ANTEVISÃO DE UM PROJECTO DE SOCIEDADE CONTRA OS ANGOLANOS

Luanda - Desde as eleições legislativas de 2008 que assistimos a implementação de um programa fundamentalmente económico em detrimento de programas sociais em que o povo seja privilegiado com soluções concretas no domínio da educação, saúde e protecção civil de um modo geral. Percebe-se hoje, que o programa de um milhão de casas é um projecto imobiliário destinado a comercialização para beneficiar uma minoria, enquanto os habitantes dos inúmeros muceques em Luanda e no resto do país não cabem em nenhum programa habitacional por falta de capacidade de compra.


Fonte: A Capital

 

Mesmo que a venda das unidades habitacionais se situe abaixo do anunciado 60.000 (sessenta mil) dólares certamente não será acessível para quem vive em Luanda nos bairros dos Ossos, Sambizanga, Marçal, Mabubas, Quarto de Banho, Petrangol, Cazenga, Cariango, Mabor, Terra Vermelha, Cassequel do Lourenço ou do Buraco, Palanca, Sapú, Kapalanca, Simione, Madeira, Precol para citar apenas alguns. Sequência de uma encenação diabólica que começou com o empobrecimento do povo através da economia centralizada e que conhece novas etapas com demolições de casas em todo o país diante de um povo sem perspectiva de empoderamento devido a falta de abertura do sector privado da economia que recupere para si toda actividade informal.

 

A economia gravita em redor de um Estado que se julga com soluções para todos os problemas dos cidadãos. Um Estado paternalista que insiste em empregar toda a gente e a manter o povo numa mendicidade permanente (com salários baixos e altas taxas de corrupção institucional) enquanto se propõe a investir em sectores vocacionais da iniciativa privada (novas centralidades, redes de lojas Nosso Super, Fazendas agropecuárias, etc.). O que obriga parte do povo, não burocratizável, a refugiar-se numa economia paralela ou informal como forma de fugir a omnipresença do Estado na economia. Do ponto vista formal o sistema económico angolano começou os seus primeiros passos para a iniciativa privada e livre concorrência nos idos anos 80 quando foram introduzidas as políticas de saneamento económico ao que se sucederam as leis do Redimensionamento Empresarial e das Privatizações em resposta a inoperância das nacionalizações enquanto emanação económica soberana assumida no âmbito das opções económicas fundamentais. De lá pra cá, centenas de leis do domínio económico foram aprovadas sem grande relevância para o funcionamento da economia real.

 

Hoje, na III República quando se esperava nascer a verdadeira reforma económica pela transferência do protagonismo directo do Estado para os particulares, assiste-se ainda a um estranho esforço de reinvenção do sector empresarial do Estado. Fala-se de empresas públicas (para exploração de bens e serviços de difícil acesso aos particulares) e de empresas do domínio público (para concorrer com os particulares explorando os mesmos bens e serviços). Esta última versão de empresas públicas é uma triste reinvenção das antigas EMPAs e ENCODIPAs que nos tristes anos 80 atestaram a incapacidade do Estado em controlar o comércio de bens e serviços básicos para as populações. Renascem numa altura em que a Lei das Delimitação das Actividades Económicas, muito inovadora, liberta muitos dos sectores da economia, antes tidas como reserva absoluta do Estado, para o domínio da actividade empresarial privada. Quando a exploração da televisão, radiodifusão, transportes marítimo e aéreos de longo curso e muitas outras actividades estratégicas são legalmente transferidas para o domínio privado, não faz sentido ter um Estado a procurar concorrer com os particulares sob pena de abandonar as suas áreas de vocação como a construção de infra-estruturas técnicas e viárias, pontes e equipamentos sociais e mesmo até a saúde, educação e a protecção civil, como tem acontecido.

 


Está claro, que o Executivo não quer libertar a economia privada enquanto espaço de realização dos indivíduos, a partir do qual o problema da pobreza e crise de valores sociais seriam rapidamente resolvidos pela expansão do nível de emprego e enriquecimento dos indivíduos. O povo continua a ser vítima de manobras estranhas que levam o Estado a concentrar todas as oportunidades e soluções sociais.

 

 Não se compreende por exemplo que a Bolsa de Valores e Derivados de Angola há muito anunciada não sai do papel, quando se sabe que esta instituição constitui a alavanca a partir da qual toda a economia privada começaria um ciclo de crescimento vertiginoso com a estruturação do mercado financeiro onde produtos financeiros do Estado (títulos de dívida pública, bilhetes do tesouro, etc.) e da economia privada (obrigações, acções, etc.) seriam transaccionados criando capacidade de investimento e diversificando fontes de financiamento para as empresas privadas para além de desencadear um conjunto de serviços (empresas e instituições financeiras, agentes e especialistas ligados a imediação de valores mobiliários) por si potenciadores de centenas de postos de trabalho. Da mesma forma o empresariado angolano, fraco mas persistente, assiste impotente a uma política fiscal arrasadora, onde o Imposto Industrial está fixado em 35% para além de centenas de taxas e impostos, ou desnecessários ou exagerados; uma política de investimento privado excessivamente burocrática em que a legalização de empresas é a coisa mais difícil de realizar e o investimento estrangeiro encontra todos os factores inibidores possíveis; uma política aduaneira com muitas taxas desencorajadoras para tudo que não se produz em Angola e não definida para a região da SADC em favor dos angolanos e suas empresas; Uma política de crédito inexistente porque o Estado tornou o sector bancário seu parceiro comercial privilegiado ao ponto deste perder interesse de operar com os particulares; Uma política fundiária que não confere possibilidade de titularidade dos terrenos de cultivos para constituição de meios de garantias bancárias em caso de concessão de crédito ao campo; enfim, um conjunto de dificuldades e obstáculos conscientemente “plantados” para entravar a expansão da economia privada. Por isso, é quase certo que no discurso à Nação, não se falará da economia privada, ao invés e como de hábito, o esboço discursivo da Nação desenhará as realizações públicas incluindo os fracassos inultrapassáveis, lardeando a velha mensagem de que o Estado tudo pode tudo deve diante de um povo cansado de paternalismos.


(Texto em alusão ao primeiro discurso do Chefe de Estado à Nação elaborado a pedido de Tandala Francisco, Director Geral do Semanário A CAPITAL)