Luanda - Introdução - A finalidade deste artigo consiste, não só em combinar reflexões em torno do tema “4 de Fevereiro”, mas também em salientar a natureza substantiva da manipulação da história e o carácter metodológico da demagogia na análise dos fenómenos sociais. Outrossim, para a investigação histórica, a busca da verdade tem direitos que nunca prescrevem.


Fonte: Club-k.net


Debruçando-nos sobre um período histórico de extrema importância para a compreensão do nosso país hoje, Angola – MPLA: O Preconceito Como Forma da Legitimação da Dominação, é um tema que não se esgota em simples artigo de opinião sobretudo para aqueles que se interessam pelo tema do nacionalismo angolano no século XX e de como este foi influenciado negativamente pela ideologia crioula do MPLA em Angola.


Relativamente ao feriado nacional do “4 de Fevereiro, porque é que em Angola, o Ensino-Aprendizagem dos Factos Históricos é “Proibido”?

 

A minha motivação para o tema, resulta do exercício profissional (Professor de História de Angola) e assim, constatar que a História e o seu Ensino – Aprendizagem em Angola, é manipulado, re-inventado, deturpado, contado não somente pelos “vencedores” mas pelas elites e para as elites, sem nenhuma menção aos povos africanos, verdadeiros actores da História.


Nesta introdução, como suporte de todo o artigo de reflexão, apresentarei o meu próprio esquema conceptual.

 

Ainda que este trabalho seja pelo seu carácter, uma referência meramente teórica, a sua conclusão, embora breve, tenta ser uma exposição de resultados e não um resumo do que foi sumariamente examinado.


Contexto:


Às vésperas da independência, a sociedade angolana era pluriétnica e estratificada em: brancos privilegiados, colonos brancos pobres, mestiços, negros assimilados e a maioria de negros (não assimilados), os chamados indígenas.
 


E para começar, penso que não é possível tratar matéria teórica como a que faz prever o título deste artigo sem realçar o significado dos conceitos: “Preconceito”, “Dominação” e “Manipulação Histórica”. Isto é um critério, e não um mero corpo de premissas, para que eu próprio não esqueça que devo dar ao meu trabalho simplesmente um carácter explanatório, e não argumentativo.

 

Relativamente ao tema e período em análise, “Preconceito” é uma “Forma de autoritarismo social de uma sociedade doente. Normalmente o preconceito é causado pela ignorância, isto é, o não conhecimento do outro que é diferente. O preconceito leva à discriminação, à marginalização e à violência. Estas atitudes vêm acompanhadas por teorias justificativas. O racismo e o etnocentrismo defendem e praticam a superioridade de povos e raças (...). O preconceito pode ser motivado pelo medo (…). Há uma espécie de preconceito espontâneo em relação a tudo que é diferente ou desconhecido. É preciso "des-preconceituar. (cf. Frei VAN, Francisco (2005) “O Preconceito” . Disponível em http://www.religiosidadepopular.uaivip.com.br/preconceito.htm.

 

 Quanto ao conceito de “Dominação”,  o “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa (2001, p.1304)”, VERBO Editora, é um: «Substantivo feminino (Do lat. Dominatio, -õnis). Acção de dominar». “Dominar” é “subjugar uma pessoa ou ser animado que oferece resistência usando a força. Exercer domínio. Obrigar uma pessoa, outrem a obedecer à sua vontade, ter autoridade ou poder sobre ela, ter ou exercer domínio (…). Reprimir a exteriorização de um sentimento ou estado de espírito».

 

Quanto ao conceito de Manipulação Histórica, Marc Ferro (2006) “A Manipulação da História IBRASA Editora”, director de estudos da École dês Hautes Études em Sciences Sociales de Paris, examina a elaboração do discurso histórico através de vários países, várias épocas, vários regimes, insistindo principalmente na História "institucional" que tem a função de glorificar a pátria e legitimar o Estado.

 

Legitimar a dominação e afirma o seguinte: «Controlar o passado ajuda a dominar o presente, a legitimar tanto as dominações como as rebeldias. Ora, são os poderosos dominantes Estados, Igrejas, partidos políticos ou interesses privados – que possuem e financiam veículos de comunicação e aparelhos de reprodução, livros escolares e histórias em quadrinhos, filmes e programas de televisão. Cada vez mais entregam a cada um e a todos um passado uniforme. E surge a revolta entre aqueles cuja história é "proibida”».

 

 Em Angola, o tema e o período em análise, a preocupação de tornar o passado asséptico e de deixar a História sem problemas evidencia-se através dos livros didácticos, em primeiro lugar, sobre os quais têm poderes de pressão não só os sucessivos governos do MPLA mas os vários segmentos da sociedade sobre os quais os governos se apoiam, além dos interesses comerciais das editoras.

 

Mas a limpeza do passado também se processa de outras formas: a partidarização das instituições públicas e privadas; das igrejas; da “sociedade civil” da imprensa pública escrita, falada e televisiva (as telenovelas, as histórias em quadrinhos), o cinema, enfim; da diplomacia internacional.

 

Assim, em Angola, sobre o tema e o período em análise, a manipulação do passado esta bem longe de se limitar aos livros didácticos.

 

Porque é que as Elites Crioulas, omitem a ocorrência das heróicas resistências e graves revoltas dos povos africanos de Angola (final século XIX, ano 60 do século XX) em Angola?


Sendo que o tráfico de escravos em Angola foi abolido em 1836 pela legislação de Marquês de Sá da Bandeira, porque é que D. Ana Joaquina dos Santos e Silva, mestiça rica, comerciante capitalista de Luanda, senhora emblemática da sociedade crioula luandense, conviva de governadores no final do século XIX, muito dedicada ao tráfico clandestino de escravos é considerada uma “heroína” em Angola?

 

Porque é que um ataque às cadeias (embora relevante), ocorrido em “4 de Fevereiro em Luanda” é feriado Nacional, mas o 4 de Janeiro de 1961 e ou 0 15 de Março que foram epopeias heróicas dos povos africanos de Angola na Baixa de Kassange e norte de Angola respectivamente não são feriados nacionais? Que vantagem argumentativa vê o MPLA em dissociar casos tão condicionantes e interdependentes?

 

Porque é que os Documentos sobre os acontecimentos históricos (assassinatos cruéis de crianças, mulheres e velhos) de 1961 na Baixa de Kassange até hoje estão proibidos de acesso, inclusive aos historiadores não podem saber quem foi o “cérebro” de tais execuções e bárbaros crimes?

 

No que tange ao nacionalismo angolano, o Professor FILHO , Sílvio de Almeida e Carvalho afirma o seguinte: «O projecto nacional angolano teria de se defrontar com a questão do racismo, factor desintegrador da coesão social em torno de objectivos nacionais básicos».


O autor que estamos a citar, afirma também que “O nacionalismo angolano definiu o racismo (…) como um fruto do colonialismo, que estabelecera relações interétnicas de dominação e subordinação (…), reforçadas inicialmente para justificar a importância da escravidão e do “contrato” na economia da colónia e, depois para explicar a vitória (…) dos brancos sobre os negros e mestiços na competição pelo emprego como trabalhadores especializados, comerciantes e funcionários subalternos” . 

 

Em boa verdade, a conexão entre o MPLA, o Preconceito e a Dominação são características fundamentais da prática governativa em Angola. Daí que, numa hierarquia formal de condicionantes, a política interna e externa de Angola esteja mais dependentes do sistema internacional do que dos interesses e das características dos povos africanos de Angola.
O regime instaurado em Angola pelo MPLA desde 1975, deixou-se prender nas teias que sempre tecera quando dizia: “A nossa luta não é contra o homem branco mas contra o sistema colonial e ditatorial que oprimia também o próprio povo português”. Dizia também que a luta era contra o imperialismo internacional…! E hoje? Pura demagogia!

 

A guerra civil (1975-2002) em Angola foi uma das condições de sobrevivência do regime ditatorial do MPLA. Foi assim um modo que Portugal encontrou para continuar a neocolonizar e consolidar e/ou perpetuar o poder Crioulo do qual o MPLA é hoje refém. Doutro modo, Maria Zambrano tem razão quando afirma: «Todos los vencidos son plagiados (...)La suerte de la razón del vencido es convertirse en semilla que germina
en la tierra del vencedor». ((Disponible In introestudohstorangola.blogspot.com).
Na verdade, Portugal colonizou mal Angola e descolonizou pior o País!

 

Em Angola, Portugal não criou as condições para o surgimento e amadurecimento de uma classe média africana que fosse capaz de tomar o poder, congregar todas as sensibilidades políticas e culturais e assegurar uma transição política pacífica e assente nos valores da democracia e na sã convivência africana.


Portanto, esta linha de análise briga, até certo ponto briga, com aquela outra, que prefere acentuar a questão da etnicidade e da raça para além das mudanças de regime.


No caso Angolano, não seria a História de Angola a melhor via para alcançar o conhecimento das condicionantes e de acção dos agentes políticos?


Com efeito, a História procura especificamente ver as transformações pelas quais passaram as sociedades humanas, e as transformações são a essência da História; quem olhar para trás, na História de sua própria vida, compreenderá isso facilmente. Nós mudamos constantemente; isso é válido para o indivíduo e também é válido para a sociedade. Nada permanece igual e é através do tempo que se percebe as mudanças.

 

Na verdade, em Angola, a História Política tem-no demonstrado à saciedade:


Ao homem de Estado, não basta agir de boa-fé. Olhando às vítimas inocentes da nossa História, de tanto ludíbrio e de tanta mentira no século que findou e neste I decénio do século XX, seria bom que ao menos os homens de boa-fé e de patriotas que se revêem no MPLA começassem a temer um pouco mais as consequências dos seus próprios erros, e a temer um pouco menos os actos de contrição.


É urgente que a prática da contrição pelos erros cometidos se difunda pela Terra dos nossos antepassados genuinamente africanos.

 

Partidarizar os feriados nacionais, não serve os fundamentos da Historia de Angola. Até porque, como consequência desta e de outras limitações, surge a contra-história, a história dos dominados, dos que não tem voz - ou então a contra-história dos recém-chegados ao poder. Tire-se ilações do que se passa no Magreb.


Os fenómenos sociais devem ser vistos como um todo, quer na forma de acto social, quer da relação social em si mesma.

 

Embora não se encontre neste artigo uma receita mágica para a solução de todos os problemas que a sociedade angolana enferma, esta problemática (MPLA, Preconceito e Dominação da maioria africana), está hoje suficientemente presente para poder desencadear futuras linhas de investigação sobre o tema.

 

Bibliografia

 

1 - GASPAR, José Maria (1958) « A Colonização Branca Em Angola e Moçambique». In Ministério do Ultramar – junta de investigações do Ultramar – centro de estudos do Ultramar -  Estudos Sociais VII

Colóquios de Política Ultramarina Internacionalmente Relevante.

2 - MESSIANT, Christine (1983) “1961 - L`Angola colonial, histoire et société les prémisses du mouvement nationaliste ». École des Hautes Etudes en sciences sociales. Paris.
3 - MORGADO, Isabel Salema (2004) “Uma Ética Para A Política. A Teoria da Acção Comunicativa e a Questão da Legitimação Ético-política nas Sociedades Contemporâneas.

4 – NUNES, António Lopes Pires «Angola 1961 Da Baixa do Cassange a Nambuangongo. Edição de Livros e Revistas - Lisboa