Luanda - 1. Ponto Prévio - A problemática fundiária para além de inspirar algum cuidado e profundamente na sua abordagem em razão da sua complexidade e multidisciplinaridade deve despertar maior sentido de responsabilidade do governo angolano pois o clima que dela decorre não difere e, dói dizer isso, de certo modo, do vivido no tempo colonial profundamente marcado pelo uso da força, expulsão de famílias camponesas de suas terras tradicionais sem a justa indemnização, exposição de famílias (velhos, viúvas e crianças) ao relento ou em tendas sem condições humanamente aceites e de um formalismo legal de hipocrisias.

 

Fonte: Club-k.net

 

2. Enquadramento da Problemática da Onerosidade da Terra

 

Nos termos do art. 47º da Lei 9/04 a constituição ou transmissão do direito à terra só pode ter lugar a título oneroso. O nº 2 do art.47º  nas suas alíneas a e b conjugado com o art. 50º da Lei 9/04, Lei de Terras, isentam da onerosidade as pessoas que façam prova de insuficiência de meios económicos, o exercício do direito à terra no domínio útil consuetudinário e as instituições de utilidade pública reconhecidas que prossigam a realização de fins de solidariedade social, culturais, religiosos ou desportivos.

 


Os negócios que configuram contratos de compra e venda da terra previstos na al. a) do nº 1 do art. 46 da Lei de Terras e do nº 4 do art. 47º sobre os terrenos urbanos do domínio privado das Autarquias locais (inexistentes entre nós) são feitos por meio de arrematação em hasta pública. Note-se que a eleição de arrematação em hasta pública visa incrementar a concorrência entre os candidatos à aquisição e a finalidade de valorização a atingir como se vê no nº 1 do art. 48º do Regulamento Geral de Concessão de Terrenos (RGCT).

 

Desde que uma empresa tenha experiência na gestão de terras o legislador dispõe a figura de adjudicação mediante abertura do concurso público, cfr. nº 2 do art. 48º do RGCT. Dispõe o nº 3 do art. 57º da Lei 9/04 que o montante da ser pago ou de renda deverá ser calculado com base na situação e classificação do terreno, na sua área e no fim a que se destina. Como é óbvio, a fonte de receitas do Estado dever suporte legal e, no caso, é o Decreto Executivo Conjunto dos Ministérios das Finanças e do Urbanismo e Ambiente como se depreende dos nºs 2 dos art. 67º, 79º, 88º, 104 do RGCT e do art. 156º do mesmo diploma legal. Os valores cobrados devem ser depositados na Conta Única do Tesouro Nacional, cfr. art. 164º RGCT.

 

Em muitos círculos e pelo “nevoeiro informacional” imposto confunde-se o Dec. Sobre a Tabela de Preços da Terra supracitado com o Dec. Tornado público sobre os preços que o Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA) deverá cobrar, enquanto Órgão Técnico de Gestão de Terras em Angola (art. 67º do RGCT) no exercício de suas atribuições de organização e conservação do tombo e trabalhos técnicos relativos à demarcação de terrenos e reservas, etc. a) b) c) d) e) do art. 67º do RGCT. Portanto, o Decreto Executivo Conjunto sobre a Tabela de Preços em Angola ainda não foi publicado.

 

3. Implicações da Não Publicação da Tabela de Preços da Terra

 

Como primeira observação e considerando ser o Estado o proprietário originário da terra que através dos órgãos (Executivo, Ministério do Urbanismo, Governos Provinciais e Administrações Municipais) concede o direito à terra, estamos em presença de um campo bastante movediço. Sem prejuízo de outros entendimentos o princípio da legalidade foi ferido. Se, por um lado, o Estado impõe o respeito à lei afirmando-se, portanto, contra a anomia e por conseguinte à desordem é, por outro, o próprio Estado a desrespeitar o que o legislador impõe. Injustamente, esse golpe à lei desencadeou, segunda observação,

 

 redes subterrâneas de influências que não só fomentam como se nutrem da especulação e falta de transparência pondo em causa tantos e tantos outros direitos.  É a corrupção cada vez mais enraizada em todos os sectores da vida social que semeia um sem número de injustiças sócias__ produzem-se documentos falsos; crescem os índices de burla; um mesmo terreno é vendido a mais de duas pessoas ou empresas; ocorrem ocupações e reocupações de terras do Estado ou de gente pobre que não sabe defender-se; as terras de famílias em comunidades rurais são vendidas sem o seu conhecimento, etc.

 


A terceira observação aponta para o enriquecimento ilícito. Hoje, o enriquecimento fácil através do uso de mecanismos ilegais virou moda. O Estado que deveria arrecadar receitas para financiar iniciativas públicas fica privado dessa receita terra, ou seja, saem mais a ganhar as pessoas do propriamente o Estado. Por isso, ninguém está interessado em publicar o Dec. Sobre a Tabela de Preços da Terra, o Regulamento sobre a Área de Unidade de Cultura que permite aferir a prova da capacidade adequada para garantir o aproveitamento útil e efectivo. As taxas que devem ser cobradas não foram, infelizmente, reguladas.

 

4. Alguns Caminhos a Seguir

 

Por tudo isso, ficam ofuscados os objectivos que determinaram a intervenção do Estado na gestão e concessão das terras previstos no art. 14 da Lei 9/04 tendo em conta as sucessivas violações do direito à terra que se assistem um pouco por tudo o país. Talvez mesmo para além do reforço institucional, financeiro, técnico, humano de serviços que directa ou indirectamente estão envolvidos sob vários aspectos e formas na gestão de terras seja necessário redefinir alguns papéis ou atribuições de algumas instituições e partir para a titulação das terras rurais comunitárias que desde o tempo colonial viram as suas terras esbulhadas.