Washington -  Em Fevereiro de 1985, recebi uma mensagem com instruções de me preparar para participar num curso geral de Inteligência, em Munique, previsto para Abril e Maio, depois do qual regressaria a Jamba. No principio de Marco, chegou a Londres Marcos Samondo, vindo de Washington, para me substituir.


Fonte: Club-k.net/Jardo Muekalia


Durante  todo o mês de Marco procedi as devidas apresentações e a transição das pastas, que incluíam a tesouraria do partido. Aos 9 de Abril parti para a Munique - Alemanha, onde encontrei o grupo vindo do interior. Eram sete companheiros representando as áreas das operações, informação e diplomacia, nomeadamente: O brigadeiro Isidro Peregrino Wambu Chindondo, chefe do grupo e chefe dos serviços de inteligência militar da UNITA, Barbosa Antunes Epalanga “Bosa”, actual adido militar da Republica de Angola em Beinjing, Garces Chipeio, coronel das FAA, Junior Kotingo Kavannack “Kavas”, ex-vice ministro do interior, Virgílio Samakuva, Manuel Epalanga e Andre Chinjamba.

 

Naquela altura, a Alemanha estava ainda dividida entre a Republica Democrática Alemã- RDA- ou Alemanha de Leste, e a Republica Federal da Alemanha ou Alemanha Ocidental. A RDA tinha os seus técnicos de inteligência do lado do MPLA o que tornava o nosso treino na Alemanha Federal, uma oportunidade impar. A escolha de Munique, como local de treino, tinha muito a ver com a enorme simpatia que o líder do estado da Bavária, Joseph Strauss, nutria para com o Dr. Savimbi e a UNITA.


No dia 10, tiveram início às aulas, com aspectos gerais e um pouco da historia contemporânea da Alemanha. O curso e si, cobriu aspectos tradicionais de inteligência tais como, o recrutamento e treino de agentes, a coleção, processamento, analise e disseminação da informação, usando novos métodos e novas tecnologias de então.

 

Por razoes obvias, os meus colegas tinham uma enorme curiosidade em relação aos métodos e técnicas utilizadas pelos serviços de inteligência da Alemanha de Leste, tema que passou a ocupar a maior parte das discussões que se seguiam as aulas.

 

Queríamos tirar daquela oportunidade todas as vantagens possíveis. Durante os fins de semanas, os nossos anfitriões, levavam-nos a visitar locais de interesse histórico. Assim, visitamos, entre outros, o estádio olímpicos no quais atletas cidadãos israelitas foram assassinados por agentes do Black September, um grupo coligações a organização de Yasser Arafat, durante os jogos olímpicos de verão de 1972. Visitamos a seguir o Castelo Neuschwanstein de Ludwig II, rei da Bavária no fim do século XIX. Admirador fanático de Luis XIV da Franca mandou construir o seu castelo a semelhança do Castelo de Versalhes.


Nenhuma das visitas impressionou-me mais do que a visita a fronteira da RDA. No dia 20 de Abril fomos ate a região de uma pequena vila chamada Bayruth, junto da fronteira. Chegados ali, viajamos alguns kilometros na estrada que ficava ao longo daquele muro que separava as duas Alemanhas. O muro alternava-se com arame farpado eletrificado, e tinha postos de observação eqüidistantes com sentinelas atentos que seguiam todos os nossos movimentos.

 


Dava a impressão de que estávamos a contornar uma imensa cadeia. Quanto mais nos falavam da vida do outro lado do muro, mais acreditávamos na nossa própria luta, pois, a emulação daquele sistema no nosso pais era evidentemente, indesejável. Ao fim da tarde, ocorreu uma cena engraçada. Antes de deixarmos Bayruth, decidimos ir ate a um restaurante para matar a fome. Logo que entramos, o pessoal que la estava deixou de comer e pôs - se a olhar para nos como se tivéssemos caído de um outro planeta. Dirigimo-nos a uma mesa e sentamo-nos.


Seguiram-se murmúrios e conversas agitadas entre filhos a pais. Enquanto estas conversas aumentavam de tom, os nossos instrutores pareciam cada vez mais inconfortáveis e sugerir que nos fossemos embora quando o M/V Kandanda, que fala alemão, nos disse que os miúdos estavam a pedir as suas mães se podiam apalpar os nossos cabelos.

 


Nesta altura decidimos distender o ambiente e convidar os miúdos a satisfazerem a sua curiosidade. Explicamos também aos nossos instrutores que se um grupo de alemães aparecesse de repente numa aldeia de regiões remotas do nosso pais, a reação seria a mesma. Os miúdos aproximaram-se e tocaram os cabelos de africanos. Independentemente de considerações racistas, as expressões faciais que fizeram eram genuinamente preciosas. Obviamente, não havia africanos a residirem naquela região da Alemanha o que tornou a nossa passagem uma lição de cultura geral para os presentes. De Bayruth fomos para Nueremberg e visitamos o local onde os oficiais nazis foram julgados depois da Segunda Guerra Mundial.
 

 

*Extraído do livro: Angola, a segunda revolução
de autoria de Jardo Muekalia,
 disponível em
www.wook.pt