Cabinda - O dia 01 de Fevereiro é uma marca histórica indelével para os cabindenses. A data recorda a assinatura do tratado de protectorado celebrado entre os régulos cabindenses e os representantes da coroa lusitana no contexto dos tratados oitocentistas que legitimaram em várias partes da Africa a posse dos seus territórios pelas potências europeias.


Fonte: Club-k.net

 

Durante a vigência colonial, depois da construção do memorial localizado no Simulambuco e por exigência dos autóctones, não sem alguma relutância dos portugueses, a data passou a ser celebrada com alguma pompa. Um dos mais altos momentos históricos daquele monumento foi a visita do presidente da República Portuguesa o General Craveiro Lopes. A celebração não tinha apenas um significado folclórico; era um acontecimento recheado de significado político. Efectivamente, nos anos 40´, sobretudo depois da segunda guerra mundial, os cabindas, atentos à letra e ao espírito do tratado, constatavam já algum comportamento esquisito da outra parte signatária.

 


 Noutros termos, Portugal estava já a implementar sorrateiramente uma politica colonial em Cabinda que ofendia abertamente as clausulas do tratado, cujos limites jurídicos e políticos não podiam extrapular do princípio de protectorado que se resumia no seguinte: privilegiar as relações comerciais e amistosas com os portugueses em detrimento dos outros concorrentes em troca de protecção. Há quem defende que os cabindas pediram protecção em troca da perda da sua soberania.

 

Isto é uma aberração contra a história. Não houve um acto deliberado de alienação da sua soberania. Obviamente, sendo Portugal na altura uma potência europeia, com o tempo acabou usurpando a soberania cabindesa, mas não sem resistência dos autóctones.

 

No reino do Ngoyo, por exemplo, os portugueses quiseram impor a exclusividade (monopólio) do comércio na costa, intimando o rei (MuenNgoyo) a não aceitar mais ninguém que não fossem os portugueses. Este não aceitou esta condição, mandando dizer aos portugueses que ele era soberano e só ele podia decidir com quem fazer o comércio. Os portugueses ameaçaram atacar, mas eles é que foram atacados, tendo sido feitos reféns e o barco fundeado na baia fora então aprisionado com toda a sua tripulação. Os portugueses retrataram-se e a situação foi ultrapassada. Entretanto, ao usurpar maquiavelicamente a soberania cabindesa, os portugueses impuseram em Cabinda uma administração de tipo colonial, transformando as autoridades políticas autóctones em simples lacaios dum poder que já era colonial.

 


As últimas dinastias régias desapareceram praticamente no último quartel do sec.XIX , tendo ficado apenas as linhagens herdeiras sem qualquer autoridade politica relevante. Por conseguinte, a usurpação da soberania será o resultado da má fé dos portugueses que escondia apenas, tal como os seus confrades europeus, vontade de dominação e exploração económica. Neste contexto, os chefes cabindeses engoliram o engodo inopinadamente porque acreditaram numa suposta bona fide (boa fé) dos portugueses. Estes, embora aparentados com a cultura e a língua de Cicero, mostraram desde logo que não estavam dispostos a levar a sério um dos princípios basilares de qualquer acordo: pacta servanda sunt (os acordos devem ser cumpridos), preterindo-o pelos apetites vorazes da época.

 

A questão que pretendo abordar neste artigo reside exactamente nessas premissas. O problema pode ser colocado de seguinte modo: o nacionalismo cabindês está radicado no tratado do simulambuco? A resposta lapidar seria sim, mas em parte. Sim, porque no caso vertente estamos a falar dum nacionalismo étnico que conta como elementos identitários o território, a língua, e o legado histórico-cultural. Neste sentido, não obstante terem havido vários tratados no território que hoje chamamos Cabinda (tratados de Chicamba, Chinfuma, Chimbolo, Futila, etc) o tratado do Simulambuco foi mais abrangente e teve o condão de colocar à mercê da bandeira lusitana todos os domínios territoriais de então sob a autoridade dos signatários autóctones. Uma das cláusulas do texto do acordo do simulambuco era a inalienabilidade do território no seu todo. É consabido o contexto histórico da corrida europeia para as possessões africanas.

 

O problema é que Portugal claudicou ao misturar alhos com bugalhos numa tremenda confusão politico-administrativa por simples comodidade e probidade nos custos tremendos para manter a máquina burocrática colonial. Foi assim que começou a misturar a sua colónia de Angola com o protectorado de Cabinda, ora fazendo de Cabinda sede do distrito do Congo ora transferindo esta sede para Ambrizete ou ainda fazendo dela um simples apêndice do Governo Geral em Luanda, etc. No rescaldo da violação flagrante do espírito e da letra do tratado, os cabindenses lúcidos vislumbraram a estratégia de dominação dos portugueses e tomaram a iniciativa de exigir aos portugueses o resgate da sua soberania, pois diz o direito que quando uma parte rompe com o acordo a outra também desobriga-se ipso facto do mesmo.

 

Começam aqui as primeiras reivindicações políticas que vão evoluir paulatinamente do nativismo singelo ao nacionalismo esclarecido que irá desembocar na criação de movimentos políticos em finais da década de 50´e primórdios da década 60´(MLEC, CAUNC, ALIAMA, FLEC).

 


Estes movimentos, contagiados pelas correntes nacionalistas africanas que surgiram um pouco por toda a parte no pós-guerra, já haviam concebido como ideia central da sua resistência anticolonial o direito ao autogoverno plasmado na Carta das Nações Unidas. Portugal reagiu implementando medidas implacáveis de repressão política através da PIDE (Policia Internacional para a Defesa do Estado). Foram detidos e desterrados vários filhos nobres de Cabinda que se mostravam resolutos na resistência contra a colonização que por essas alturas já estava em seu pleno desenvolvimento.

 

A diáspora nos dois Congos e no Gabão torna-se o espaço de expressão política e de concepção de estratégias de luta contra os usurpadores da pátria cabindesa. Com ajuda dos esforços diplomáticos dos governos destes países o problema de Cabinda entra na agenda das Nações Unidas e da OUA. Alguns cabindenses vão neste contexto enfileirar-se nos movimentos nacionalistas angolanos: na UPA-FNLA (Alexandre Tati, Francisco Lubota, Miguel Nzau Puna, et alii), no MPLA (Nicolau Gomes Spencer, Evaristo Domingos Kimba, Pedro M. Ntonha Pedale, Jorge Barros Chimpuaty, et alii) e mais tarde na UNITA (José Ndele, Tony da Costa Fernandes, Miguel Nzau Puna, et alii).

 

O Objectivo era unir esforços e estratégias, como africanos, para combater o inimigo comum: o colonialismo português. Vencido o regime colonial, cada qual deveria ceifar em ceara própria. Os líderes dos movimentos angolanos sabiam disso e tiveram compromissos políticos com os irmãos de Cabinda. Infelizmente os cabindas mais uma vez foram defraudados e desta vez pelos seus próprios companheiros de luta. Mas o Simulambuco não morreu. Hoje mais do que nunca, passados que são 126 anos, continua erguido como um estandarte na consciência cabindesa. O nacionalismo cabindês nunca esteve tão acirrado como hoje porque ganhou novas motivações politicas e maior pujança jurídica. A história não mente e o direito nunca prescreve.

Balila Baiékula