Luanda - Foi com grande interesse e entusiasmo que acompanhei, pela RTP, os festejos do centenário de Mário Soares, ex-Presidente da República Portuguesa. Tratou-se de uma cerimónia digna da dimensão de Mário Soares. Ele foi um combatente pela liberdade dos povos. Enfrentou de peito aberto a ditadura Salazarista, foi preso pela PIDE por doze vezes e, em 1968, desterrado para São Tomé e Príncipe. No entanto, como Soares era persistente e determinado, nunca desistiu. A sua causa triunfou no histórico 25 de Abril de 1974.
Fonte: Club-k.net
Nos depoimentos transmitidos durante a celebração, percebi claramente que Mário Soares era uma pessoa alegre, visionária e de convicções profundas. Sempre acreditou na força da democracia e no valor das pessoas. Governar, para ele, era servir. Não se escondia no Palácio nem se distanciava dos cidadãos. Pelo contrário, cultivava uma liderança aberta.
Deve ser por isso que Portugal inteiro prestou-lhe homenagem. Da direita à esquerda, passando pelo centro, todos os quadrantes políticos marcaram presença. Foi uma sala cheia. Dos vários discursos, fiquei particularmente encantado com uma partilha da sua neta, que revelou um lado descontraído do avô: Mário Soares era fã do programa O Preço Certo, da RTP, algo que também aprecio. Outro momento marcante foi ouvir o presidente Cavaco Silva, adversário político de Soares, confessar que votou nele nas eleições presidenciais de 1991. Essa declaração foi um testemunho da capacidade de Mário Soares de conquistar respeito até entre os seus maiores opositores.
A minha admiração pelo Dr. Mário Soares aumentou ainda mais depois de uma visita que efectuei ao Huambo, no ano passado, em companhia do meu amigo e companheiro da revolução – Lino Uliengue. Tivemos o privilégio de ouvir um relato impressionante de um padre angolano que conheceu Mário Soares pessoalmente durante a sua presidência.
O episódio contado pelo padre remonta a 1993. Naquela ocasião, por coincidência, o referido padre, recebeu a visita de um bispo, também, angolano, e levou-o consigo para tomar café no Palácio de Belém, a convite da família presidencial. Foram recebidos pela primeira-dama, a saudosa Dona Maria Barroso. Imediatamente, ela telefonou ao marido para anunciar a chegada dos convidados. Mário Soares respondeu que regressaria ao Palácio dentro de uma hora, se tanto. Assim que chegou, deu início a uma conversa calorosa.
A certa altura, Maria Barroso, em tom de provocação, pediu a Mário Soares: não fale daquilo que você gosta de falar sobre o Dr. Savimbi. Mas Mário Soares, com o seu característico entusiasmo, respondeu: agora que me fizeste lembrar, vou falar mesmo. E, sem hesitação, expressou a admiração que nutria pelo Dr. Jonas Malheiro Savimbi.
Confesso que este relato me emocionou. Saber que um estadista da dimensão de Mário Soares respeitava e admirava o Dr. Jonas Malheiro Savimbi foi algo que me tocou profundamente. Mais do que um líder político, Mário Soares era um homem de princípios e de gestos magnânimos, capaz de reconhecer o valor nos outros, mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
Afinal, Soares foi mesmo bem fixe!
Voltarei...
Luanda, 8 de Dezembro de 2024
Gerson Prata