Luanda -  Esta crónica poderá ser a mais polémica de todas, que poderá pôr muita gente a pensar, e contribuir para levar à ebulição, alguns ódiozinhos que habitam nas mentes e nos corações de muitos, que teimam permanecer estáticos no tempo!


Fonte: Club-k.net


Prometo não responder a ninguém, nem ceder, como é meu hábito, a provocações dentro ou fora desta aldeia global, caso contrário, esta reflexão seria rapidamente encerrado.

 

Limitar-me-ei a ir passando por aqui e silenciosamente deixar como registo a transcrição de excertos de documentos. Irei apoiar-me, logicamente em trabalho seriamente investigado, mas pouco divulgado.

 

O objectivo deste fio não será gerar discussão, diálogos, mas sim de registo, de constatação e reflexão, pois o processo histórico, dizem, que é inquestionável.

 

Com relação a nossa condição de filhos autóctones de África, não temos que nos penitenciar, reduzir a auto-estima, temos que saber quem somos e reconhecer o lado maldito deste ignóbil passado.

 

A memória histórica e social dos angolanos é infinita: impregna todos os aspectos da vida mental, medeia todos os fenómenos da consciência, e a identidade actual, quer dos indivíduos quer dos grupos sociais, está profundamente ligada a noções do passado. A Memória é história e é simultaneamente uma força na História; um meio de unificação e legitimação, mas também um factor de divisão e falsificação.

 

            Nesta crónica, pretendemos contrastar diferentes memórias locais e nacionais e constatar até que ponto cada uma delas pode ser conscientemente construída ou manipulada, por razões ideológicas ou políticas.

 

            Na verdade, a memória social nem sempre coincide com os factos e é, acima de tudo, eminentemente criativa. Perceber estas características é fundamental, para conhecer e compreender a cultura e a sociedade humana agora e no passado.

 

            No que a memória histórica e social dos angolanos diz respeito, variam as lendas históricas, dos contos, dos mitos e da escrita da própria história reflectem pontos de vista morais e políticos próprios dos estatutos de cada um, de cada lugar e de cada época.

 

            Todos nós temos a nossa identidade e herança histórica. o fedor dos mortos da escravatura, do contratado e do indigenato perpetrado pelo usurpador e dominador português é o mesmo fedor dos cadáveres dos camponeses massacrados a napalm na Baixa de Cassange em 1962 - é um fedor que ainda hoje nos agonia, nos dificulta a respiração como povo"... e nos turva a alma, mas que será capaz de evitar a  memória Histórica e enveredar pelo branqueamento de diversas páginas gloriosas da história.

 

            Historicamente, em 1483, Diogo Cão chegou à foz do Rio Congo e iniciou a conquista de Angola. (Note-se que, naquele tempo, se chamava às colónias, as conquistas). De Angola sairiam mais tarde milhões de negros/ou autóctones para Ocidente. A elite dominante era formada pelos grandes proprietários rurais que formavam a aristocracia angolana. Dona de terras e de escravos, essa elite era senhora de amplos poderes sobre todas as pessoas! Sua palavra tinha força de lei, e contestá-la era um abuso imperdoável. O poder político da elite estava simbolizado no controlo que tinha sobre as populações indígenas.

 

            Sobre a mulher africana, os senhores esclavagistas impunham uma verdadeira depravação. As relações eram carregadas de violência e promiscuidade, e as negras tinham de servir a vários brancos e a outros senhores membros da sociedade dominadora; nesse quadro, espalhavam-se as doenças venéreas…

 

            Outrossim, a África abastecia de barcos o reino português e as suas possessões ultramarinas. Na época, a igreja, com os padres Jesuítas a testa, aplaudia e justificava a escravatura e o tráfico de escravos como um veiculo para a conversão à fé cristã do negro africano.

 

            Várias foram s formas usadas pelos portugueses para aprisionar os negros: ataque às aldeias, incêndio às casas, matanças indiscriminadas de homens, mulheres, crianças e velhos, não importando se deficiente físico ou enfermo! Os brancos esclavagistas em Angola e em toda a parte do continente, espalhavam o medo. Ante a desproporção de material bélico e as tácticas de ataque utilizadas, a única forma dos negros reagirem era fugir desesperados, procurando escapar a qualquer custo, ao aprisionamento e/ou a escravatura. Viam-se mães a abandonar os filhos e os maridos às mulheres. Era a única forma de defender a liberdade e preservar a vida.

 

            Outra táctica utilizada pelo usurpador e dominador branco português em Angola, foi a de estimular guerras entre grupos étnicos e intertribais. Os vencedores trocavam os vencidos por panos, aguardentes, espelhos, armas (os famosos canhangulos), munições, rapadura, fumo (estupefacientes), enfim, quinquilharias.

 

            Desta forma, mais de quinze milhões de autóctones angolanos foram assassinados ou escravizados entre os séculos XV e final do século XIX e nalguns casos, até primeiras décadas do século XX em Angola!

 

            A violência gratuita, os castigos inumanos,  açoites,  grilhões, queimar, atenazar e/ou atormentar (tão cruel e ímpio este género de castigo) se faziam nos escravos e nas escravas negras! Torturados físicos e psicologicamente, os senhores esclavagistas brancos e os seus algozes buscavam destruir a alma e os valores do negro e obrigá-lo a aceitar a ideia da superioridade da raça branca. O negro tinha de ser submetido e aceitar a escravatura como uma dádiva porque o branco lhe havia “cristianizado” e “civilizado”.

 


            Contudo, o negro sempre lutou contra a escravatura e o cativeiro (escravidão). A rigor, a luta do negro pela liberdade e dignidade em Angola é um facto que extrapola os limites do tempo e chega aos dias actuais. Os movimentos de luta e resistência contra a opressão e a dominação adquiriram várias formas: suicídio, guerrilhas, insurreições, assassinatos de senhores esclavagistas e seus agentes e as fugas isoladas ou colectivas de autóctones para escapar à morte.

 

            Todavia, estas resistências e revoltas falharam porque nunca assumiam formas de movimentos de consciência colectiva e organizados com o propósito de colocar um ponto final no regime dominante. Nem tão pouco foram movimentos ideologicamente para a tomada do poder. Foram, invariavelmente; rebeldias, individuais ou colectivas contra a opressão e a escravatura.

 

            Essas ressalvas, contudo, não anulam a importância da luta dos indígenas angolanos no período de dominação europeia. Contribuíram sobremaneira para a substituição do trabalho escravo, para o trabalho “livre”, o trabalho do contratatado e, consequentemente, para a “abolição” oficial da escravatura!

 

            São esses aspectos positivos de luta dos povos autóctones de Angola que constituem um testamento e um orgulho para as gerações presentes e vindouras! 

 

Doutro modo, tem razão o escritor e semioticista italiano Umberto Eco quando no dia 18 de Novembro de 2009 afirmou à revista SPIEGEL em Paris o seguinte: «Se você interage com as coisas em sua vida, tudo muda constantemente. E se nada muda, você é idiota»