EUA - Na semana passada, estava de cama, depois de ter extraído um molar que me tinha dado muita dor. Meio adormentado, rece­bi uma chamada do Reino Unido de uma amiga que trabalha para uma organização que vela pelos direitos de artistas que no mundo a sofrem perseguição política.


Fonte: SA

 

A minha amiga perguntou-me se eu já tinha ouvido falar de um poeta angolano cha­mado Fridolim Kamolakamwe. Segundo a minha amiga, tudo tinha que ser feito para safar a vida deste poeta angolano. Eu esta­va sob efeito de nitrilo oxidio – um gás que certos dentistas usam como anestesia – e parece que comecei a falar à toa. A minha amiga despediu-se, tendo certamente pen­sado que eu tinha bebido ou então fumado qualquer coisa.


No dia seguinte, chamei a minha amiga e ela me disse que se tratava de um caso muito estranho. Ela disse-me que usual­mente se tratava de poetas muito pobres a lutarem contra a repressão – pequenos Davides contra Golias governamentais. O caso do poeta/declamador Fridolim Kamo­lakamwe tinha mesmo um aspecto surre­alista. Cá estava um poeta a dizer que iria ser morto por ter reivindicado as promes­sas que lhe tinham sido feitas durante as eleições de 2008, por indivíduos ligados ao governo. Ao nosso poeta declamador tinha sido prometido uma residência própria no projecto Nova Vida; uma viatura Hyundai; pagamento de propinas para os filhos; sub­sídio alimentar mensal e duzentos mil dó­lares numa conta bancária.

 

A minha amiga queria que eu lhe expli­casse minuciosamente a interligação entre os serviços de inteligência, o partido no po­der e poetas. Eu disse a ela que isto só po­deria ser feito através de uma pesquisa para uma tese de doutorado em política africana. Ela insistiu que iria seguir o caso de perto. É que muitas pessoas, nesses dias, quando vêem algo escrito em Português utilizam o programa do Google para traduzir. É uma tradução muito crua. A minha amiga tinha traduzido a já famosa carta (aparentemente um grito de desespero) do Fridolim Kamo­lakamwe desta forma.


Um dos aspectos que sobressai da carta do Fridolim é o estilo floreado da sua prosa. Temos aqui um poeta a escrever!


Eu pensava que alguém em perigo iria ser mais conciso. A mesma carta tem até partes vindas de um filme de Hollywood. Segundo a carta, elementos da inteligência militar, que pretendiam eliminar o Frodo­lim Kamolakamwe, cercaram a sua casa no Huambo e ele teve que fugir através do tecto.


Quis saber mais sobre o Fridolim Kamo­lakwe e soube que ele é, sem dúvida, um dos melhores declamadores em Angola. Alguém disse-me que o Fridolim é daque­les que pode estar a ler uma lista telefónica e deixar gente a chorar porque ele esmal­ta aquelas palavras com as suas emoções. Disseram-me, também, que ele deve ser um dos melhores declamadores dos poemas de Agostinho Neto. O Fridolim Kamolaka­mwe, eu soube, é tipo um Ernesto Barto­lomeu; há muitos declamadores de poemas que tentam imitar-lhe. Tentei procurar no Youtube por clipes do Friolim Kamolaka­mwe a declamar; fiquei muito surpreendi­do quando não encontrei nada.
O caso do Fridolim Kamolakamwe leva-nos ao debate sobre o artista e a política. Ao pensar no Fridolim Kamolakamwe, passei, também, a pensar sobre certos aspectos da política do nosso país. Será que o artista deve ser apartidário? Não necessariamen­te. O artista pode pertencer a um partido político. Porém, tem de saber gerir a sua credibilidade: o artista que se mete a fazer propaganda crua perde a sua credibilidade. No meu caso, por exemplo, sou e sempre serei da UNITA. Mas, quando houver erros e desvios no meu partido, serei o primeiro a denunciá-los.


O artista tem de servir como uma espé­cie de «consciência» dentro do partido. Um partido é, afinal, uma organização com ob­jectivos certos – no nosso caso, queremos ser a alternativa ao actual poder. Mas o ar­tista é, também, um cidadão que deve ter muito interesse nas instituições estatais. Quando o discurso de um Isaias Samaku­va é desavergonhadamente deturpado para fins políticos, são os angolanos, todos nós, que ficamos diminuídos. Neste caso, inde­pendentemente das suas opções politicas, o artista tem que velar pela verdade e por um certo desportivismo.


Temos todos que crescer; é por isso que tenho algumas reticências em relação à carta do Kamolakamwe. Não conheço pessoalmente o general Zé Maria, nem as várias outras figuras que são acusadas de muito más intenções. Será que o Fridolim Kamolakamwe tem mesmo provas concre­tas que esses senhores lhe querem matar?


Há alguns anos atrás, um angolano que pretendia ganhar certas simpatias em cír­culos do MPLA e do governo, foi a BBC e deu uma entrevista na qual alegou que eu e o então representante da UNITA em Lon­dres, Kile Kandeya, tínhamos a intenção de lhe matar. Felizmente, a BBC, sendo como sempre imparcial, contactou-me, através do Aires Walter dos Santos, e quis ouvir a minha versão das coisas. As alegações não tinham nenhum fundamento.


Como membro da UNITA, o meu ins­tinto ao ouvir o Fridolim Kamolakamwe é simpatizar-me com ele e regozijar-me pelo facto de que isto traz um embaraço para o nosso principal adversário político, o MPLA. Porem, quando penso nisto de uma forma mais aprofundada, noto que as denúncias dele fazem parte de uma cultu­ra nossa em que só se acusa só sem rigor. A certo momento, vamos começar a culti­var uma outra cultura. Esta é a cultura do que quem tem o megafone diz o que quer sobre quem seja porque ele soa mais alto. Na Internet, por exemplo, vejo todo tipo de baboseiras sobre a Jamba e gente que lá andou. Nas matas, a UNITA formou en­fermeiros, professores, mecânicos e outros técnicos. Jovens nascidos na Jamba (que no Facebook dizem ser apenas do Cuan­do Cubango) frequentam ou frequenta­ram várias universidades em Angola ou no exterior. Há crianças que aprenderam a escrever debaixo das árvores na Jamba com a professora Francisca Prata, que hoje estão a fazer doutoramentos em algumas das melhores universidades do mundo. Para muitos, isto, claro, não interessa. As histórias de certos excessos da Jamba é que mais interessam. Assim que nos apro­ximarmos das eleições, será que os líderes da UNITA (ou da oposição em geral) serão tratados justamente?


Hoje, todas as acusações feitas na In­ternet espalham-se rapidamente. A carta do Fridolim Kamolakamwe, em que faz acusações contra o General Ze Maria, já foi reproduzida em vários blogues. Quan­do se mete o nome «General Ze Maria» no Google há muita matéria que surge, na sua maioria falando muito mal dele. Será que este senhor é tão mau assim? Não, não; não sou do MPLA nem simpatizo com o actu­al governo; porém, gostaria só que passás­semos a ter uma cultura mais responsável em que não se acuse as pessoas só assim. Temos ainda muitos problemas. O pessoal da UNITA queixa-se de discriminação e mesmo do atropelo aos seus direitos, como foi aconteceu recentemente no Huambo. Porém, em termos globais, os angolanos vão conseguindo reconciliar-se. É possível contar esta história reconhecendo os esfor­ços de todos protagonistas?


O artista tem o dever de explorar aquilo que na nossa cultura às vezes não é assim tão óbvio. Mas o artista pode, também, ser um oportunista, ou alguém que valoriza mais os bens materiais do que a sua inte­gridade. O Fridolim Kamolakamwe diz na sua missiva que nem sempre acreditou no MPLA – ou pelo menos que tinha cer­tos receios deste partido. Mas isto só está a sair porque os duzentos mil dólares não foram parar na conta numero 45286198/10 no banco BIC? (Foi o próprio Fridolim Ka­molakamwe que forneceu esses detalhes). Muitos de nos cá na diáspora iríamos apre­ciar mais clipes da sua arte e não detalhes das suas contas bancárias. ¦