Luanda - Com o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a política externa norte-americana volta a ser marcada por imprevisibilidade e pragmatismo. As consequências desta nova liderança podem ser sentidas globalmente, mas, para a África, o impacto de sua gestão suscita uma questão crucial: a administração Trump continuará a estratégia de reaproximação com o continente, iniciada pelo governo Biden, ou voltará à postura de negligência que caracterizou sua primeira passagem pela Casa Branca?
Fonte: Club-k.net
Durante o mandato de Joe Biden, a política externa dos EUA buscou recuperar o terreno perdido na África. A administração Biden realizou a Cimeira EUA-África em dezembro de 2022, onde reforçou compromissos econômicos, estratégicos e de segurança com vários países africanos. Esse esforço foi amplamente interpretado como uma tentativa de conter a crescente influência da China e da Rússia no continente. Além disso, Biden adotou uma retórica de parceria baseada no respeito mútuo, em contraste com o tom depreciativo usado por Trump em seu primeiro mandato.
No entanto, com o regresso de Trump à Casa Branca, é provável que a política externa dos EUA em relação à África sofra uma mudança drástica. Trump tem uma visão de política internacional baseada no princípio de "América Primeiro", que favorece o isolamento estratégico e a redução de compromissos multilaterais. Durante seu primeiro mandato, ele fez declarações graves sobre lideres africanos e cortou ajuda financeira destinada a programas de saúde e desenvolvimento no continente. Isso gerou um afastamento entre os EUA e várias nações africanas, que buscaram fortalecer laços com outros parceiros internacionais.
O grande dilema agora é se Trump aprenderá com os erros do passado ou se retomará sua abordagem de desdém e negligência em relação à África. Há indícios de que Trump possa adotar uma postura ainda mais rígida, focada em interesses econômicos e estratégicos imediatos, sem se preocupar com o fortalecimento de relações diplomáticas de longo prazo. Se isso ocorrer, será um retrocesso significativo para o continente, que vem tentando consolidar sua importância nas dinâmicas globais.
Por outro lado, a África tem ganhado relevância crescente na geopolítica mundial. A presença chinesa e russa no continente é cada vez mais visível, através de investimentos em infraestrutura, segurança e cooperação militar. Se os EUA decidirem ignorar a África sob a liderança de Trump, estarão abrindo ainda mais espaço para que potências rivais consolidem sua influência em uma região estratégica.
A grande questão que se coloca é: até que ponto Trump estará disposto a ignorar as dinâmicas globais em nome de uma agenda populista voltada para o eleitorado doméstico? Se ele mantiver essa postura, o risco é de que os EUA se tornem irrelevantes em questões africanas e percam a capacidade de influenciar processos de paz, comércio e segurança no continente.
No entanto, há também a possibilidade de que Trump, motivado pela competição geopolítica, reconheça a importância estratégica da África e busque um relacionamento mais pragmático com o continente. Esse cenário, porém, seria baseado em transações pontuais, focadas em interesses econômicos, e não em parcerias de longo prazo. Ou seja, os países africanos que tiverem algo a oferecer
— como petróleo, gás ou cooperação em segurança — poderão se beneficiar de uma abordagem mais direta de Trump. Mas aqueles que dependem de assistência humanitária ou apoio em projetos de desenvolvimento podem enfrentar um cenário de abandono.
Outro fator importante é o impacto que essa mudança de liderança pode ter nas instituições africanas, como a União Africana (UA). Sob Biden, os EUA apoiaram esforços de pacificação em regiões como o Sahel, o Corno de África e os Grandes Lagos. Trump, por outro lado, pode adotar uma abordagem mais isolacionista, deixando os países africanos a dependerem ainda mais de suas próprias instituições e de outras potências para resolver conflitos regionais.
Para Angola, em particular, essa mudança de liderança em Washington traz desafios e oportunidades. Como um dos principais produtores de petróleo da África, Angola pode tentar negociar diretamente com a administração Trump para garantir investimentos e cooperação econômica. No entanto, o governo angolano deve estar atento à volatilidade da política externa norte-americana sob Trump, que pode mudar de direção rapidamente e sem aviso.
Em Moçambique, por exemplo, o terrorismo em Cabo Delgado pode deixar de ser uma prioridade para Washington. Enquanto a administração Biden apoiou esforços da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para combater a insurgência, Trump pode não demonstrar o mesmo nível de interesse, especialmente se não houver um benefício econômico direto para os EUA.
Outro ponto importante é a questão das sanções. Trump tem um histórico de impor sanções econômicas a países que considera adversários ou que não alinham suas políticas com os interesses norte-americanos. Países africanos que buscam diversificar suas parcerias econômicas e políticas, estabelecendo laços mais estreitos com China ou Rússia, podem ser alvo de medidas punitivas sob a administração Trump.
Dito isso, os líderes africanos também precisam reconhecer que a relação com os EUA deve ser baseada em uma parceria estratégica que atenda aos interesses de ambas as partes. Não é suficiente esperar por gestos de boa vontade de Washington; é necessário que os países africanos apresentem uma agenda clara e coordenada para suas relações com os EUA, defendendo seus interesses e buscando formas de cooperação que tragam benefícios reais para o continente.
Em resumo, a presidência de Donald Trump pode representar tanto um risco quanto uma oportunidade para a África. O continente africano não pode se dar ao luxo de ser negligenciado por uma das principais potências mundiais. Ao mesmo tempo, é fundamental que os líderes africanos adotem uma postura assertiva, garantindo que a voz da África seja ouvida em Washington e que os interesses africanos sejam respeitados na formulação da política externa norte-americana.
A história nos ensina que o destino da África nunca deve depender exclusivamente das decisões de potências externas. Assim, a responsabilidade recai sobre os próprios países africanos em assegurar que suas prioridades sejam respeitadas em qualquer contexto geopolítico.
Se Trump optar por virar as costas à África, o continente deve estar preparado para reforçar seus laços com outras potências globais e, sobretudo, investir na integração regional e no fortalecimento de suas próprias instituições. Contudo, se o novo governo norte-americano estiver disposto a dialogar, será fundamental que os países africanos estejam prontos para apresentar suas demandas e negociar com confiança.
O futuro das relações entre os EUA e a África está, em grande parte, nas mãos dos próprios africanos. Cabe ao continente decidir se será apenas um palco de competição entre potências globais ou se assumirá o papel de protagonista na definição de seu próprio destino.
Sebastião especialista em Relações Internacionais e presidente da União dos Estudantes Angolanos em Moscovo.