pressão interna significativa e continuar para dentro do território sírio a sua cruzada contra o curdos do PKK.
Por que os aliados de Assad não o protegeram?
A resposta a essa questão passa por fatores que vão desde limitações militares até estratégias de sobrevivência. A Rússia, principal aliada de Assad, está profundamente envolvida na guerra na Ucrânia, um conflito que compromete a sua segurança nacional e, possivelmente, a sua própria existência. Desde 2022, quando decidiu invadir a Ucrânia para evitar a adesão deste país à NATO, Moscovo retirou mais de 90% de suas tropas e equipamentos das bases na Síria, deixando Assad vulnerável.
O Hezbollah, outro aliado-chave, sofreu perdas devastadoras nas mãos de Israel. Em resposta aos ataques do grupo ao território israelita em apoio ao Hamas, Israel desencadeou uma ofensiva brutal. As estratégias israelitas incluíram desde explosivos escondidos em equipamentos de comunicação até ataques cirúrgicos que eliminaram mais de metade da cadeia de comando do Hezbollah, incluindo a morte do seu líder, Hassan Nasrallah. Este enfraquecimento significativo deixou o grupo incapaz de apoiar Assad de forma efetiva.
O Irão também enfrenta desafios. Bombardeamentos israelitas tanto na Síria quanto no Líbano resultaram na morte de generais importantes. Neste cenário, enviar tropas para socorrer Assad seria uma jogada arriscada que poderia comprometer as capacidades militares iranianas em um eventual confronto direto com Israel, que conta com o apoio incondicional dos Estados Unidos.
A queda de Assad cria um vácuo estratégico significativo para o Irão, que perde um corredor vital para o Líbano e para o apoio a seus aliados na região. Enquanto isso, Israel consolida sua posição como a principal força militar do Oriente Médio.
Quanto à Síria, a democratização parece improvável a curto ou médio prazo. O Ocidente dificilmente permitirá que um governo hostil a Israel e favorável ao retorno da influência iraniana assuma o poder. Assim, o país deve continuar a ser palco de disputas geopolíticas e interesses externos, prolongando o sofrimento de sua população.
A queda de Bashar al-Assad representa mais do que a derrota de um ditador: é um reflexo das profundas transformações e rivalidades que moldam o futuro do Médio Oriente. O que está em jogo é muito maior do que o destino de um país – é o equilíbrio de poder em uma região crucial para o mundo.
*Ulisses Lufundisso