Luanda - Angola é um país que nos últimos tempos se tem deparado com problemas de vária ordem, que se devem, em grande medida, à guerra que vivemos  no nosso passado recente, mas, também à governação. 


Fonte: Club-k.net


Hoje me proponho falar  de um assunto pouco referenciado por parte dos fazedores de opinião das diversas áreas do saber e que diz respeito à relação entre as políticas públicas  e estudos científicos que deveriam ser feitos para suportar a tomada de decisões no âmbito do processo de governação. Apesar de não ser nenhum “expert”  na matéria, resolvi expôr a minha modesta opinião formada em volta do assunto na expectativa de, humildemente, por este  meio, dar o meu contributo.

 

Como jovem e simples  cidadão, penso que todos os problemas que vivemos actualmente em Angola como pobreza extrema, corrupção,  falta de alimentação condigna, falta de habitação, deficiente acesso aos serviços de saúde, baixo nível de escolaridade, desestruturação das famílias, deficiente acesso à justiça, degradação do ambiente (problemas que para vermos só precisamos de abrir os olhos assim que acordamos pela manhã) e tantos outros,  afectam directamente a vida das populações e são por isso considerados  “problemas sociais”.

 


A persistência destes problemas, mesmo depois de inúmeras estratégias políticas, deve-se à existência de uma relação causa-efeito  que envolve todos eles, tornando-os  um causador de outro e, decorrendo daí um ciclo vicioso. Como consequência, o executivo tem  dificuldades em traçar um plano de prioridades e aplicar os recursos disponíveis em programas que promovam uma equidade na resolução destes  problemas sociais como um todo, resultando na melhoria de vida dos cidadãos. A meu ver, esta dificuldade que resulta em soluções desencontradas, é agravada ainda mais com a inexistência de um diálogo permanente e a  falta de uma relação continuada entre o governo, a  academia (universidades, centros de pesquisa) e a sociedade de uma forma geral.

 


O autor norte americano John C. Maxwell, especialista em liderança de renome mundial, na sua obra “Talento não é tudo” (1), fez a seguinte constatação:

 

«« As equipas envolvem mais pessoas, permitindo, assim, mais recursos, ideias e energia do que os que têm um único indivíduo.

 

As equipas maximizam o potencial de um líder e minimizam os seus pontos fracos. Os pontos fortes e os pontos fracos são mais expostos individualmente.

 

As equipas contribuem com múltiplas perspectivas sobre como suprir uma necessidade ou alcançar um objectivo, desenvolvendo, assim, várias alternativas para a situação. A percepção de um individuo raramente é tão ampla e profunda quanto a de um grupo quando enfrenta um problema.

 

As equipas partilham o crédito pelas vitórias e a culpa pelas perdas. Isto estimula a verdadeira humildade e a autêntica comunhão. Os indivíduos levam o crédito e a culpa sozinhos. Isto estimula o orgulho e, às vezes, um sentimento de fracasso.
As equipas mantêm os líderes a par do objectivo. Os indivíduos que não se ligam a ninguém podem mudar o objectivo sem prestar conta.»»

 

Esta visão de John Maxwell é aplicável ao contexto público, isto é, à governação, ou seja, o governo deve olhar para as diversas áreas do saber que a sociedade dispõe, no sentido de tê-las como integrantes da “equipa”, o que pode evitar que  a execução de um determinado programa se limite  apenas as ideias, desejos,  paixões políticas, ou ambições, de um determinado grupo de governantes, e assim, se esgote a uma visão política do problema o que constitui um passo em direcção ao fracasso do programa. É necessário, para cada assunto, ter uma perspectiva maior e, neste sentido, a visão académica e da sociedade como um todo, pode ser importantíssima.

 

Em qualquer país desenvolvido ou que se queira desenvolver fortemente, quem gera conhecimento e informação é, essencialmente, a academia. Este corpo de conhecimentos permite ao governo sustentar as suas estratégias e decisões relativas à solução dos distintos problemas. Por esta razão, investir em pesquisa e tecnologia é um pressuposto fundamental para garantir um desenvolvimento sustentado. Em Angola, entretanto, é comum os governantes tomarem decisões sobre aspectos de grande impacto social, econômico ou mesmo político, sem buscar o necessário respaldo de académicos que, muitas vezes, desenvolveram já estudos aturados e cientificamente estruturados sobre determinada matéria. As soluções para os nossos mega-problemas são muitas vezes encontradas dentro do círculo fechado do executivo, por vezes, dentro de um núcleo bastante restrito deste ôrgão de Estado. Muitas vezes, nem mesmo os técnicos ao serviço do governo são, para o efeito, consultados. Em alguns casos, entretanto, tais decisões devem ser precedidas de um diagnóstico de situação profundo, que possa responder a detalhes de carácter cultural, religioso, histórico, geográfico, antropológico, médico, etc, que só  os académicos seriam capazes de descrevê-los com a necessária cientificidade, para assegurar a racionalidade do processo decisório e o desenho de soluções apropriadas e sustentáveis.

 

Para termos uma ideia prática, vou me basear em exemplos específicos como  as demolições e expropriações de terras, tão em voga entre nós, e que têm muitas implicações sociais e fortes repercussões políticas.

 

Será que o governo avaliou bem as implicações do modo  em que as demolições e expropriações de terras têm vindo a ser feitas? Será que o governo sabe como e em que direcção os indicadores sócio-demográficos e sócio-económicos vão se movimentar do seu estado actual, após este acto? Quando me refiro ao verbo  “saber”, tenciono questionar se existe realmente um estudo científico prévio, desenvolvido por uma entidade idônea, que prevê a melhoria de todos os indicadores implicados neste problema, após a execução de um acto desta natureza. Ou será que são apenas os interesses econômicos e políticos que falam mais alto?

 


O modus operandi destas demolições e expropriações de terras, tem  se revestido, via de regra, de inusitada e gratuita violência,  incompreensível, aliás, se considerarmos que o que se diz é que elas visam, ironicamente,  o bem do povo.  Pode-se, perfeitamente, agir de maneira diferente, até porque para um mesmo problema não existem soluções únicas. No caso vertente, têm se feito opções que incorrem em elevados custos políticos e sociais. O recurso às potencialidades acadêmicas existentes poderia eventualmente mostrar o leque de opções disponíveis e, assim, apontar aquelas que oferecem vantagens sob todos os pontos de vista.

 

Porém, para que o canal entre a universidade, sociedade e governo esteja patente e permeável é necessário que o Governo assuma de forma inequívoca suas responsabilidades no suporte ao ensino e à investigação científica, investindo desinteressadamente nestes sectores para que possa colher da academia “os bons frutos” o que resultaria no desenvolvimento lógico de uma cultura científica que desembocaria inexoravelmente no ideal que é a sociedade do conhecimento.

 

 A fraca conexão entre Executivo, sociedade e academia que se regista em Angola, tem contribuído muito para o estado de letargia que os docentes universitários e investigadores manifestam, fazendo com que a actividade acadêmica se limite em leccionar por via de apontamentos e fascículos, isto é, sem produçaõ efectiva de conhecimento. Deste modo, os acadêmicos, de maneira geral, não estão a gerar conhecimento novo que contribua para a melhoria de vida do povo angolano que actualmente sofre com imensos problemas ou, que sirva de referência para as próximas gerações.

 

Falando da prestigiada Universidade Agostinho Neto (U.A.N), na qual obtive a minha licenciatura em medicina, sabe-se que têm sido desenvolvidos muitos estudos, fundamentalmente aquando dos trabalhos de fim de curso, o que já é muito bom. Não obstante, acho que estes estudos não têm tido impacto na vida das populações, porque são concebidos e realizados de forma isolada, sem ter em vista um projecto consistente comum.


Penso que, a  U.A.N  e outras universidades públicas recém abertas, deveriam delinear projectos de investigação, com objectivos de adquirir informação e conhecimento que se revele útil para os planos de desenvolvimento do país e para suportar o governo no processo de adopção de estratégias e  tomada de decisões. Assim sendo, qualquer estudo feito quer por docentes ou discentes, deveria obedecer os objectivos gerais da universidade. Isto pode ser viável e efectivado, se para cada um dos  projectos de investigação forem criados grupos compostos por docentes e discentes de diferentes faculdades e áreas do saber (dependendo da necessidade) e encabeçados por docentes mais diferenciados, permitindo que a medida que o projecto se desenrola muitos aumentem o seu grau académico (obtenção de licenciatura, mestrado, doutoramento, especialização). Deste modo, apesar dos diferentes ramos, todos estariam a olhar para um só caminho, e os laços de união entre as diferentes faculades e, quiçá, entre diferentes universidades, tornar-se-iam  mais fortes para o bem da emergente comunidade científica angolana e da sociedade.

 

Para que isto aconteça é necessário uma vontade política forte de quem governa, e uma vez concretizado, podemos dizer que estamos a trabalhar em “equipa” conforme aconselha John Maxwell.

 

Penso pois, que a aliança entre  governantes,  académicos e sociedade, é fundamental na busca de soluções para os ingentes problemas do povo angolano. Só esta aliança fará com que se encontrem soluções mais efectivas que realmente conduzam a resultados mais profícuos.

 

Autor: Rosalon Guvengue Pedro (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)
 Médico (Recém formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto)


Referências:
1. MaxWell, John C. Talento não é tudo: Descubra os 13 princípios para superar os seus talentos e maximizar as suas competências. 2ªedição Portuguesa. Outubro 2007.