Cabinda - Estamos a tentar comprovar que o nacionalismo cabindês está enraizado no tratado do simulambuco. Noutros termos, este tratado até certo ponto pode ser considerado o marco primacial da fundação da nacionalidade cabindesa. Em primeiro lugar, porque era pressuposto indispensável para assinatura do tratado que todos os territórios daquilo que hoje chamamos Cabinda se constituíssem em entidade jurídica una.


Fonte: Club-k.net




images/stories/Sociedade/radio%20cabinda.jpgNa verdade, havia várias chefaturas que representavam uma espécie de fragmentação do poder nos três reinos então existentes (Ngoyo, Kakongo, Loango). O facto de o tratado do simulambuco ter aberto a porta para a ocupação colonial portuguesa de todo o actual território de Cabinda dá-lhe uma dimensão que ultrapassa todos os demais tratados firmados antes deste. Foi efectivamente depois deste tratado que os europeus inventaram o actual mapa de Cabinda (em forma de enclave) por força dos tratados internacionais de definição de fronteiras coloniais entre Portugal, França e a Bélgica ainda no sec.XIX. Cabinda sofreu uma amputação a montante e a jusante. A montante, perdeu a maior parte do território que representava o reino do Loango (o mais extenso) que passou para o domínio francês; a jusante, perdeu em benefício dos belgas uma boa porção das terras do reino do Ngoyo situadas à margem esquerda do rio Kongo. Assim, Cabinda-enclave é produto colonial como o são todos os restantes países africanos cujas fronteiras foram mantidas a eito depois da descolonização.



Em segundo lugar, embora alguns chefes autóctones tivessem inicialmente hesitado em avançar, pela primeira vez na sua história acabaram por realizar uma espécie de confederação das principais entidades políticas da época e seus respectivos territórios de jurisdição. Mau grado a má fé da coroa lusitana, pois o seu intento era apenas o de legitimar a sua ocupação no contexto da conferência de Berlim, os nativos foram movidos por uma solidariedade de destino que não apenas de origem.




A solidariedade de origem tem a ver com os princípios identitários fundantes (o mesmo território, a mesma língua, a mesma cultura, etc.) enquanto a solidariedade de destino tem a ver com uma vontade comum de coexistência e de partilha de todos os valores patrimoniais materiais (a terra e suas riquezas) e imateriais (a cultura, a história, etc.) no presente e no futuro. Tudo isto resume aquilo que se passou a chamar de nação, que ao meu ver não passa dessa consciência colectiva dum determinado povo de partilhar o mesmo destino num mesmo território que é a sua pátria. Esta, segundo Senghor, seria uma herança transmitida pelos antepassados: uma terra, um sangue, uma língua, etc. Aliás o princípio das nacionalidades que surgiu no mundo ocidental no sec.XVIII por inspiração dos grandes enciclopedistas gauleses está profundamente radicado naquilo que Ernest Renan chamou de «sentimento nacional» (in O Que é a Nação, ensaio ), uma espécie de identificação de origem e descendência comum. Ora, paradoxalmente o colonialismo europeu, tendo desestruturado a composição étnica dos povos africanos por força dos caldeamentos migratórios então despoletados e da aculturação assimilacionista imposta, criou um «sentimento nacional», ainda que incipiente, que esteve na génese de todo o movimento emancipacionista africano. Noutros termos, os movimentos de libertação em Africa evoluíram do nativismo tribal para um nacionalismo política e ideologicamente estruturado. A ideia era de apear os colonos e reconstruir a pátria não já numa base tribal, mas sim nacional. Neste sentido, o nacionalismo não é um sentimento puro e inventado ex nihilo. Trata-se aqui duma reacção eivada de irredentismo e motivada por uma situação de dominação cultural e exploração económica dos autóctones.



Voltando à vaca fria, os cabindenses, como os angolanos, despertaram para o drama da dominação colonial e impuseram desde logo uma resistência pacífica. Fundaram movimentos políticos não armados e reivindicaram a sua independência de Portugal. Enquanto os irmãos de Angola, depois de se aperceberem que os portugueses não estavam dispostos a qualquer solução pacífica, enveredavam pela violência armada a partir do ano de 1961 com os acontecimentos sangrentos do 4 de Fevereiro e do 15 de Março, os cabindenses foram mantendo uma resistência pacifista até ao ano de 1975, altura em que os portugueses decidiram entregar Cabinda ao MPLA por obra e mérito do finado comunista Rosa Coutinho e do famigerado Acordo de Alvor de 15 de Janeiro. A partir desse momento o nacionalismo cabindês ganha uma expressão militar com a formação do seu primeiro braço armado com os TE´s (Tropas Especiais).




A primeira acção foi o ataque bem sucedido contra o destacamento militar dos portugueses no morro do Massabi, onde foram feitos vários reféns, libertados depois em Ponta-Negra. O dia 8 de Novembro de 1975 marcou o início daquilo que ficou conhecido como «guerra clássica» ou resistência generalizada contra a ocupação do território cabindês por tropas coligadas do MPLA e cubanos. Centenas de jovens cabindenses ingressaram voluntariamente às fileiras da FLEC, tendo recebido instrução militar em vários centros de recrutamento. A FLEC gozava então do apoio incondicional do Presidente Mobutu Sesse Seko, o mesmo não acontecendo com o Presidente do Congo-Brazzavile, Marien Ngouabi,, aliado incontestável de Agostinho Neto.




Nesse ano Cabinda vai conhecer o maior êxodo populacional da sua história, buscando refúgio nos dois Congos. A guerra foi atroz, semeou a morte e a destruição por todo o lado. Os que decidiram ficar não foram poupados pela DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola), a substituta da PIDE. A repressão é brutal. Detenções arbitrárias, torturas e execuções sumárias somam-se aos magotes. Em 1976 a DISA implementa o plano de desterro de centenas de cabindenses para os campos de concentração do sul (Bentiaba e Kibala). Para a sua maioria foi uma viagem sem regresso. Não resistiram ou foram simplesmente eliminados. Para os que tiveram a dita de regressar, e ainda vivem, têm muita história para contar, mas andam quedos e mudos. Lavagem de cérebro? Provavelmente. Paralelamente o Ministério da Defesa implementa o plano do recrutamento compulsivo (vulgo, rusgas) de muitas centenas de jovens cabindenses que a partir do ano de 1977 ingressam às FAPLA e são enviados para as frentes de combate no sul de Angola. Aí tombaram muitos deles. As famílias nunca foram informadas oficialmente. Tudo faz parte duma estratégia política de ocupação. Evitava-se assim que esses jovens fossem engrossar as fileiras da FLEC.



Entretanto, o MPLA fez do simulambuco um tabu político. O monumento não podia ser visitado e falar do tratado era um sacrilégio. Houve até tentativa de destruí-lo, o que foi evitado por pessoas mais sensatas dentro do MPLA. Isto significa que o próprio MPLA entendeu desde logo o significado político do simulambuco para as reivindicações autonomistas em Cabinda. Causa hoje algum pasmo e incredulidade que o próprio MPLA, induzido pelo aventureirismo bembista, vá no dia 1 de Fevereiro exactamente ao local do tratado do simulambuco, nos últimos três anos, para protagonizar o acto político da abertura das jornadas dos festejos do 4 de Fevereiro. Ironicamente naquele local os dirigentes do MPLA enaltecem com grandes floreados a gesta dos heróis do 4 de Fevereiro e sobre a história e o significado do 1 de Fevereiro, silêncio absoluto. Isto é insulto aos nossos antepassados e uma afronta contra a nossa História. Que fique claro que todos os vendilhões da pátria enfileirados na corja bembista e que são promotores dessa profanação da nossa identidade histórico-cultural incorrem na maldição dos antepassados e serão condenados pelo juízo implacável da História.