De Africanos, a pontuação Angolana é quase nula

Tenho 19 anos de idade, estudante, na diáspora, do curso A-Level da Universidade de Cambridge, há dois anos.

Algum tempo antes de ter saído de Angola depois de ter terminado o meu PUNIV, ouvia e apreciava as vozes conscientes do hip-hop/rap Angolano (como por exemplo o Projecto Ngonguenha 2004, ”Pão Burro” de Phay Grand O Poeta) e comecei então, questionando-me sobre diversos assuntos que assolam a sociedade Angolana em geral (no país e na diáspora), apresentados por tais vozes. Tentei muitas vezes, maioria sem sucesso, debater com kambas e com mais velhos sobre a actual situação da nossa sociedade, focalizando-me mais na juventude Angolana actual e no futuro de Angola que está dependente de nós.

Ouvi e li (algumas até aqui no club-k.net) muitas opiniões e linhas de pensamento de muitos jovens angolanos e que, na maioria, culminam numa mesma linha de pensamento: a chave para um melhor futuro para Angola será o desprezo pela nossa cultura, a mentalidade naïve e a não aceitação da real “realidade” Angolana.

O africanismo

Qual é a ideia ou opinião geral dos jovens angolanos no que diz respeito ao Africanismo e ser Africano?
No meu entender, ser Africano na opinião de um jovem angolano é usufruir de tal identidade quando lhe é de interesse. Refiro-me àquelas situações em que o Angolano acha bonito zurrar aos quatro ventos “sou Africano de raíz”, para depois desprezar e subestimar o irmão que tão orgulhosamente tem um nome Africano ou de outra maneira exibe o seu Africanismo...
O mesmo acontece com alguns dos que muitas vezes ladram “somos todos Angolanos”, para depois, por uma ou outra razão, ir de novo aos quatro ventos e zurrar “são vocês sulanos, são vocês cicranos, são vocês daqui, são vocês dali...”

Certo dia, por um órgão de comunicação massiva, ouvi um cidadão de identidade estrangeira (que aparentemente Angola tinha sido o primeiro país Africano que tinha visitado) dizer que lhe tinha sido dito que Angola não era um país Africano, mas sim um país no continente Africano. Essa afirmação foi deixada em reticências o que obviamente, convidava a audiência a interpretar e tirar conclusões próprias. Nisso, em análise eu concluí o que parecia mais lógico: nada mais do que Angola tenha perdido a verdadeira identidade Africana. Simples, direito ao ponto. De Africanos, a pontuação Angolana é quase nula.

É triste, e deixa mesmo lágrimas aos olhos. A nossa escravidão mental cresce cada vez mais e mais depressa. Não é culpa total dos nossos ancestrais e progenitores  e infelizmente, tal vírus parece não ter cura para eles. É culpa é também nossa. Eu tenho sempre dito que os nossos pais vieram de uma era muito difícil e nós temos que perceber e aceitar isso. Nós, da era livre e aberta, não devemos permitir que o que o mal que foi implantado nas mentes dos nossos pais nos afecte negativamente e comprometa o nosso futuro e de futuras gerações Angolanas!

Os adormecidos perguntam sempre no que ajudaria a “rebantulização”. Saber  aceitar a nossa cultura é conhecer a nossa identidade, saber de onde viemos para percebermos onde estamos e traçar o melhor caminho para onde vamos. É não termos necessidade de nos refugiarmos em irrealidades e na escravatura mental. É libertarmo-nos dessas correntes que há muito nos vedam e sairmos para uma grande e maravilhosa aventura, que é a prosperidade de uma Angola melhor, de uma África melhor. É acreditar que apesar das nossas “diferenças”, somos um povo que tem uma origem comum e um objectivo comum. ”Rebantulizar” é lembrar do sangue derramado por esse grandioso continente, na luta pelo que Deus nos concedeu. ”Rebantulizar”é reviver a maravilha que é a nossa África.

A Globalização
África é um continente com uma vasta diversidade cultural em que, infelizmente, em alguns muitos países observa-se uma certa segregação. Note-se que essa segragação ocorre entre Africanos... esse “processo” consiste em separar  a classe que é acreditada ser inferior (em parámetros modernos)  da classe que escolheu optar pelo caminho da tão chamada Globalização. A classe “inferior” é constituida por Africanos que não apresentam um “avanço” tecnológico e/ou moderno e/ou que não tenham um conhecimento das línguas europeas que, clarifique-se, deveriam ter um papel internacional e não oficial e/ou nacional como tem ocorrido. Já a classe “moderna” ou globalizada é a classe que apresenta um avanço moderno. Alguns elementos bem identificados desse grupo são os elementos que contribuem e em grande proporção para o estado lamentável do  nosso continente.

A globalização é o principal factor para o estado de África. Africanos modernos escolhem tentar empatar-se ao passo do oriente de maneira naive e nada inteligente e é por isso que enquanto Africanos modernos não mudarem a sua atitude, contemos com estaca zero até que o Universo envelhaça. A nossa escravatura e escuridão mental e a nossa teimosia em não nos libertarmos nos impedirá sempre de termos uma África melhor.

Tudo começa com a segregação que descrevi acima. Não se entende como é que queremos falar em África unida quando ao mesmo tempo achamo-nos superiores a nossos imãos! Hipocrisia! Há a necessidade de haver união verdadeira.
Eu defendo que a solução começa em educarmo-nos e educarmo-nos e educarmo-nos e reiforçamos sempre e sempre os valores morais humanos, que se resumem nos valores Africanos (acho que muitos concordariam). Deve haver uma maior reforço na incorporação de todos os africanos (que estejam dispostos, sem serem forçados) a participar na arquitectura de uma África melhor.

A inclusão de todos os Africanos começaria na implementação de políticas que incorporem a criação de material em línguas Africanas indígenas assim como o seu uso em sistemas educativos. Refiro-me à criação de mais material jornalístico, tecnológico e académico em línguas Africanas indígenas. Isso permitiria que populações com pouco ou nulo conhecimento e dominío de línguas internacionais também seguissem eventos da sociedade e para que tenham um conhecimento do funcionamento desta e podessem assim participar activamente e justamente nela. Permitiria também que Africanos com pouco ou nulo conhecimento e domínio de línguas indígenas Africanas comunicassem com Africanos acima descritos e acima de tudo, apreciar e viver a beleza do nosso maravilhoso Africanismo. Assim, dar-se-is ao fim da inclusão de uns e a exclusão de outros.

 Muitos concordariam comigo em que países como India e China, países muito fortes economicamente, são grandes exemplos de como o uso de línguas indígenas exerce um papel primórdio no (se calhar quase) excelente estado das suas sociedades.

Tudo começa agora e connosco, jovens Angolanos. Os nossos ancestrais tiveram o seu papel. Infelizmente falharam em muitos aspectos mas isso é bom porque deve ser analisado e deles, grandes melhorias podem ser feitas. Aprender dos erros cometidos.

Atenciosamente,

* Yambi Dinis
Fonte: Club-k