Portugal - O pessoal da minha geração vive, absolutamente, maravilhado com a nova faceta de Angola. Edifícios belos e moderníssimos. Estradas asfaltadas. Passeios novos. Ruas limpas e iluminadas. Jardins fantásticos com fontes luminosas.


Fonte: angolainterrogada.blogspot.com/


Para essa geração que cresceu nas privações da guerra e do socialismo, essa nova e deslumbrante faceta de Angola é a prova categórica do enorme esforço do «Governo» e da grande capacidade dos nossos governantes.

 

Isto fez-me lembrar a primeira vez que saí de Angola para Portugal. Era a última semana do mês de Outubro de 1991. Tínhamos acabado de sair do penoso socialismo e estávamos sob os inebriantes efeitos do processo de paz e reconciliação saído dos acordos de Bicesse. Naquela altura, Portugal era um mundo novo para mim. Rendi-me, rapidamente, às fantásticas paisagens urbanas e às inúmeras ofertas do consumismo capitalista. Todos os bens de consumo que, nos duros anos do socialismo, achávamos inalcançáveis estavam ali expostos em grandes quantidades.

 

Queria partilhar as maravilhas que passei a ver todos os dias e impressionar o pessoal que ficou em Angola. Por isso, comprei uma máquina fotográfica Kodak e comecei a fotografar montras das lojas, hipermercados, ruas, jardins, edifícios, etc. Reuni um bom número de álbuns e entreguei-os a um portador que regressava a Angola.

 

Absolutamente convencido dos estragos que aquelas fotos iriam causar, esperei pela resposta dos meus familiares e amigos. Passado algum tempo, comecei a receber as tão esperadas cartas. Os meus irmãos, primos e amigos ficaram, naturalmente, maravilhados. Mas a minha mãe e os meus tios não!

 

Para minha grande surpresa, eles não acharam nenhuma novidade nos temas das fotografias que receberam. Antes pelo contrário: as suas cartas transmitiam uma dolorosa nostalgia da Angola do tempo deles. Minha mãe: «Filho, as montras que fotografaste fizeram-me lembrar as lojas de Nova Lisboa. Fizeram-me reviver os bons tempos em que andávamos de loja em loja a fazer compras». Minha tia: «Zezinho, a mana mostrou-me as fotos que mandaste. As fotos das ruas iluminadas e enfeitadas para o Natal fizeram-me lembrar as ruas do Huambo do nosso tempo. Eu adorava admirar aquele maravilhoso colorido nocturno. Ai que saudades!». Meu tio que já era um importante quadro da administração pública: «Zezinho, já vi as fotos que mandaste. Gostei, sobretudo, das fotos do Hipermercado de Braga. Fez-me lembrar o Pão de açúcar de Luanda. Aquilo era fantástico». Outro meu tio: «Zé, eu vi as fotos que mandaste para a mana. Fiquei com uma das fotos do magnífico jardim com a fonte luminosa. É para matar as saudades do tempo da nossa mocidade quando íamos com as namoradas aos jardins e tirávamos fotografias nas fontes luminosas do Huambo e do Lubango».

 

Fiquei chocado! Afinal, tudo o que, em 1991/92, eu estava a admirar em Portugal já havia em Angola?! Nos princípios dos anos 70 Luanda já tinha um grande hipermercado?! O Huambo já tinha lojas iguais as que admirei em Lisboa, Porto e Braga?! As cidades de Angola já eram limpas e organizadas, já tinham magníficos jardins e belas fontes luminosas e já eram tão bem iluminadas como as cidades de Portugal?!

 

Custou-me acreditar. Por mais que tentasse, não conseguia imaginar uma Angola como a que a minha mãe e os meus tios descreveram! Porque cresci a ver lojas com montras vazias e gradeadas. Acostumei-me a viver em cidades sujas, desorganizadas e constantemente sem luz. Habituei-me a conviver com ruas esburacadas, prédios degradados, jardins maltratados e fontes destruídas e a sem água.

 

Parti, então, em busca desta Angola maravilhosa que os nossos mais velhos conheceram. Devorei os livros com imagens da Angola dos meus kotas. E a internet dizimou todas as minhas dúvidas: As cidades e vilas de Angola eram modernas e magníficas.

 

O pessoal da minha geração pode conhecer Angola do tempo dos nossos pais e tios clicando neste link: http://www.sanzalangola.com/galeria/cidades.

 

Este regresso a Angola dos nossos kotas deixou-me indignado. É que passamos toda a nossa infância e adolescência a ouvir falar do mega projecto de Reconstrução Nacional. Os dirigentes socialistas diziam estar a reconstruir uma Angola que os colonialistas não souberam erguer. Tínhamos o Ministério da Construção e Habitação. Sempre tivemos Ministros, Vice-Ministros, Delegados Provinciais e vários funcionários que todos os dias iam trabalhar para os seus gabinetes e postos de serviço. Importamos imensa maquinaria pesada ligada ao sector da construção e engenharia civis. Enfim, o Estado gastou imenso dinheiro a sustentar o dito projecto de Reconstrução Nacional.

 

Mas, afinal, fomos sempre mantidos no obscurantismo e a tão falada Reconstrução Nacional não passou de um vistoso aparato da propaganda ao serviço de um grupo de incompetentes astutamente mascarados de socialistas. Porque eu não me lembro de ver um único edifício erguido pelo Ministério da Construção e Habitação. Não me lembro de ver qualquer obra concebida e projectada pelos técnicos do Ministério. Pode ser que esteja a ser injusto. Mas nas cidades onde vivi (Huambo e Lubango) não me lembro de ter visto uma obra nova. No Lubango, em finais dos anos 80, vi os soviéticos a acabarem de construir um desses prédios que os colonos deixaram. Vi os Jugoslavos a asfaltarem algumas ruas da cidade. Só isso e nada mais!

 

Os dirigentes socialistas não acrescentaram em nada ao património urbanístico e cultural da cidade do Lubango que nunca esteve em Guerra. Não edificaram casas, não fizeram nem conservaram as ruas e sempre ignoraram a importância urbana de um simples jardim ou de uma rua bem iluminada.


Vejamos, por exemplo, o estado deplorável desta rua do Lubango (antiga cidade de Sá da bandeira) fotografada por Nelson Viegas no dia 18 de Fevereiro de... 2007.

 

Antes da independência esta rua chama-se Capelo Ivens. Depois passou a chamar-se Deolinda Rodrigues. Esta rua está uma vergonha! Lubango foi uma cidade que nunca esteve na rota dos grandes palcos da maldita guerra. O que andaram a fazer os Comissários e Governadores Provinciais nos últimos 30 anos?

 

Esta fotografia é o fiel retrato do vergonhoso estado da bela Angola que herdamos dos «colonialistas portugueses» e que não soubemos conservar e melhorar. E a nova Angola que está a maravilhar o pessoal da minha geração não é nossa. É uma Angola projectada e construída pelos estrangeiros e que, de certeza, não conseguiremos conservar….