Luanda - A Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) avançou terça-feira passada, a ocorrência de um incêndio no convés de uma cave da plataforma de águas profundas Benguela-Belize-Lobito-Tomboco (BBLT) da CABGOC, localizada no Bloco 14, na zona marítima de Cabinda durante a operação de manutenção periódica.
Fonte: Club-k.net
"O facto ocorreu num momento em que a instalação BBLT estava a ser submetida a uma manutenção anual, no âmbito de uma actividade de paragem programada, estando toda a produção no local encerrada desde o dia 1 de Maio de 2025", explica a ANPG.
De acordo com comunicado da concessionária nacional, o acidente ocorreu perto das 03:00 da manhã desta terça-feira, e as causas estão a ser apuradas. Dezassete trabalhadores sofreram ferimentos, dos quais quatro ainda se encontram em estado grave. Todos já estão em terra a receber os cuidados médicos.
Como se observa, o acidente foi registado numa plataforma off-shore em águas territoriais angolanas,durante o último fim-de-semana. O comunicado da Agência é muito lacônico e os órgãos de comunicação não realizaram reportagens por motivos próprio no onde ocorreu o desastre! No entanto o caso trouxe de volta ao debate público uma questão vital: os riscos associados à exploração de petróleo e a necessidade imperativa de alinhamento com as boas práticas internacionais. Sendo Angola o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana, a segurança das suas operações é tanto uma questão económica como de soberania e direitos humanos.
1. A Natureza Inerentemente Arriscada da Indústria Petrolífera
A exploração e produção de hidrocarbonetos é, por definição, uma actividade de risco elevado. Os acidentes mais comuns incluem blowouts, derrames, explosões, quedas de estruturas, afundamentos e falhas de contenção. Dados da International Association of Oil & Gas Producers (IOGP) revelam que, entre 2011 e 2021, mais de 800 acidentes significativos foram registados nas operações off-shore em todo o mundo, muitos dos quais resultaram em mortes ou impactos ambientais duradouros (IOGP, 2022).
Além dos riscos físicos e ambientais, existem impactos sócio-económicos indirectos, especialmente em regiões costeiras onde comunidades dependem da pesca e de ecossistemas saudáveis.
2. O Regime Legal em Angola: Contratos de Partilha de Produção
Em Angola, o modelo de exploração é regido por Contratos de Partilha de Produção (CPP). Nesses contratos, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) representa o Estado e estabelece os termos com empresas operadoras.
Os CPPs incluem cláusulas específicas sobre:
• Gestão de riscos operacionais;
• Planos de contenção e resposta a emergências;
• Seguros obrigatórios de responsabilidade civil;
• Fundos de responsabilidade ambiental;
• Planos de abandono e desmobilização (Decommissioning).
Contudo, a implementação efectiva dessas cláusulas nem sempre acompanha a robustez formal do contrato, devido a limitações de fiscalização, fragilidades institucionais e dependência económica do Estado em relação ao petróleo.
3. Acidentes e Fragilidades na Fiscalização
O acidente recente — cujos detalhes continuam sob investigação — expõe possíveis falhas em áreas críticas da operação, nomeadamente:
• Manutenção técnica e inspecção periódica de equipamentos;
• Capacitação técnica contínua do pessoal embarcado;
• Eficiência dos sistemas automáticos de resposta a incidentes;
• Transparência na comunicação com o público e com os órgãos reguladores.
🔧 Manutenção Preventiva vs. Preditiva: O Que Está em Jogo?
No jargão técnico da indústria petrolífera, manutenção preventiva refere-se a intervenções programadas com base no tempo ou ciclos de utilização dos equipamentos (por exemplo, a cada 1000 horas de operação), independentemente do estado real do sistema. Já a manutenção preditiva, mais avançada, baseia-se na análise contínua de dados de operação (temperatura, vibração, ruído, pressão, entre outros) e só é realizada quando os sinais indicam risco iminente de falha.
A manutenção preditiva exige o uso de sensores, algoritmos de análise e, muitas vezes, inteligência artificial, permitindo:
• Detectar desgaste em tempo real;
• Aumentar a vida útil de equipamentos críticos;
• Reduzir custos com paragens desnecessárias;
• Evitar falhas catastróficas e, por conseguinte, acidentes humanos e ambientais.
Plataformas petrolíferas modernas, especialmente em jurisdições com regulamentação exigente (como Noruega, Reino Unido e Canadá), operam com sistemas integrados de monitoramento preditivo, tornando essa prática uma norma de segurança e eficiência. A ausência ou fragilidade desses mecanismos, em contrapartida, constitui uma vulnerabilidade estrutural.
4. Boas Práticas Internacionais: Um Quadro Comparativo
Noruega – A Noruega adopta o modelo de co-regulação entre governo, operadoras e sindicatos. A Petroleum Safety Authority (PSA) impõe requisitos de análise de risco contínua, revisão técnica independente e mecanismos de shutdown automático. A cultura de segurança é tratada como prioridade estratégica.
Brasil – A Agência Nacional do Petróleo (ANP) exige Relatórios Anuais de Segurança Operacional (RASO) e mantém o Sistema de Gestão Ambiental e de Segurança Operacional (SGSO). A legislação brasileira exige simulacros obrigatórios e canais abertos de denúncia técnica.
Canadá – A exploração off-shore é gerida em parceria por reguladores provinciais e federais, exigindo licenciamento ambiental prévio, auditorias externas e planos de resposta com envolvimento comunitário.
Recomendações da IOGP e API:
• API RP 75 (Recommended Practice for Development of a Safety and Environmental Management Program);
• IOGP Report 577 (Process Safety – Recommended Practice);
• ISO 45001 (Sistemas de gestão de saúde e segurança ocupacional).
5. O Que Angola Pode Fazer?
Angola dispõe de uma base normativa razoável, mas precisa de:
• Reforçar a ANPG com competências técnico-científicas independentes;
• Implementar auditorias obrigatórias com divulgação pública dos relatórios;
• Exigir certificações internacionais ISO (9001, 14001, 45001) para operadores e subcontratados;
• Estabelecer um fundo ambiental de emergência, separado do Tesouro Nacional;
• Criar mecanismos de denúncia protegida para trabalhadores que identifiquem riscos ignorados.
6. Conclusão
A exploração petrolífera é ima actividade inevitável na actual configuração económica angolana. Contudo, o custo de um único acidente, por quaisquer razões, pode acarretar prejuízos com montantes para ultrapassar os benefícios de vários anos de produção. A verdadeira soberania energética exige mais do que contratos assinados com as operadoras: exige um pacto sério com a segurança, a vida e a sustentabilidade dos que estão engajados directamente na actividade produtiva.
O acidente off-shore do último fim-de-semana deve servir como catalisador para uma reforma profunda da regulação, da fiscalização e da cultura empresarial no sector petrolífero. O petróleo pode ser riqueza, mas nunca à custa do prejuízo humano e ambiental.
Referências Bibliográficas e Normativas
• IOGP. Safety Performance Indicators – 2022 Data. International Association of Oil & Gas Producers. Disponível em: www.iogp.org
• API. RP 75 – Recommended Practice for Development of a Safety and Environmental Management Program for Offshore Operations and Facilities. American Petroleum Institute.
• PSA Norway. Risk Level in the Petroleum Activity – Annual Report. Petroleum Safety Authority Norway.
• ANP Brasil. Resolução nº 43/2007 sobre o SGSO. Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
• ISO. ISO 45001:2018 – Occupational Health and Safety Management Systems.
• UNCTAD. World Investment Report 2023 – Sustainable Investment in Extractives.
• Lei n.º 10/04 (Lei das Actividades Petrolíferas, Angola).
*Pós-graduado em Direito de Petróleo e Gás na UAN, 2012.
(Docente universitário de Direito dos Recursos Naturais , Ambiente e Ordenamento do Território)