Luanda - 1.  Problema da Habitação: Verifica-se hoje em todo o país uma crise de habitação grave, exigindo atenção cuidadosa para que seja sanada de uma forma eficaz, prática e moderna.


Fonte: Club-k.net

 

Não é uma crise nova mas é, antes, o agravamento enorme da crise que se vem arrastando sem solução desde há algumas décadas. A guerra, com o encarecimento e dificil aquisição dos materiais necessários à construção, e com a fuga de capitais para aplicações diversas da construção de prédios de rendimento, dando imediatamente maiores lucros, levou à quase paralização das actividades construtivas neste ramo e, consequentemente, ao agravamento da crise e ao seu alastramento a camadas populacionais que, antes, de todo a ignoravam:- as classes médias.

 

Terá de se abranger o problema na sua totalidade, e encará-lo sem os preconceitos que hoje, infelizmente, são tão vulgares, com a consciência plena de que, se for encarado erradamente, disso resultará uma solução errada, neste caso, significa pura e simplesmente um agravamento ainda maior da crise, com todas as suas péssimas consequências.

 

Em quase toda a Africa excepto Angola se começou já a desenhar um movimento tendente a confiar aos Municipios ou organismos equivalentes, o encargo de fornecer habitações, como mais um serviço, análogo aos dos transportes colectivos, fornecimento de água, de luz, de gáz, etc que na sua maioria dos casos, já lhes são tradicionalmente confiados, proibindo as inversões de capital particular na construção de prédios de rendimento.

 

O rendimento dos prédios construídos pelo Municipio, revertendo para o mesmo Municipio, constitui mais uma fonte de riqueza pública que não é de desprezar e o capital particular, obrigado a procurar outros escoadouros, irá inverter-se em industria produtivas que, ao contrário de exploração de prédios de rendimento são capazes de criar um enriquecimento real do País. Dentro deste critério, os terrenos abrangidos pelas zonas de construção de casas para alugar devem igualmente ser propriedade municipal, acabando-se com a condenável prática de venda em hasta pública de talhões, prática que, em última análise, provoca fatalmente um encarecimento da renda.

 

Parece-nos que esta maneira de encarar o problema conduz à solução mais justa. O Municipio, com as suas possibilidades de informação a respeito das necessidades dos municipes e com o crédito suficiente para poder empatar, na construção de prédios, capitais amortizáveis a longo prazo, poderá proporcionar, melhor que o capital particular, a casa de renda barata de que a maioria da população Africana necessita; porque a casa de renda barata só se poderá conseguir através do grande volume de construções e só organismos poderosos, com protecção do Estado, lhe poderão fazer frente.

 

Além disso o Municipio acertará melhor que o capital privado as disposições dos planos de urbanização em cujo projecto tem geralmente pura intervenção directa; desta forma encarando o problema da construção de habitações, unitária e indissoluvelmente ligado ao da construção de escolas, cresches etc, se conseguirá, vem as peias nem os entraves que hoje a cada passo surgem na execução desses planos, uma organização da vida citadina mais harmoniosa, mais eficiente, e mais saudavel do que aquele que até hoje se tem conseguido.

 

Note-se que a acção aqui preconizada para o Municipio é uma acção, por assim dizer, desinteressada – portanto capaz de resolver o problema no interesse dos municipes, que é, ou deve ser, o próprio interesse do municipio – enquanto que a acção do capital  privado está condicionado pela maior ou menor margem de lucro que possa obter. E mais justa se afigurará esta solução se se reparar que esse capital tem evitado sistematicamente lançar-se à construção de prédios de renda barata, interessando-se apenas pela construção de prédios de renda elevadissima, inacessíveis à maioria da população Africana.

 

Em colaboração com os Municipios outras corporações devem ter por obrigação o fornecimento de habitações aos seus membros: sindicatos, unidades militares, Universidades, grandes empresas industriais devem ter no seu património um certo número de casas de habitação para alugar por rendas baratas, aferindo disso lucros que reverterão justamente em seu benefício.

 

Ao mesmo tempo, as cooperativas de habitação capazes de fornecer casas a um enorme número de famílias, de uma forma prática e em condições acessíveis a uma larga maioria da população, devem ser acarinhadas e protegidas.

 

Nada mais legitimo nem mais respeitável que o desejo, que qualquer pessoa tem de possuir uma casa sua, para nele habitar. E as cooperativas de habitação representam uma possibilidade imediata de transformar esse sonho longinquo e quantas vezes frustrado numa realidade ao alcance de muitissima gente.

 

A actual crise de habitação pode ser resolvida. Os progressos na técnica da construção tornam essa resolução relativamente fácil, permitindo dar alojamento decente às grandes massas populacionais que presentemente dele carecem. Sem esquecer que esses mesmos progressos permitiram o alargamento do conceito de alojamento decente a qualquer coisa mais do que quatro paredes e um tecto.

 

Francisco Gonçalves