Luanda - Quase três décadas depois da sua implementação, a Alta Autoridade Contra a Corrupção não saiu do papel, ou seja, não foi implementada.

Fonte: Punga Ndongo

Esta entidade de extrema importância para o combate de um dos principais males que assolam a nossa sociedade continua a figurar no nosso ordenamento jurídico desde 1996.


Convém recordar que a lei n.º 3/96 foi publicada em Diário da República em 5 de Abril de 1996, e a mesma confere poderes alargados à Alta Autoridade Contra a Corrupção para instaurar inquéritos, sindicâncias e realizar diligências de investigação por iniciativa própria ou por denúncia de qualquer cidadão.


Em termos de liderança, a lei indica que a Alta Autoridade Contra a Corrupção deveria ser composta por um presidente e dois vice-presidentes, propostos por qualquer grupo parlamentar, e eleitos pela Assembleia Nacional mediante votação de dois terços dos deputados.
A sua institucionalização está, portanto, na dependência da Assembleia Nacional.

Quando olhamos para a forma como os negócios do Estado hoje são feitos, isto é, as privatizações, como as licenças são atribuídas e as obras públicas como são adjudicadas, ficamos com a sensação de que algo mais deve ser feito em defesa do Estado.

Como é possível terem sido privatizados 93 activos, pelo Programa de Privatizações (Propriv), estimados num total de 980,48 mil milhões de Kz contratualizados, e o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (Igape) diz ter recebido, em dinheiro, 597,13 mil milhões de Kz ?

O Executivo angolano dispõe de órgãos de fiscalização das práticas governativas e da conduta dos agentes administrativos e demais funcionários públicos designadamente, a procuradoria-Geral da República (PGR) e a inspecção-Geral da Administração do Estado (IGAE), mas os resultados podiam ser outros com a implementação dessa entidade supracitada.

É preciso cerrar fileiras, visto que à corrupção está entre os maiores desafios de governação e desenvolvimento de Angola.


De acordo com a percepção da corrupção feita em Angola, em 2024, pelo Afrobarometer, 54% dos angolanos consideram que a corrupção tem vindo a aumentar todos os anos.


Todavia, a partir do ano de 2018, quer a Procuradoria- Geral da República, quer a Inspecção-Geral da Administração do Estado têm prestado um serviço assinalável ao Estado angolano, contribuindo para melhores práticas no serviço público, sendo exemplos disso o aumento do número de declarações de bens depositadas por funcionários públicos, assim como, o incremento do número de processos-crime remetidos aos Tribunais e a apreensão de bens desviados do Estado.


Embora pouco divulgados, mas com bastante interesse pedagógico e de prevenção geral, os arquivos da IGAE registaram, no período de 2019 - 2023, um total de 568 agentes administrativos acusados de actos de corrupção, o que perfaz uma média de 113,6 funcionários públicos/ano.


Estes esforços deviam prosseguir, no presente ano, por parte da Assembleia Nacional com a implementação no ordenamento jurídico angolano da Alta Autoridade contra a Corrupção e da parte do Executivo, com a criação de um estabelecimento prisional (cadeia) destinado aos funcionários públicos e agentes administrativos que tenham sido condenados por crimes de natureza financeira, porquanto o número de envolvidos já ultrapassa os 500 arguidos/ano.

De recordar que a Assembleia Nacional de Angola aprovou, através da Resolução n.•2/06, de 23 de Junho, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção com o objectivo de criar políticas de prevenção, detecção e repressão da corrupção na Administração do Estado, e, em 2024, o Governo angolano aprovou a Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da corrupção (ENAPREC).

A estratégia, a ser implementada até 2027, visa também promover a boa governação, reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e adoptar boas práticas, tanto no sector público como no privado.


Ainda que à estratégia seja gerida por uma comissão multissetorial definida por Sua Excelência, o Presidente da República, propomos uma reflexão sobre à pertinência da criação de uma entidade independente que possa efectivamente supervisionar e fiscalizar o seu cumprimento .

(*) Bastonário da OAA- 2018/2023