Por isso, a mudança que pode influenciar, positivamente, o novo rumo de Angola tem de partir de nós. Somos nós que temos de mudar. Ou como reza uma estrofe do poema Depressa, de Agostinho Neto: «Não esperemos os heróis/ Sejamos nós os heróis/ Unindo as nossas vozes e os nossos braços/Cada um no seu dever»

S. Paulo escreveu na 1ª Carta aos Coríntios a seguinte passagem: «No tempo em que eu era criança, falava como criança, sentia como criança, raciocinava como criança. Mas, quando me tornei homem, eliminei as coisas de crianças» (1 COR. 13, 11). É nisso que consiste a nossa mudança. E a primeira etapa desse processo de mudança deve incidir na desintoxicação da propaganda.

Assim, por mais que doa e custe a muitos, a nossa geração precisa de questionar, repensar, pôr em causa e debater tudo aquilo que nos foi ensinado durante os tempos da OPA e que tem condicionado a nossa forma de avaliar os governantes, de exercer a cidadania, de pensar o País e de viver a angolanidade. Para os que não sabem, a OPA (Organização dos Pioneiros de Agostinho Neto) era, nos anos do marxismo-leninismo, a organização responsável pela instrumentalização, manipulação, militarização e politização das crianças angolanas que estavam sob a jurisdição do então chamado MPLA-PT.

Assim, não podemos continuar a repetir incansavelmente que o nosso país é rico. Não podemos continuar a gabar-nos de sermos o maior produtor de petróleo de África. Isso era no tempo em que éramos crianças, sentíamos como crianças e raciocinávamos como crianças. Agora, temos de pensar como cidadãos e indagar se as nossas condições de vida estão ao nível dos nossos vastos recursos. Temos de perguntar se os nossos governantes têm gerido de forma competente essas tão gabadas riquezas. Temos de questionar se o facto de sermos os maiores produtores de petróleo tem trazido melhorias significativas dos nossos direitos humanos.

E são as pequenas coisas do nosso quotidiano que nos podem ajudar a avaliar o desempenho dos nossos governantes na gestão dos nossos recursos. Por exemplo: o Asfalto é um dos derivados do petróleo. Ele resulta dos hidrocarbonetos de elevado peso molecular e das impurezas que, durante o processo de refinação do petróleo bruto, se vão acumulando no fundo da torre de destilação a vácuo. Então, se somos os maiores produtores de petróleo e se o asfalto vem do petróleo, porque é que as ruas das cidades de Luanda, Benguela, Namibe, Lubango e Sumbe continuam esburacadas, empoeiradas e imundas? Porque é que a nossa capital tem poucas estradas e de qualidade duvidosa? Porque é que os automobilistas Luandenses continuam a aglomerar-se como sardinhas nas velhas estradas deixadas pelos colonos?

Não podemos continuar a gabar-nos de sermos um país com vastos recursos hidroeléctricos e donos dos mais importantes rios de África. Isso era o que nos ensinavam nos tempos da OPA. Agora, temos de pensar como cidadãos e perguntar se os nossos governantes têm gerido e aproveitado de forma competente esses tão gabados recursos hidroeléctricos. Temos de questionar se o facto de termos muitos rios tem trazido melhorias significativas dos nossos direitos humanos. Por exemplo: Se temos muita água, então, porque é que os que vivem nas cidades de Luanda e Benguela, e se gabam de ser mais urbanos e mais civilizados do que os outros, há décadas que não conseguem tomar banho de chuveiro? Sim, meus irmãos, tomar um duche é a coisa mais simples e mais normal que um urbano pode fazer. Se temos muitos recursos hidroeléctricos, então, porque é que os habitantes do Namibe e do Lubango, até hoje, não conseguem ter luz eléctrica durante 24 horas consecutivas?

A segunda etapa do processo da mudança deve incidir na afirmação da cidadania. Os dirigentes que conhecemos desde a nossa infância já não mudam mais porque estão habituados ao nosso comportamento de povo. Por isso, a mudança que pode influenciar positivamente o novo rumo de Angola tem de partir de nós. Assim, se quisermos que os futuros dirigentes mudem e se empenhem na construção de uma Angola pacífica, unida e próspera, somos nós que temos de mudar. Somos nós que estamos obrigados a deixar de ser povo e passarmos a ser cidadãos exigentes nos seus direitos e cientes dos seus deveres cívicos.

Nesta fase da afirmação da cidadania é crucial adoptarmos, no nosso quotidiano, duas atitudes: A primeira atitude deve consistir em combater a velha mentalidade muito enraizada entre nós que considera os actos daqueles que estão ao serviço do Estado como um grande favor que eles nos fazem. Assim, e já o disse noutros artigos, é preciso mentalizarmo-nos de uma vez por todas que ter uma casa, luz, água, roupa, comida, paz e sossego de modo a gozarmos de uma passagem digna e feliz por este mundo, não é um favor que um Presidente, um Governo ou um Partido Político nos faz por mera compaixão. É, sim, um sagrado direito nosso, aprovado por Deus e consagrado universalmente pelos homens de boa vontade. Construir escolas e hospitais, humanizar os serviços de assistência medico-medicamentosa, melhorar o emprego, a saúde, a educação e as nossas condições de vida não é um acto de caridade dependente da caprichosa vontade dos dirigentes. É, sim, uma obrigação fundamental do Governo e um sagrado dever do Estado.

A segunda atitude de afirmação da cidadania consiste em aprendermos a avaliar bem aqueles a quem queremos confiar os destinos do nosso promissor País. Porque só podem merecer a nossa confiança política, o nosso respeito e a nossa profunda admiração os dirigentes que se mostrem altamente competentes no respeito pelos nossos sagrados direitos e na canalização de todos os recursos e de todas as potencialidades do País na criação de condições que contribuam para o nosso bem-estar físico e espiritual.

Assim, deixar de ser povo é deixar de defender, de aclamar, de dar vivas, de seguir e de idolatrar o Presidente, o Ministro, o Governador Provincial, o Administrador Municipal e o Director que não nos respeitam como cidadãos e não cessam de dar provas de incompetência na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

Chegou, portanto, a hora de deixarmos de ser povo e passarmos a ser cidadãos. Ou como escreveu S. Paulo: «Chegou a hora de nos levantarmos do sono, a noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz» (ROMANOS 13, 11-12), «de modo que não seremos mais meninos inconstantes, levados por qualquer sopro de doutrina, pela malignidade dos homens e pelos seus artifícios enganadores» (EFÉSIOS 4, 14).

Fonte: http://www.angolainterrogada.blogspot.com/