Luanda – Os ex-Bastonários da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), que lideraram a instituição entre 1996 e 2023, manifestaram-se publicamente contra as recentes restrições ao evento “Diálogo Nacional sobre o Pacote Legislativo Eleitoral”, organizado pela OAA. Em uma declaração oficial, os juristas alertaram para os riscos que tais impedimentos representam para a democracia participativa e o Estado de Direito em Angola.
Fonte: Club-k.net
Os Bastonários da Ordem dos Advogados de Angola (Bastonários), eleitos para os triénios entre 1996 e 2023, tomaram conhecimento da pretensão da Ordem dos Advogados de Angola (Ordem) de promover uma actividade denominada “Diálogo Nacional sobre o Pacote Legislativo Eleitoral”, bem como da sua problematização mediante o questionamento das competências para a sua realização.
Com base no legado acumulado pela Ordem ao longo de mais de duas décadas, de relação com as instituições públicas e milhares de membros inscritos, de contribuição para a elaboração de sucessivas Constituições e suas alterações e de legislação relevante, bem como o permanente exercício de interpretação sobre as suas atribuições e competências, em diferentes circunstâncias históricas, os Bastonários tomaram a iniciativa de esclarecer a opinião pública nos termos seguintes:
1. A Ordem dos Advogados de Angola é uma Associação de Direito Público, sob a forma de administração pública autónoma, em consequência da devolução de poderes feita pelo Estado nos termos do seu Estatuto, num processo de aprovação negociada com a classe profissional (Dec. 28/96, de 13 de Setembro);
2. Além das funções de auto-regulação profissional, a Ordem tem atribuições de intervenção social, traduzidas na defesa dos princípios e normas do Estado Democrático de Direito, dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais dos cidadãos, assumindo-se como uma verdadeira magistratura cívica obrigada a proteger a democracia participativa, em que está baseado o Estado angolano, nos termos do artigo 2.º n.º 1 da Constituição;
3. Adicionalmente, a Constituição confere à Ordem poderes constitucionais ao atribuir legitimidade para requerer a fiscalização abstracta sucessiva da conformidade das leis à Constituição - artigo 230.º;
4. Nos termos da alínea a) do artigo 3.º do citado Decreto, é atribuição da Ordem “colaborar na administração da Justiça, pugnar pela defesa do Estado democrático de direito e defender os direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos”;
5. No exercício dessa função de “pugnar pela defesa do Estado Democrático de Direito...” deve defender os princípios estruturantes deste tipo de estado e participar na edificação de um Estado democrático e justo, o que necessariamente envolve a sua participação cívica, a promoção do debate público e a defesa das instituições democráticas;
6. O debate público almejado está garantido pelo artigo 40.º da Constituição (Liberdade de expressão e de informação), referindo o número 1 que “todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”;
7. E o n.º 2 do mesmo artigo postula que “o exercício dos direitos e liberdades constantes no número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura”;
8. Por outro lado, colaborar na administração da justiça, significa que a Ordem deve participar activamente para que o sistema de justiça funcione de forma independente, imparcial, transparente e eficaz, no estrito respeito da Constituição, da lei e focado na protecção da dignidade da pessoa humana, elemento essencial consagrado no artigo 1.º da Lei fundamental do país;
9. Como é evidente, trata-se de um conceito de administração da justiça e defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos dotado de grande amplitude, abrangendo todas as formas de resolução de litígios e estando subjacentes quaisquer leis aplicáveis, incluindo as normas de natureza eleitoral e o respectivo contencioso eleitoral;
10. Acresce que, segundo o citado artigo 3.º do Estatuto, são atribuições da Ordem “promover o acesso ao conhecimento e aplicação do direito e contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica” - alínea g) –, assim como “contribuir para o aperfeiçoamento da elaboração do direito, devendo ser ouvida sobre os projectos de diplomas legislativos que interessam ao exercício da advocacia e à aplicação da justiça…” – alínea h) -, o que significa o poder de apresentar propostas legislativas e o direito a ser consultada nas matérias descritas;
11. Durante décadas, a Ordem dos Advogados tem, no exercício das suas atribuições, documentado e publicado a sua cultura institucional, assente nas normas vigentes, e praticado actos da mesma natureza dos que agora estão em causa, sem que alguma vez tenham sido suscitadas dúvidas quanto ao acerto das suas perspectivas e acções.
Pelas expostas razões, os Bastonários tomam as seguintes posições:
a) Consideram que qualquer acto visando impedir o mencionado evento ou conduta similar, que colida com o exercício dos direitos, atribuições e competências da Ordem, é inconstitucional, ilegal, e fere grave e perigosamente, afectando o Estado e a sociedade, princípios, direitos e liberdades fundamentais como a democracia participativa dos cidadãos, o direito de reunião e livre expressão do pensamento, implicando a erosão dos alicerces em que assenta o Estado de Direito e a Democracia em processo de construção em Angola;
b) Incentivam a actual direcção da Ordem dos Advogados de Angola a continuar a pugnar a sua acção no estrito respeito pela Constituição e a lei, em geral, e em particular a Lei da Advocacia e os Estatutos da OAA, defendendo intransigentemente os princípios do Estado Democrático de Direito no nosso país e praticando todos os actos tendentes à reposição da constitucionalidade e da legalidade sempre que violadas.
Luanda, aos 08.05.2025
Os Bastonários
Manuel Gonçalves
Cédula n.º 05
(Triénios 1996/1999 e 2000/2002)
Raúl Araújo
Cédula n.º 034
(Triénio 2003/2005)
Manuel Inglês Pinto
Cédula n.º 045
(Triénio 2006/2008 e 2009/2011)
Hermenegildo Cachimbombo
Cédula n.º 372
(Triénio 2012/2014 e 2015/2017)
Luís Paulo Monteiro
Cédula n.º 222
(Triénio 2018/2020 e 2021/2023)