SOBRE A VIABILIDADE DAS CORRENTES DE OPINIÃO E OUTROS INTERESSE

 

Na senda da propositura de uma acção judicial ao Tribunal Constitucional por parte de alguns membros do MPLA com fundamentos genericamente enquadrados na necessidade de igualdade de exercícios de direitos político-partidários extensivos a todos os militantes deste partido político, incluindo daqueles que se vêem “marginalizados” no quadro das oportunidades estatutaria e legalmente estabelecidas vem a reflexão de que os partidos políticos, tal como todas as pessoas colectivas, são individualizáveis e sujeitas as leis. A individualização das pessoas jurídicas diante da Lei determina a clara separação entre as organizações e as pessoas (membros) que as compõem. Podendo acontecer que qualquer membro da organização que se sinta lesado nos seus interesses recorra contra a mesma enquanto pessoa jurídica responsabilizando-a dos respectivos danos morais ou materiais, forçando a alteração de condutas dos seus gestores ou dirigentes em prol dos interesses colectivos dentro de critérios fundados na proporcionalidade dos efeitos dos seus actos e contratos.

 

Fonte: SA


Não havendo qualquer pejo em admitir que as organizações sejam judicialmente demandadas, coloca-se-nos o problema de saber se os membros das organizações são livres de demandar as mesmas sempre que se lhe apeteça? A resposta negativa é evidente na medida em que o sentido de acção colectiva imposta pelo princípio da colegialidade das decisões que afectem a vontade e interesses dos seus membros implica que sejam deliberadas pela decisão das maiorias enquanto mecanismo deliberativo amplamente aceite nos sistemas democráticos modernos. Reportemos a um exemplo de escola pela fotografia de uma empresa sob forma de sociedade comercial (não importa o tipo) em que os sócios em Assembleia Geral deliberem sobre uma matéria que afecte visivelmente os interesses de um deles com o pretexto de que a mesma é vital para a empresa explorada pela sociedade comercial. Acontecerá que a maioria votará a favor de tal decisão social tendo em conta que a sobrevivência da empresa deve sobrepor-se aos interesses de cada individuo, porém o sócio prejudicado pela decisão pode instar a sociedade (gerência ou administração) para que lhe sejam reparados os danos emergentes ou, não conseguindo por esta via, demandar judicialmente a sociedade através da sua gerência com vista a ver satisfeito os seus interesses lesados. Este exemplo fotográfico ampliado num tamanho que cubra as organizações políticas pode ser visualizado sem quaisquer restrições, com a simples alteração de que nestes tipos de organizações as decisões são tomadas tendo em conta os interesses (ideologias e perspectivas políticas) das pessoas (e não de quaisquer empresas autónomas) e como tal devem acautelar os interesses das minorias procurando sacrificá-los, quando necessário, o mínimo possível. Daí que, em partidos políticos, sejam proibidas certas formas de descriminações entre os seus membros (art.º 8º alínea a) – Lei n.º 15/91 de 11 de Maio – Lei dos Partidos Políticos, doravante LPP) e que aos mesmos sejam vedadas práticas que promovam o tribalismo, racismo, regionalismo e outras formas de descriminação (art.º 5º, n.º 2 alínea a) – LPP), o que representa a protecção de interesses de igualdade entre os cidadãos consagrados na Lei Constitucional.

 


Apreciando em concreto os fundamentos do pedido em causa há a constatar a necessidade de reconhecimento de diversas correntes de opinião, a “abolição” dos comités de especialidades e a possibilidade de exercício abstracto de todos os direitos dos membros (militantes) estatutaria e legalmente consagrados. Quanto ao reconhecimento de diversas correntes de opiniões no seio do partido, a Lei Constitucional admite a liberdade de consciência e de opinião como direitos fundamentais. Se assim não acontece, estamos inequivocamente perante actos (incluindo omissões) perfeitamente inconstitucionais. O problema na verdade se coloca na concretização desta possibilidade legal, i.é, embora o Tribunal Constitucional reconheça esta liberdade e em consequência condene o MPLA a afastar tais normas estatutárias (se existem) haverá o problema de determinar se o simples afastamento normativo será suficiente para a satisfação deste interesse assim manifestado pelo grupo de militantes em causa. É que os aspectos subjectivos (interesses políticos) e as matérias (normas) nem sempre são coincidentes no plano da concretização. Podendo ser extintas as normas e mantidas as práticas. O que resolve o problema da inconstitucionalidade suscitado sem resolver os problemas manifestados pelos membros interessados. Nos parece que tais actos podem ser desencorajados pela responsabilização jurídica em função de ameaças de interesses ou dos danos efectivos deles decorrentes e como tal impor sanções disciplinares, civis ou mesmo criminais aos seus agentes na medida do prejuízo patrimonial causado a organização correspondente. Já a hipótese da extinção dos comités de especialidades (dos economistas, dos sociólogos, psicólogos, juristas, médicos, etc.) não parece ser constitucionalmente relevante, pois que as organizações podem agrupar os seus membros em razão de capacidades técnicas sem que disto decorram efeitos discriminatórios. As necessidades de maior desempenho organizacional recomendam tais modelos desde que sejam úteis para o efeito. Todavia, não é admissível que tais comités de especialidades sejam criados com prejuízo de interesses dos restantes membros. Nesta variante, o problema da inconstitucionalidade pode ser colocado desde que estejam em causa interesses de igualdade de tratamento dos membros no âmbito dos direitos e deveres gerais reconhecidos a todos os membros. Pelo que o problema não está na extinção de tais comités mas na limitação dos seus objectivos e actividades em razão da especialidade técnica dos seus membros. No que toca a necessidade de exercício abstracto dos direitos político-partidários não há dúvidas que a sua inviabilidade representa violação de direitos, necessariamente estatutários (art.º 23º n.º2 – LPP), com fundo constitucional assente em direitos fundamentais de igualdade. Por isso é que a Lei Proíbe procedimentos disciplinares dentro dos partidos políticos que põem em causa tais direitos fundamentais (art.º 28º - LPP).

 


De todo o modo, as organizações políticas primam pelas discussões dos interesses dos seus membros em homenagem ao princípio da colegialidade das decisões dos seus órgãos sociais, o que impõe que todos os recursos internos sejam esgotados antes de quaisquer recursos judiciais, salvo quando hajam danos evidentes ou interesses legítimos seriamente ameaçados e os seus responsáveis não manifestem interesse em resolvê-los. Ao que passa a ser imputado pelo seu representante legal máximo, visto que os partidos políticos são representados judicialmente pelos seus Presidentes ou pelos órgãos definidos pelos respectivos estatutos (art.º 20º n.º2 alínea j) – LPP). Finalmente, vale recomendar que as normas estatutárias e regulamentares obedecem aos ditames da Lei dos Partidos Políticos vigente que materializa os interesses constitucionalmente consagrados pelo que é casuisticamente viável o procedimento judicial para impugnação de certos actos imputados ao partido em causa, embora nos assista algum cepticismo quanto a possibilidade de tais interesses serem completamente satisfeitos com o provimento de uma acção de inconstitucionalidade posto que em partidos políticos a protecção dos interesses subjectivos (ideologias ou estratégias de grupos) são proeminentes em relação as normas que os consagram e protegem, para além de que por essa via judicial não se reparam ou se previnem danos.


*Albano Pedro