Moçambique - Num caso que está a causar espanto e muitos comentários,  Micaela Mortar Zangatupe, 58 anos de idade, é a primeira poliandra conhecida em Moçambique. Ela tem dois maridos, com quem partilha o amor e convive na mesma casa, numa à-vontade, no distrito de Caia, província de Sofala.


Fonte: Diariomoz


Esta família reside na periferia da sede distrital, mais concretamente no bairro DAF. Apesar de ser uma área residencial bastante extens a, não foi difícil a nossa Reportagem localizar a casa onde o trio vive, dada a fama e curiosidade que esta coabitação detém na zona.

 

Chegados à residência, perguntámos se estávamos na casa do senhor Toalha, nome pelo qual é conhecido um dos maridos de Micaela. “É sim, mas quem são vocês” — respondeu e perguntou ao mesmo tempo o visado, cujo primeiro nome é Feliz (e não Félix, como erradamente foi registado oficialmente, segundo ele próprio explicou mais tarde).

 

A família é mais conhecida como sendo Feliz, por este ter sido o primeiro esposo de Micaela Mortar Zangatupe, cidadã que nasceu em 1952, na região de Canda, distrito de Gorongosa. Depois dos habituais cumprimentos e de nos identificarmos, serviram-nos um banquinho e uma esteira para nos sentarmos, ao que perguntamos ainda se estávamos na casa onde existe uma mulher com dois maridos.


Sem qualquer tipo de hesitação, Micaela respondeu imediatamente que “sim, é aqui. O outro marido é João Maguza”.


Maguza, irmão mais novo do já falecido régulo Sombreiro, de Caia, nessa altura estava ausente, algures na vila, tendo voltado mais tarde, após ter sido perseguido pela esposa.

 

DECLARAÇÃO DE AMOR


Na entrevista concedida ao “Diário de Moçambique”, cada esposo declarou que Micaela é sua “cara-metade”. Aliás, a própria poliandra disse que “eu amo estes dois homens, por isso, achei por bem casar e viver com eles aqui em casa”.


É verdade que estes senhores são seus maridos? — perguntamo-lo, tendo ela respondido com um “sim”, explicando que se casou primeiro com Feliz Toalha, com quem vive há vários anos.
O segundo marido passou a ser, “oficialmente”, conhecido por Feliz Toalha e a viver na mesma casa a partir de Abril do ano passado. Antes da “oficialização”, contou a poliandra, eram simplesmente amantes.


As relações amorosas entre Micaela e Maguza começaram há muito tempo. Os dois conheceram-se no mercado onde Micaela Zangatupe vende alguns produtos, a exemplo de rapé, conforme ela própria contou.


“Depois achei que ele deveria ser o meu segundo marido. Por isso, convidei-lhe para a casa e apresentei-lhe ao meu primeiro marido” — explicou, justificando que “tomei esta decisão porque eu já estava a passar mal, visto que Feliz já não consegue fazer trabalho aqui em casa” (...sorrisos).


Que tipo de trabalho Feliz não consegue em casa? — interrogamo-la. Depois de alguns minutos de silêncio, ela respondeu que “uma vez que este marido está cego, já não consegue construir uma casa e também não consegue fazer alguma coisa que possa render dinheiro para o nosso sustento. Por isso, arranjei outro marido que não é deficiente visual, este senhor João. Estive a sofrer muito, porque não conseguia nada para comer”.


Curiosamente, Micaela Zangatupe, camponesa, disse que gostaria que este trabalho jornalístico não quebrasse a relação que tem com os dois maridos, argumentando que “eu amo-os... não posso largá-los, pois são meus maridos”.


Argumentou que não pode abandonar o primeiro marido, porque passou por muitas dificuldades com ele, desde que se casaram até à altura da entrevista. “Não vai ser hoje que vou abandonar este marido” — afirmou, acrescentando que “também não vou deixar este meu segundo marido, porque o amo”.

 

Em Moçambique não é normal uma mulher ter mais do que um marido em simultâneo (poliandria), pois o habitual é um homem ter várias esposas ao mesmo tempo (poligamia).


Colocada esta questão à nossa entrevistada, ela respondeu nos seguintes termos:
—  “Sim, mesmo na minha tradição, sou de Gorongosa, não há isso, mas não vejo onde está o problema, pois o importante é os dois maridos não se chatearem, entenderem-se e saberem que estão com a mesma mulher, que lhes serve bem. Antes de trazer o segundo marido, conversei com o primeiro e ele concordou. Aliás, mesmo que não aceitasse, eu continuaria com o mesmo, porque foi minha vontade estar com dois maridos”.

 

DOIS MARIDOS NA MESMA CABANA

 

Por ser portador da deficiência visual, Feliz Toalha beneficiou de uma casa de alvenaria, construída no mesmo quintal. Trata-se de donativo da Cooperação Italiana concedido no âmbito de apoio às vítimas das cheias que assolaram o distrito de Caia, banhado pelo rio Zambeze.


Assim, a cabana passou a ser usada apenas pelo segundo marido de Micaela, esta que, cumprindo uma escala estabelecida, dirige-se à casa de alvenaria para satisfazer o primeiro esposo.


Mas antes da construção da segunda casa, Micaela juntava os dois maridos na mesma cabana, dormindo em esteiras separadas, sem registo de nenhum conflito.


É ainda curiso o facto de Feliz Toalha e João Maguza também partilharem os mesmos pratos na hora das refeições.


Registe-se que Micaela Zangatupe não tem nenhum filho, alegadamente porque não concebe. Foi por isso que, sabendo do seu problema, convenceu a sua sobrinha para se relacionar sexualmente com Feliz Toalha, com que teve cinco filhos, um dos quais já falecido.
É importante anotar ainda que o segundo marido de Micaela Zangatupe tem também outra esposa, a primeira, que vive no bairro Sombreiro, muito distante do DAF.

 

CORAÇÃO NO LUGAR

 

Feliz Toalha, de 52 anos de idade, nasceu a 1 de Janeiro de 1958, no vizinho Malawi, tendo crescido em Angónia, na província de Tete, terra natal da sua falecida mãe. O seu pai, também já falecido, nasceu em Báruè, na província de Manica.

 

Ele contraiu a cegueira em 1994, o ano em que Moçambique realizou as primeiras eleições presidenciais e legislativas, daí que seja uma referência para o cidadão Feliz. O nome Feliz foi-lhe atribuído por ter nascido no primeiro dia do ano. É nesta data em que as pessoas se saudam pelo novo ano.


“Tenho o coração no lugar, pois não me dói nada” — disse Feliz Toalha, quando lhe perguntamos se não sentia algo anormal por ser o segundo marido da sua primeira esposa.  Segundo afirmou, quando Micaela Zangatupe abordou-lhe sobre o caso, não negou, alegadamente porque “é a vontade dela. Imagine se eu negasse, ela não continuaria com o mesmo homem”?


Contudo, reconheceu que na sua tradição nunca tinha ouvido falar de uma mulher juntar-se com dois maridos. “Mas se isso já aconteceu, nada posso fazer, visto que, como eu disse, é vontade da minha esposa, e porque eu também a amo, embora não conceba, não me vou separar dela, embora sejamos dois esposos dela aqui em casa” — frisou.


Para Feliz Toalha, basta haver harmonia entre os dois. Aliás, avisou que “se ele me provocar, com esta raiva que tenho por ser cego, eu vou morrer com ele”. Disse ainda que o único receio que tem é da sua segunda esposa não ser enganada pela sua tia, “porque não gostaria de ver ela também com um segundo marido”.

 

O QUE DIZ JOÃO MAGUZA.

 

João Maguza, que disse não conhecer a sua idade, mas aparentando andar na casa dos 55 anos, afirmou que “eu estou bem aqui em casa. Sei que Micaela é esposa do senhor Feliz, mas também é minha e não há problemas connosco”.


Maguza revelou ser natural da região de Chimbwe, no distrito de Mutarara, na província de Tete. Mutarara limita-se com Caia através do rio Zambeze. Reconheceu que “na minha tradição não há isso de uma mulher casar com mais de um marido... é primeira vez ver e ser eu próprio a aceitar conviver com uma mulher que tem o seu primeiro marido na mesma casa. Eu aceitei porque a amo muito”.


João Maguza tem permanecido uma semana ou mais com a poliandra e quando sai, vai à casa da sua primeira esposa. Afirmou que cumpre a escala que Micaela estabelece. “Não tenho como negar, porque amo muito  a ela” — explicou.

 

O nosso entrevistado garantiu que não entra na casa de alvenaria porque não lhe pertence, na medida em que foi construída para Feliz Toalha, por ser pessoa portadora da deficiência.