Porto - Martin Luther King sentenciou um dia que nada no mundo era mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente. Infelizmente, alguns quadros da minha geração que são altos funcionários do Estado e das grandes empresas públicas e privadas estão cada vez mais a exibir publicamente esses dois vícios duramente censurados por Luther King.


Fonte: http://www.angolainterrogada.blogspot.com/


É que os citados quadros vivem absolutamente convencidos de que só eles é que estão a fazer algo realmente importante para o tão desejado desenvolvimento de Angola. Os outros que não têm a sorte de usufruírem dos cargos, privilégios e ordenados iguais aos seus não passam de uns frustrados da vida que só falam, escrevem, criticam e nada fazem de concreto pelo País.

 


Para estes jovens e promissores quadros, Angola está definitivamente bem. O país cresceu mais rápido do que os outros alguma vez cresceram e não há nenhum problema dos angolanos que o nosso esforçadíssimo governo não esteja a resolver de forma segura e clarividente. Por isso, julgam que questionar, hoje, o rumo do País e insistir nas críticas ao esforçado governo de Eduardo dos Santos não passa de uma velha paranóia de alguns frustrados que apenas escrevem, criticam e berram para chamar atenção e mendigar uns tachos.

 


Para este grupo de jovens bem sucedidos, o desenvolvimento de Angola é algo fácil, simples e rápido, que só chegou tarde por causa da guerra que nos foi imposta pelo ambicioso líder do Galo Negro. E insistem em dar como certa a absoluta impossibilidade das armas voltarem a devastar as vidas dos angolanos.

 


Em 1754 o escritor e político inglês Horace Walpole criou e introduziu a palavra serendipidade (serendipity). Serendipidade é todo o acaso feliz e extraordinário que origina descobertas fantásticas.

 


O mundo está cheio de importantes serendipidades. Por exemplo: Colombo descobriu a América por um acaso. Fleming descobriu a penicilina por ter ido para casa sem fechar a janela do laboratório. Newton descobriu a lei da gravidade depois de ter visto uma maçã a cair ao chão.

O desenvolvimento de Angola não é uma serendipidade. Não é um acaso feliz e extraordinário surgido espontaneamente por força mágica da actual conjuntura da Paz e dos nossos tão falados recursos naturais. Há regras, atitudes e valores que devem ser, religiosamente, cumpridos pelos povos que desejam fazer a laboriosa caminhada do desenvolvimento.

 


Por isso, Angola não vai caminhar magicamente para o desenvolvimento apenas por força dos maquilhados discursos e da renovada imagem dos velhos responsáveis pela destruição e estagnação do País.

 

Angola não vai caminhar magicamente para o desenvolvimento apenas por causa dos elogios hipócritas e oportunistas de alguns políticos e empresários estrangeiros que detestam África e que apenas olham para Angola como uma terra de extraordinárias oportunidades de negócios.

 


Com a preciosa ajuda dos estrangeiros de boa vontade que tencionam viver, conviver e partilhar connosco as alegrias e tristezas das nossas vidas, o desenvolvimento de Angola terá de ser um projecto de angolanos, com angolanos e para angolanos.

 


Há um extracto de um discurso do ilustre estadista português Francisco Sá Carneiro (1934-1980) que eu gosto imenso: «O homem é a nossa medida, nossa regra absoluta, nosso início e a nossa vida. Sem o absoluto respeito por ele não há nem pode haver democracia verdadeira»

 

Assim, o desenvolvimento terá de ser um frutuoso resultado um investimento sério, maciço e disciplinado nas pessoas, no capital humano de Angola. Porque é um facto longamente estudado, provado e comprovado que só prosperam os países que investem no seu povo e apostam no conhecimento cultural, científico e tecnológico dos seus cidadãos.

 


Por isso, não há nem pode haver desenvolvimento verdadeiro sem o absoluto respeito pelos angolanos. Por absoluto respeito entende-se que o bem-estar físico e espiritual do angolano tem de ser a única e exclusiva razão de todas as decisões políticas. O angolano deve ser cuidado, acarinhado, valorizado e protegido em todas as etapas da sua vida.

 

Nós os frustrados do costumes não andamos a «berrar» sem razão aparente. Estamos apenas a chamar atenção das pessoas responsáveis pelo nosso destino colectivo para as consequências negativas de um modelo de desenvolvimento que exclui, humilha, oprime e desvaloriza os angolanos.

 

Na verdade, os angolanos não precisam de ler ou ouvir os nossos desabafos públicos para terem plena consciência dos sérios problemas do país. Todos estão perfeitamente cientes dos enormes obstáculos que enfrentam nesta longa luta para saírem da miséria e usufruírem dos abundantes lucros das riquezas do País. O Povo sabe muito bem que vive numa sociedade cada vez mais injusta onde a pobreza absoluta da maioria convive lado a lado com a riqueza ostensiva de alguns.

 

Nós os frustrados do costume estamos, apenas, a abordar os crónicos problemas e a buscar soluções de forma sensata, académica e inteligente. O verdadeiro perigo reside no facto de as pessoas não terem muita pachorra para abordarem de forma académica, sensata e inteligente os crónicos problemas que as afectam e prejudicam. Por isso, preferem recorrer ao meio mais fácil: usar a violência e provocar tumultos para exteriorizarem as suas frustrações não ouvidas nem levadas à sério. É como disse Martin Luther King: «as rebeliões e os tumultos são a linguagem daqueles que ninguém entende».

 

Depois, e vendo bem as coisas, esses jovens quadros que se julgam os únicos a fazer algo realmente importante para o tão desejado desenvolvimento de Angola, na verdade, não estão a fazer nada de novo e extraordinário. Estão apenas a desperdiçar os seus talentos e conhecimentos na consolidação e rejuvenescimento de um velho estilo de governância que sempre marginalizou, desvalorizou e prejudicou os filhos de Angola.

José Maria Huambo