Luanda - O Presidente da República de Angola, João Lourenço, deu recentemente um passo marcante ao condecorar Bonga e Waldemar Bastos com a mais alta distinção da Nação por ocasião dos 50 anos da independência. Este gesto simbólico foi amplamente aplaudido, visto como um ato de reconhecimento nacional inserido numa dinâmica de reconciliação, de memória e de orgulho reencontrado.

Fonte: Club-k.net

Ao celebrar estes dois gigantes da cultura – um, símbolo vivo da música angolana; outro, saudoso cantor-poeta já desaparecido –, escrevi que Angola sinalizou o fim de antigas exclusões e inaugurou um tempo de reparação histórica. Faltou, porém, da minha parte, completar a celebração desse quadro honorífico com um terceiro nome incontornável: Alberto Teta Lando. Tal como Bonga e Waldemar, Teta Lando foi uma consciência melódica no exílio e uma voz do povo silenciada durante anos, e a sua inclusão entre os homenageados no cinquentenário da independência foi também um ato de justiça cultural e unidade nacional. Celebrar Teta Lando ao mais alto nível significa inscrever também o seu nome no mármore da história nacional, reforçando a mensagem de que a Angola independente abraça todos os seus filhos artísticos, sem distinções.

Dos hinos da independência ao exílio forçado


Nascido em 1948, em Mbanza-a-Kongo, no norte de Angola, Alberto Teta Lando despontou ainda jovem como um talento musical excecional. Em plena era colonial, compôs a sua primeira canção em 1964 (em quimbundo, intitulada “Kinguibanza”), e já em 1966 gravava o primeiro LP, integrando o restrito panteão dos melhores músicos angolanos da época. As vésperas da independência encontraram Teta Lando no auge da criatividade, usando a música como arma de patriotismo e união. Em 1975, ano da libertação, lançou temas que se tornaram verdadeiros hinos fraternos da nova nação. Na canção “Angolano Segue em Frente”, por exemplo, ele clama que não importa se o angolano é “branco, mulato ou negro” – “isso não interessa a ninguém”; o que importa é “a tua vontade de fazer uma Angola melhor, [...] verdadeiramente livre, uma Angola independente”.


Com esta mensagem inclusiva, Teta Lando exaltou a união de todas as raças e origens numa só comunidade angolana, antecipando ideais de igualdade que o país tanto viria a precisar. No mesmo espírito, a emblemática “Irmão Ama Teu Irmão” – lançada igualmente em 1975 – ficou gravada como um apelo emocionado à fraternidade entre compatriotas em tempos conturbados. Muitos a consideram um autêntico hino à reconciliação nacional, uma súplica para que os angolanos se vejam como irmãos e não inimigos. Não por acaso, no seu LP Independência (1975), Teta Lando chega a intitular uma canção com o nome das duas facções então rivais – “FNLA-MPLA” – num audacioso apelo à união nacional acima das divisões político-partidárias. Desde o início, portanto, a obra de Teta Lando esteve imbuída de consciência patriótica e sentido de unidade: ele foi, por excelência, um cantor da independência e da reconciliação emergente.


Infelizmente, o sonho de união de 1975 esbarrou rapidamente na realidade amarga da guerra civil que eclodiu logo após a independência. Teta Lando, cujas raízes estavam ligadas à região e ao movimento FNLA, viu-se numa posição vulnerável no novo contexto político. Em 1978, para garantir a própria segurança e liberdade artística, partiu para o exílio em Paris. Tal como Bonga e outros músicos “desalinhados”, Teta Lando tornou-se um “dissidente” involuntário, cantando Angola de longe quando a pátria o ignorava. Contudo, mesmo longe, ele nunca abandonou Angola – antes a levou consigo no coração e na voz. Durante os 11 anos em que viveu fora, produziu e editou grande parte da sua obra, frequentemente cantando no seu kikongo materno e difundindo a cultura angolana na diáspora. As “saudades de Angola” que sentia foram expressas em várias composições nostálgicas – a mais emblemática, “Eu Vou Voltar”, tornou-se um hino pessoal de esperança no regresso. Lançada em 1981, esta canção era uma promessa em forma de melodia: o exilado que sonha com o dia em que pisará novamente o chão da terra amada. Teta Lando personificou, assim, a experiência de milhares de angolanos forçados a deixar o país, mas que mantiveram acesa a chama do retorno e da reconciliação.


Arte e engajamento pela reconciliação nacional

Com o fim da década de 1980, começou a abrir-se uma brecha de esperança na vida de Teta Lando – e, por extensão, na vida cultural angolana. Em 1989, ele concretiza o tão almejado retorno: aproveitando uma relativa détente política, Teta Lando voltou a Luanda e foi recebido de braços abertos no Festival Nacional da Cultura (FENACULT), no estádio da Cidadela. Aquele reencontro com o público angolano, após anos de ausência, foi apoteótico e profundamente simbólico. Ainda que Angola só viesse a alcançar a paz efetiva em 2002, o regresso de Teta Lando prenunciou a reconciliação possível: um artista outrora associado a uma facção rival era agora celebrado em plena capital, provando que a cultura podia servir de ponte onde a política erguera muros. De volta à terra natal, Teta Lando assumiu conscientemente um papel reconciliador. Nos anos 90, em meio à continuação do conflito civil, ele manteve-se ativo como símbolo de união através da música, participando em espetáculos e projetos que juntavam artistas de diversas procedências.


A própria trajetória institucional de Teta Lando evidencia essa vocação unificadora: já em meados dos anos 2000, ele foi eleito presidente da União Nacional de Artistas e Compositores (UNAC), passando a ser porta-voz e representante de toda a classe artística angolana. Ocupou o cargo de 2006 até à sua morte em 2008, e durante esse mandato batalhou pela dignidade dos músicos do país. Foi graças à sua liderança empenhada que o governo aprovou, por exemplo, a atribuição de uma pensão de reforma para artistas veteranos (com mais de 35 anos de carreira ou 65 anos de idade). Este feito notável de Teta Lando – garantir amparo social aos artistas pioneiros que muitas vezes viviam esquecidos – ilustra bem o seu caráter conciliador e humanista. Ele não só pregou a união em palavras e músicas, mas construiu pontes reais, integrando gerações e sensibilizando as autoridades para valorizarem aqueles que moldaram a cultura nacional.


Importa lembrar que Teta Lando desempenhou este papel conciliador sem jamais abdicar dos seus princípios ou raízes. Se em 1975 ele cantava “Angola, Angola, nós somos teus filhos”, décadas depois continuou a pôr a Nação acima de facções, trabalhando lado a lado com artistas de todos os quadrantes. Ao vê-lo liderar a UNAC e ser respeitado por colegas de diferentes origens, muitos angolanos compreenderam que era possível superar divisões antigas em nome de um bem maior: a cultura e a identidade comum. Não deixa de causar perplexidade que figuras como José Eduardo Agualusa, cuja obra é muitas vezes hermética e cuja relação com as dores reais do povo angolano é no mínimo distante, tenham sido recentemente distinguidas. Agualusa afirmou, num artigo publicado num jornal brasileiro de grande circulação, que o 27 de maio foi o episódio mais traumático da história angolana — uma afirmação reveladora, vinda de alguém cuja visão do país parece mais ancorada em salões literários europeus do que na experiência coletiva do povo angolano. Já Teta Lando, sem sofismas nem jogos de linguagem, compreendeu que a verdadeira ferida nacional foi a guerra civil — e à sua maneira humilde, mas poderosa, pediu reconciliação entre irmãos. Entre a abstração e o consolo, é realmente oportuno homenagear agora quem soube cuidar da alma de Angola. O reconhecimento oficial também foi chegando, ainda que tardiamente. Em 2019, Teta Lando foi distinguido a título póstumo com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na modalidade de música. Na ocasião, o júri destacou que as suas composições “tornaram-se clássicos do cancioneiro angolano”, reinterpretados e adaptados por diversos artistas nacionais e estrangeiros. De facto, Angola já não esquece Teta Lando. Afinal, “o tempo da exclusão cultural chegou ao fim” – e Teta Lando merece figurar entre os heróis culturais oficialmente reconciliados com a pátria.

Um legado vivo na memória coletiva angolana

Passados quase 15 anos da sua partida física, Teta Lando permanece profundamente vivo no imaginário coletivo de Angola. As suas músicas ecoam nas rádios, nos mercados, nas ruas e nas vozes de quem viveu os tempos difíceis da guerra e da paz reconquistada. Muitos dos seus temas tornaram-se intemporais: canções como “Um Assobio Meu”, “Negra de Carapinha Dura”, “Tata- (a)- Nkento” ou “Angolano Segue em Frente” estão há décadas entre as mais amadas do cancioneiro nacional. Não são apenas relíquias do passado – são canções que ainda hoje emocionam e inspiram. Prova disso é a constante revisitação da sua obra por artistas mais jovens: vários clássicos de Teta Lando ganharam novas versões, remisturas e estilos, tanto por músicos angolanos contemporâneos como por estrangeiros apreciadores da world music. A força melódica e poética de temas como “Irmão Ama Teu Irmão” continua a atravessar gerações, carregando uma mensagem universal de amor e perdão que nunca perde atualidade. O impacto intergeracional de Teta Lando vê-se em homenagens recentes.

Em 2021, por exemplo, o conceituado cantor jovem Yuri da Cunha realizou uma série de espetáculos intitulada “Yuri da Cunha canta Teta Lando”, interpretando integralmente a obra do mestre para plateias de todas as idades. Esses concertos temáticos – divididos simbolicamente em “A Primeira Vez”, “O Exílio”, “O Regresso”, etc. – recriaram a trajetória de Teta Lando e proporcionaram momentos de profunda nostalgia e emoção, mostrando como as suas canções ainda falam ao coração do público. No encerramento de um dos concertos, diversas figuras da velha guarda musical angolana subiram ao palco, num abraço literal entre gerações impulsionado pelo legado de Teta. Na ocasião, o próprio Ministro da Cultura, Jomo Fortunato, elogiou a iniciativa, sublinhando a importância de transmitir às novas gerações este legado e de incentivá-las a cantar nas línguas nacionais – exatamente o que Teta Lando sempre fez, ao valorizar o kikongo e o português em pé de igualdade na sua arte. Momentos como esse confirmam que a obra de Teta Lando não é apenas memória – é matéria viva, relevante para a construção contínua da identidade angolana.

Teta Lando no panteão dos consagrados


Ao celebrarmos oficialmente a consagração de Teta Lando no cinquentenário da independência, não se trata apenas de homenagear um músico ao lado de Bonga e Waldemar Bastos. Trata-se de afirmar, com clareza e dignidade, os valores de unidade e reconciliação nacional. Teta Lando simboliza como poucos a história complexa de Angola: participou do entusiasmo da independência, sofreu na carne a divisão da guerra fratricida, cantou no exílio a dor e a esperança de um povo, e viveu para ver (ainda que brevemente) a Angola em paz, à qual dedicou seus últimos esforços de união. Celebrá-lo agora, ao mais alto nível, é reparar uma dívida de gratidão nacional. Este gesto confirma que Angola, aos 50 anos, abraça todos os seus filhos — inclusive aqueles que outrora a crítica fácil etiquetou de “dissidentes”, mas que na verdade sempre amaram a pátria através da música. Teta Lando foi, é e será um tesouro cultural angolano, ao lado dos demais grandes. Elevá-lo ao panteão dos consagrados pela Nação é um gesto de rara grandeza política e cultural, que reforça a paz das memórias e inspira as futuras gerações a seguirem em frente, de mãos dadas. Porque, tal como ele cantou, “o caminho é difícil mas traz a liberdade” – e nada simboliza melhor a liberdade reencontrada de Angola do que ver todos os seus filhos ilustres finalmente reunidos na mesma celebração nacional.

Ricardo Vita é headhunter e observador pan-africanista