Luanda - O desaparecimento físico de Sam Shafiishuna Nujoma representa o encerramento de um dos capítulos mais marcantes da história política da África Austral. Líder de uma geração de combatentes que inscreveram seu nome nos anais da luta pela autodeterminação, Nujoma personificou a resiliência, a inteligência estratégica e a inabalável convicção de um homem que consagrou sua vida à libertação da Namíbia.
Fonte: Club-k.net
Nascido numa terra subjugada ao domínio colonial sul-africano, sua trajetória política não foi meramente circunstancial, mas sim o resultado de uma profunda consciência histórica e do reconhecimento inequívoco de que a liberdade jamais seria concedida voluntariamente por um sistema opressor. Com visão estadista e liderança inquestionável, fundou e consolidou a South West Africa People's Organisation (SWAPO), transformando-a de um movimento político de contestação em uma máquina revolucionária bem estruturada, disciplinada e dotada de capacidade operacional militar e diplomática.
O Exílio e a Estratégia Político-Militar
Para escapar à repressão sul-africana e conduzir a luta de forma eficaz, Nujoma estabeleceu-se em Angola após a independência do país em 1975, onde recebeu o apoio decisivo do MPLA e do Presidente Agostinho Neto. No território angolano, reorganizou as fileiras da SWAPO, estruturou a ala militar do movimento – o PLAN (People's Liberation Army of Namibia) – e articulou um eixo de solidariedade internacional que permitiu à causa namibiana ganhar expressão no tabuleiro geopolítico global.
O período que viveu em Angola foi uma fase de intensa articulação estratégica, onde soube navegar entre os desafios da guerra fria e consolidar alianças essenciais, nomeadamente com Cuba, a União Soviética e outras forças progressistas que entendiam que o destino da Namíbia estava intrinsecamente ligado ao desmantelamento do regime do apartheid na África do Sul.
Enfrentou a brutalidade do regime sul-africano e a sua máquina de guerra, que utilizava Angola como um campo de batalha para perpetuar a ocupação ilegal da Namíbia. No entanto, sua resiliência não esmoreceu diante das investidas do inimigo, tampouco cedeu à tentação de soluções apressadas que não garantissem a soberania plena e irreversível da Namíbia.
A Construção da Nação e o Exemplo para a África Austral
Com a independência finalmente conquistada em 21 de março de 1990, Sam Nujoma tornou-se o primeiro Presidente da Namíbia, conduzindo a nação recém-libertada com um equilíbrio notável entre firmeza e pragmatismo. Não apenas se dedicou à consolidação das instituições democráticas e ao desenvolvimento econômico, mas também assegurou que a Namíbia mantivesse uma política externa soberana, livre de influências neocoloniais e enraizada nos valores da autodeterminação africana.
Diferente de muitos líderes pós-coloniais que, uma vez no poder, se afastaram das raízes de suas lutas e adotaram posturas acomodadas, Nujoma manteve-se fiel ao seu compromisso original: o bem-estar do povo namibiano e a afirmação da sua nação no concerto das nações. Viveu na Namíbia, governou a Namíbia e faleceu em sua terra natal, um exemplo de compromisso absoluto com a causa que o norteou desde a juventude.
O Legado: Um Chamado à Liderança Africana
A história de Sam Nujoma é uma lição incontornável para os atuais e futuros líderes africanos. Homem de convicção inquebrantável e determinação inabalável, compreendia que a luta pela libertação não se esgota na obtenção da independência formal, mas deve estender-se para a emancipação econômica, a justiça social e o fortalecimento das instituições democráticas.
O seu nome estará eternamente inscrito ao lado dos maiores arquitetos da libertação africana, não apenas pelo que fez no campo de batalha e na arena diplomática, mas pela integridade, coerência e coragem moral com que liderou seu povo.
Sam Nujoma não apenas fez história, mas moldou o destino de uma nação inteira. Que sua vida e legado permaneçam como um farol para a África Austral e para todas as nações que ainda lutam para consolidar sua soberania e dignidade.
*Militante do MPLA
