Luanda - Uma amálgama de atropelos ao regulamento do concurso maculou o «Grande Sorteio» promovido pela revista África Today. Medram as suspeitas de falta de transparência por parte da publicação encabeçada por Cláudia Cardoso. A alteração do local do concurso, sem que os concorrentes tivessem sido previamente informados e a não divulgação atempada dos vencedores estão a ser encaradas como uma «autêntica falta de respeito». E a distribuição dos prémios parece envolta em polémica.


*Ilídio Manuel
Fonte: SA

Distribuição de prémios envolta em polémica

Desde o seu lançamento no mercado há 5 anos, a revista África Today terá realizado no ano passado o seu maior volume de vendas. O «boom» financeiro ter-se-á ficado a dever ao «Grande Sorteio 11 de Novembro 2010», promovido pela publicação de origem portuguesa. Tida como uma revista com «excessiva colagem ao poder» e com baixo volume de vendas, a Àfrica Today terá aproveitado a ocasião não só para inverter esse quadro como também para projectar a sua imagem, por via de aliciantes prémios.

 

Através de uma ampla campanha de marketing, difundida pela Televisão Pública de Angola (TPA), Jornal de Angola e Jornal dos Desportos, a revista, que dizia assinalar os 25 anos da sua existência, dava conta que estavam em disputa cerca de «101 Prémios e101 Vencedores».

 

Dentre os inúmeros prémios a sortear, figuravam uma casa; um Jipe, 9 carros turismos, 10 motas, 10 frigoríficos, igualmente número de computadores, geradores e televisores.


A data escolhida para realização do sorteio estava agendada para o dia 10 de Novembro, «em directo na TPA», segundo os spots publicitários, que apontavam o dia seguinte, ou seja, o 11 de Novembro para a divulgação dos resultados «no Jornal de Angola».


«Nesse dia fiquei à espera que os resultados fossem divulgados na TPA», confessa, visivelmente desapontado um oficial superior da Polícia Nacional, ligado à área do Trânsito.

Diz que não foi apenas ele que, no seu local de serviço, tinha os olhos colados ao pequeno ecrã. «Éramos, no total, 10 elementos que havíamos concorrido ao sorteio», ajunta.


O policial, que preferiu não dar o rosto, diz que ainda esperou ver os resultados publicados no JA, na edição do dia 11 de Novembro, «mas em vão».
Acredita que milhares de outros concorrentes terão igualmente vivido os mesmos sentimentos de frustração que os seus.


«Sem que tivesse sido previamente informado, soube, por via de outras fontes que a África Today tinha decido realizar o concurso no dia 19 de Dezembro, não na TPA, como estava previsto, mas sim na RNA», diz um outro concorrente, que pediu para ser identificado apenas por João.

 

Afirma que a informação lhe foi prestada no mesmo dia por pessoas amigas que, segundo ele, tinham conhecimento que havia sido um dos premiados com um gerador. Este jornal apurou que a divulgação dos resultados no Jornal de Angola ocorreu apenas no dia 25 de Dezembro.

 

Uma penosa caminhada

 

João diz que, mal soube que era um dos vencedores do concurso, se pôs em campo no dia 20, numa tentativa de localização dos escritórios da África Today. Confessa que não foi feliz nos contactos telefónicos que antes fizera para os números que estavam estampados nos bilhetes do concurso.

 

«Percorri meia Luanda, da Marginal ao Alvade, passando pela Maianga, na tentativa de localizar os escritórios dessa revista», conta, para depois acrescentar: «Só dei com os escritórios no dia 5 de Janeiro, na Zona do Nova Vida, rua 32, 507».

 

Não se tratou, pelos vistos, de uma procura fácil, visto que no site desta revista, a que o Semanário Angolense teve acesso na quarta-feira, 12, estava estampado um outro endereço, que nada tinha a ver com aquele que está localizado no «Nova Vida. Nele, lê-se o seguinte: morada-Luanda- Rua Fernão Mendes Pinto, n.º 88, Alvalade.

 

João afirma que, depois de preenchidas algumas formalidades, nos escritórios da publicação recebeu a garantia de que o «seu» gerador lhe seria entregue na Fermat, no dia 13 e que na véspera desse dia seria contactado para o efeito.


Este jornal soube que, até ao fecho da presente edição, nesta quinta-feira, 13, ele não havia ainda recebido o gerador a que tinha direito, nem tão pouco havia sido contactado, conforme a promessa que havia sido feito nos escritórios.


Conta que no dia em que se deslocará aos escritórios da referida publicação havia sido confrontado com uma «enorme agitação» de pessoas que lá haviam se deslocado para protestar pelo facto de não terem recebido os seus prémios.


Segundo Cláudia Cardoso
TPA rompe a corda por indisponibilidade de tempo

 

Abordada sobre o assunto na quarta-feira, 12, por via de um correio electrónico que havia sido endereçado, a proprietária e directora da África Today, Cláudia Cardoso alegou, «a televisão não teria como o fazer (4 horas), apesar de haver um acordo entre as partes», pelo que o sorteio teve de ser realizado na RNA.


Em defesa da lisura do certame diz que o sorteio não foi escondido, visto que o mesmo foi feito «na presença das Lotarias de Angola».

 

«Ao longo da emissão fomos apelando aos vencedores para comparecerem à RNA, o que sucedeu, e tem vindo a acontecer. A lista de vencedores foi de imediato entregue aos órgãos de comunicação, nomeadamente, TPA, RNA, Jornal de Angola e Jornal de Desportos, tendo ficado uma lista na posse do organismo que tutelou o sorteio, as Lotarias de Angola. A lista foi afixada igualmente nos pontos de venda do sorteio», ajunta.

 

Em relação à entrega dos prémios, afirma que até ao momento já foram entregues 74 prémios, um processo que esteve alguns dias interrompido, devido ao período de festas.


Aproveitou a ocasião para referir que os vencedores deverão reclamar os seus prémios no projecto Nova Vida, rua 32, casa 507, fazendo-se acompanhar do bilhete premiado e do cartão de identidade.

 

Questionada sobre se a publicação por si dirigida era sucessora da extinta África Hoje, uma revista criada há 25 anos pelo seu falecido pai Albérico Cardoso, respondeu que a «África Today assumiu dar continuidade ao legado editorial e intelectual deixado pela Revista África Hoje. São 25 anos de persistência, e regularidade editorial».


Não respondeu à questão se a mesma iria honrar o pagamento das dívidas ao fisco em Portugal, que haviam sido deixadas pela defunta «África hoje».

 

Herdou apenas o activo

E as dívidas, Cláudia?


A ascensão e queda de um império fundada por Albérico Cardoso mereceu há aproximadamente 6 anos a atenção do SA que, na sua edição n. 97, de 29 de Janeiro a 05 de Fevereiro, dava conta numa matéria publicada por este jornal que a «Fuga ao fisco e outras dívidas afundam a África Hoje».

 

Dizia na altura, o SA que a Licidus, empresa do português Albérico Cardoso, que editava as revistas África Hoje, Gente e Viagens, Portugal-Brasil, o semanário África e outras publicações, tinha fechado as suas portas a 31 desse mês por penhora dos seus bens.

 

«Durante muitos anos a empresa de Albérico Cardoso viveu na ilegalidade e por duas vezes ele foi obrigado, em Tribunal, a pagar chorudas indemnizações a dois dos seus ex-colaboradores, Maria Natal Cruz e Elsa Xavier, ambas angolanas», referia o artigo.

 

Afirmava esta publicação que a decisão das finanças portuguesas surpreendeu e chocou vários empregados de Albérico Cardoso, pois foi a partir dela que tomaram conhecimento que o seu patrão não honrava as suas obrigações fiscais.

 

Dizia ainda o SA que o empresário luso havia estabelecido com vários dirigentes e instituições angolanas relações de estreita amizade que lhe escancaravam as portas a milionários contratos de publicidade. Quase todas as grandes empresas públicas - Sonangol, Endiama, TAAG e instituições como o Banco Nacional de Angola- assinavam com as publicações de Albérico Cardoso milionários contratos de publicidade. Isto é, aquilo que negam ou dão a jornais e outras publicações em números minguados.


Nessa edição, afirmava-se que havia a convicção (errada) entre alguns governantes de que a referida revista seria um porta-voz fiel da realidade angolana em Portugal, Brasil e outros países de expressão portuguesa. Em Portugal ninguém pagava um tostão furado pela revista e no Brasil ninguém a conhecia.


Num exercício de antevisão, previa o Semanário Angolense, Cláudia Cardoso, filha do devedor relapso, pretendia juntar alguns cacos para salvar o que ainda era passível disso. Uma vez impedida legalmente de continuar a editar qualquer dos títulos da Licidius, ela pretendia criar uma outra publicação.
E a realidade não mente…