Luanda - 1. Foi com estupefacção que tomei conhecimento do pronunciamento do MPLA, onde denuncia um suposto incitamento à desobediência civil por parte da UNITA. Tal incita­mento teria sido feito através da emissora de rádio que a UNITA tutela, a Rádio Despertar. Atra­vés do seu porta-voz, o Secretá­rio para a Informação, Rui Fal­cão Pinto de Andrade, acusou o MPLA pessoalmente o Presidente da UNITA da mesma prática, o que torna o assunto ainda mais grave, dado o nível de responsabi­lidade deste último.


Fonte: SA


 
2. Por norma, acompanho a programação de muitas rádios, públicas e privadas, sempre com o objectivo de obter informação mais completa, mais detalhada. Não discrimino, pois, as nossas estações de rádio, mesmo que re­conheça que uma ou outra, por vezes, opta por omitir, ou então, por não atribuir o devido valor a determinadas matérias, muitas vezes de interesse nacional, ou mesmo de forte impacto interna­cional. Esse é o método que infor­mação que uso e o que me permi­te manter-me actualizado.


 
3. A posição de Rui Falcão, Secretário para a Informação do MPLA, colheu-me de surpresa, sobretudo no que se refere ao po­sicionamento do Presidente da UNITA, pessoa que tenho em boa conta, pelo carácter moderado que lhe reconheço. Pensei, pois, que ao tomar uma posição inversa ao seu perfil público, Samakuva teria sido vítima momentânea de algum descuido de linguagem. A ser assim, ele teria que aproveitar uma qualquer oportunidade para vir a público retratar-se, pedindo desculpas pela gafe.

 

 
4. Todavia, logo no dia seguin­te à acusação de Rui Falcão, tive a oportunidade de ler uma súmula do discurso de Samakuva na Pro­víncia do Bié, perante militantes que lhe são afectos, onde dizia precisamente o contrário daquilo de que foi acusado por Rui Falcão, o porta-voz do MPLA.
 


5. No Bié, mais concretamente na Comuna da Kalussinga, Isa­ías Samakuva terá dito a quem o ouviu que se deveria manter o respeito cívico e moral, para se garantir os direitos e as liberda­des no seio dos angolanos. Foi essa passagem que eu li no texto apresentado pelo Angonotícias, uma fonte de informação digital que não me parece ter qualquer afinidade política com a UNITA. Li, também no mesmo espaço, referências a outros pronuncia­mentos de Samakuva, no mesmo comício de Kalussinga, onde terá dito que o povo deve respeitar o governo e vice-versa, pois, não há governação sem população. Ins­tou ainda a população a pautar o seu comportamento pela obedi­ência às autoridades e o respeito aos governantes e aos restantes cidadãos, para que haja harmoni­zação e paz.
 


6. Não tive, pois, acesso a qual­quer outro pronunciamento de Samakuva, de sinal contrário ao que li na Internet, mais concreta­mente no sítio do Angonotícias.
 


7. Depois, tornei a ler, também no Angonotícias, partes da inter­venção de Rui Falcão, o que au­mentou a minha estranheza, so­bretudo quando ele aconselha os militantes do MPLA, seus amigos e simpatizantes, a não reagirem a qualquer convite que os impul­sione a práticas contrárias à lei e à ordem.
 


8. Tomei, então, a liberdade de pensar que tais “práticas contrá­rias à lei e à ordem” serão, eventu­almente, manifestações públicas de desagrado por algo, talvez até mesmo pelas crescentes dificulda­des que a maioria da nossa popu­lação vive. Será que fomos toma­dos, de repente, pela “Síndrome de Maputo”?
 


9. Vou, pois, tratar apenas a questão das “práticas contrárias à lei e à ordem”. Na realidade, as manifestações de rua de modo algum podem ser consideradas contrárias à lei e à ordem, dado que têm perfeito acolhimento no nosso texto constitucional. Além de que são uma prática muito usual nas democracias.
 


10. As manifestações de rua só violam a lei, quando não obede­cem ao que a lei determina, no­meadamente, quando não cum­prem regras procedimentais. Se, por qualquer motivo, cidadãos angolanos, filiados ou não em partidos políticos, optarem por manifestar publicamente o seu desagrado face a qualquer medida ou situação, eles estarão simples­mente a fazer o devido uso de um direito constitucional e democrá­tico. O que será condenável, sim, é extravasar-se esse direito, não o usando legitimamente. Não com­pete, pois, aos dirigentes do país definiram, arbitrariamente, o que pode ser objecto de manifestação, ou não.
 


11. O que se tornou prática recorrente no nosso país é as au­toridades, por norma, desautori­zarem manifestações, a não ser quando elas visam claramente ba­jular, lamber descaradamente as “botas” de alguém (perfeitamente identificado), ou então, quando são feitas por quase ninharias. Tais manifestações, sim, são sau­dadas, são referidas até à exaustão nos órgãos de comunicação social públicos ou afins, são devidamen­te enquadradas e protegidas pelas autoridades policiais.
 


12. O direito de nos indignar­mos por coisas que nos desagra­dam profundamente (ou nos pre­judicam grandemente), mesmo que não esteja ainda consignado na Constituição, ou em leis ordi­nárias, é um imperativo demo­crático que não precisa de consa­gração legal – Foi mais um direito por que os homens e as mulheres deste país se bateram, quando lu­támos pela independência nacio­nal e quando obrigámos o regime totalitário do pós-independência a abrir-se, mesmo que “ainda de kaxexe”. Não nos queiram, pois, agora, fazer recuar no tempo. Não nos queiram fazer perder aquilo que custou muito sangue, suor e lágrimas. Custou mesmo até mui­tas vidas.


 
13. O Secretário para a Infor­mação do MPLA, o Dr. Rui Falcão Pinto de Andrade, meu sobrinho/ primo de quem admiro a capaci­dade oratória e outras virtudes, não terá, talvez, percebido bem que, nos processos democráticos, o espaço das liberdades amplia-se constantemente, e as populações são mais exigentes para com o desempenho dos seus dirigentes. Por isso mesmo, os dirigentes devem estar em permanente in­teracção com o povo, quer seja o povo que neles votou, quer sejam os outros. É o conjunto desses dois “povos” que constitui “os angola­nos”. É com vista a dar satisfação ao essencial das expectativas dos “dois lados” que eles se tornaram seus dirigentes. Para fazerem o contrário, para se satisfazerem a si próprios, não seria necessário porem as pessoas a votar. Bastava regressarem aos tempos antigos. Bastava imporem uma ditadura clara, sem hesitações, como as an­teriores, para nós então também escolhermos outras formas de luta, mais adequadas ao alvo.


 
14. O combate democrático é um combate de ideias e de pro­jectos alternativos. O combate de­mocrático alimenta-se do contra­ditório, por vezes mesmo de um certo discurso azedo. Não vale, pois, a pena vermos fantasmas por detrás de qualquer árvore. Quem vê fantasmas por detrás de todas as árvores, ou está maluco, ou prepara-se para ficar…
 


15. Quanto ao anterior co­municado do MPLA, no qual se acusa certos meios nacionais e internacionais de estarem a per­seguir alguns dos nossos dirigen­tes, denunciando os seus actos de corrupção, por uma questão de birra, ou por má-fé, penso que era escusado fazer-se aquele papel perfeitamente dispensável.


 
16. As evidências de corrupção e enriquecimento ilícito são tão claras que mais valia terem deixa­do a bola passar ao lado… A cara de Santo não fica bem no corpo de pecador… Quem acha que foi ca­luniado, que está a ser injustiçado, que mostre, então, publicamente, como conseguiu – em tão pouco tempo, ganhando e trabalhado tão pouco – enriquecer de forma tão escandalosa. Ou palmou a “massa” de todos nós, ou então, tinha “matite”…
 


17. Sugiro que a Procuradoria- Geral da República inicie um sério processo de investigação, para apurar a proveniência desses dinheiros que os “ofendidos de agora” querem fazer parecer ter conquistado de forma honesta e laboriosa. Nos países democráti­cos, as autoridades judiciais cos­tumam levar em linha de conta até mesmo aqueles sinais exterio­res que não condizem com o his­tórico de cada um…