Tratou-se pois, de um “Contrato” no qual a UNITA se comprometeu a desarmar e desmobilizar as suas forças armadas, fazendo em seguida a transição de uma organização eminentemente militar, para um partido político civil. Por seu lado, o governo comprometeu-se a implementer reformas democráticas no País, incluindo a implantacao de um Estado de Direito, a realização de eleições regulares, a adopção de políticas sociais e económicas inclusivas, a reinserção social dos desmobilizados e suas famílias, e a criação de condições para o reassentamento das populações deslocadas. Seis anos depois, qual é a avaliação da implementação deste “Contrato’?


Sem sombra de duvidas, ocorreram no país desenvolvimentos positivos, dos quais salientamos os seguintes:
• As partes mantiveram o compromisso com a paz;
• A UNITA completou, sem hesitação, a desmobilização das suas forças armadas e concluiu a transição para um partido democrático civil;
• O fim da guerra facilitou o movimento de pessoas e bens pelo País, aumentando tambem o intercâmbio dos cidadãos com o estrangeiro;
• Na sua maioria, os deslocados e desmobilizados, regressaram para as áreas da sua escolha;
• A paz permitiu ao governo iniciar o processo de recuperação económica, estabilizar o sector macro-económico, atrair investimento estrangeiro especialmente para as áreas do petróleo, diamantes, o sector bancário e da construção civil;
• O crescimento da procura global do petróleo e o aumento da produção de diamantes, associados aos empréstimos da China, Brasil, Alemanha, Portugal e Espanha, melhoraram a liquidez do País e a acumulação de reservas;
• O País confronta-se com um debate cada vez maior sobre a sua democratizacao, um conceito de governação hoje aceite pela maioria dos cidadãos que clamam pela inclusão política e económica com vista a melhoria das suas vidas;
• O processo de registo eleitoral galvanizou os Angolanos para participarem no processo democrático, tendo atraído mais de 8 milhões de potenciais eleitores;
• Finalmente, o País espera que, no princípio de Junho, o Presidente da República convoque formalmente as eleições legislativas previstas para Setembro de 2008.
Apesar dos desenvolvimentos positivos acima mencionados, o país ainda experimenta situações negativas das quais salientamos as seguintes:
• Os indicadores sociais continuam alarmantes, apesar do tão falado crescimento económico. Mais de 60% da população vive abaixo dos níveis aceitáveis de pobreza; a esperança média de vida estima-se em 41 anos; a mortalidade infantil (-5 anos) é de 260/1000; o desemprego no País continua entre 40-50%; o acesso à saúde, à educação e a à água potável continua precário nas áreas urbanas, e inexistente nas áreas rurais. As respostas do governo perante esta grave situação têm sido inadequadas. É incompreensível que a fatia do OGE de 2008, destinada à saúde e à educação, seja menor do que 15%, reflectindo uma inversão das prioridades;
• A distribuição da riqueza nacional continua desigual, aumentado a exclusão política e económica assim como, o fosso entre os poucos extremamente ricos e os muitos extremamente pobres;
• Os poderes legislativo e judicial do País, continuam subordinados ao poder executivo, que detém o controlo absoluto do OGE. Esta situação perpétua a fraqueza institucional e a exposição dos cidadãos ao poder arbitrário;
• O excesso de centralização do poder nas mãos da Presidência da República, emperra o poder decisório e causa níveis inéditos de corrupção;
• A inesperada revogação da autorização das actividades da unidade de Direitos Humanos da ONU agrava os receios de um recuo do governo nesta materia;
• O controlo editorial da imprensa pública pelo partido da situação, e a limitação da imprensa privada à capital do Pais. A rádio Eclesia, com capacidade técnica de emitir para todo o País, continua legalmente impedida de o fazer;
• Os partidos políticos da oposição continuam a ser sujeitos à intolerância política e os seus membros alvo de intimidação e violência física, especialmente nas províncias do interior. Estes actos de intolerância política, que redundam em violência física, são reforçados por discursos musculados proferidos por altos oficiais do governo e do partido no poder, tais como, o ministro da Defesa, Kundi Payama, e o Secretário-Geral do MPLA, Dino Matrosse;
• Finalmente, a província de Cabinda continua sujeita a acções militares causadoras de violações inaceitáveis dos direitos humanos. Impoe-se um processo de paz inclusivo e transparente. A exclusão de actores relevantes, políticos e militares, acabará por enfraquecer e prejudicar a paz que se procura.
O Factor Chinês

A expansão da influência chinesa em Angola é um outro desenvolvimento de relevo durante o período em análise. Obviamente, esta influência é um fenómeno global para o qual o mundo inteiro precisa de se ajustar.

No caso específico angolano, importa realsar que a cooperação Angola/China não serva de “válvula de escape” ao governo, perante o seu compormisso com a democracia e subsequentes reformas políticas e económicas. Angola pode beneficar muito da cooperação com a China e da acrescida atenção internacional que esta cooperação criou.

Todavia, é preciso que ela seja transparente e as enormes obrigações financeiras do Estado decorrentes dessa cooperação, aprovadas pela Assembleia Nacional. O investimento estrangeiro e a cooperação na reconstrução do nosso País sao bem-vindos. Porém, temos de ter em conta a expansão do mercado doméstico do trabalho, a tranferência de tecnologia, o desenvolvimento do nosso capital humano e o melhoramento das condições de vida dos cidadãos. É inaceitável que o governo contrate mão-de-obra estrangeira para trabalhos básicos que os Angolanos podem fazer. A cooperação deve trazer aquilo que o País não possui para valorizar os seus recursos humanos e naturais.

Um Claro Compromisso Com a Democracia

Em 2003, a UNITA tomou a decisão de se tranformar num partido político moderno e democrático. Para o efeito, alterou artigos relevantes dos seus Estatutos e adoptou o princípio da eleição da sua liderança em Congressos. Desde então, dois Congressos tiveram lugar, sendo um em Junho de 2003, e o outro em Julho de 2007. Os congressistas tiveram a oportunidade de eleger a Direcção do Partido, discutir e desenvolver a visão da Angola de amanhã. Continua a ser nossa esperança, que este exercício transmita confiança ao País e sirva de modelo para as outras forças políticas. Acreditamos profundamente que, a democracia começa no seio dos partidos políticos e estes, por sua vez, a promovem na sociedade. Partidos que não se regem por regras democráticas, colocam-se em posição duvidosa quando advogam a democracia para a sociedade. Enquanto o MPLA, partido no poder, não abraçar a democracia como forma de gerir a sua vida interna, o processo democrático nacional corre o risco de estrangulamento.

Perspectiva Eleitoral

Surge finalmente, no horizonte, uma perspectiva real do início da renovação das instituições nacionais. Torna-se desafio coletivo assegurar que estejam de facto criadas as condições materiais, sociais e políticas para que o acto seja transparente, livre e inclusivo. A realização exitosa das eleições de Setembro conduzirá aos seguintes benefícios:
• Afirmar o lugar e o papel da Assembleia Nacional na constelação nacional de instituições democráticas. E desejavel, no contexto actual, que as eleicoes de Setembro produzam uma “cohabitacao governativa”, para se dar início a um verdadeiro equilibrio de poderes.
• Normalizar a ordem institucional através de ciclos eleitorais regulares;
• Promover e proteger os direitos dos cidadãos e a sua participação no processo político do País;
• Legitimar as instituições do poder, que há décadas governam sem mandatos;
• Acabar com o poder político arbitrário e imprevisível, melhorar o clima nacional para o desenvolvimento e contribuir positivamente para o processo regional de democratização;
• Criar a abertura política necessária para combater a corrupção e ganhar credibilidade internacional susceptível de atrair mais investimentos indispensáveis à reconstrução nacional.

O Futuro Comum

As eleições constituem uma arma importante disponivel aos cidadaos, no combate pela justiça social, participação política e pela inclusão económica, em busca da liberdade, dignidade e prosperidade. Atraves de processo eleitorais, os governos sao forçados a resposnder aos inteneresses dos eleitores e prestar contas periodicamente, no fim dos seus mandatos. Neste contexto, torna-se imprescindível encorajar a participação de todos cidadãos eligíveis no processo a fim de assegurarmos uma partilha justa dos beneficios da paz. Temos de visar uma Angola descentralizada com governos provinciais e locais eleitos, e mais interventivos na resolução dos problemas do dia-a-dia dos cidadãos. A devolução de poderes às províncias e aos governos locais, acompanhada de uma reforma adequada do OGE, permitirá agilizar a acção governativa, trazer o governo mais próximo do cidadão e aumentar a sua participação na gestão da coisa pública.

Angola não tem ameaça externa militar a curto ou médio prazo. As suas maiores ameaças são a fome, as doenças, a pobreza, o desemprego, o analfabetismo e as crianças da rua. Estas ameaças nacionais, carecem de respostas imediatas, firmes e enérgicas da parte do governo tendo em conta, que a nossa maior riqueza e único capital perene é o Povo. Neste contexto, a educação, a saúde, a segurança alimentar, e a recuperacao das infrastruturas, devem constituir-se em prioridades das prioridades, nos discursos e na accao, buscando, sempre que apropriado, a participacao das FAA e dos milhares de desmobilisados nas tarefas inerentes.

Angola na Região

Se por um lado, o papel de Angola no contexto da segurança regional é indesmentível, por outro, tal papel não pode, nem deve, ser sustentado apenas pela exportação de instrumentos de violência (A exemplo dos Congos, da Costa do Marfim e do Zimbabwe). É por isso imperativo que a natureza do seu regime seja cada vez mais democrática, com uma sociedade dinâmica e uma economia vibrante, para que a sua contribuição regional inclua também o reforco da cooperação, a promoção da democracia, da boa governação e de reformas económicas, liderando a articulacao de políticas regionais de segurança colectiva para tratar de preocupações de interesse comum, dar respostas coordenadas a crises, partilhar responsabilidades e criar um clima em que os governos incidam a sua acção no bem comum e no desenvolvimento sócio-económico dos seus respectivos países.

Só assim poderá a região sustentar a estabilidade e, no mundo de hoje, evitar ser mera undidade globalizada passando a ser parte da dinâmica globalizante. Neste ambito, e importante prestarmos maior atenção a nossa dimensão Atlântica. O potencial energético do Golfo da Guiné vai transformar esta região numa das mais importantes e estratégicas regiões do mundo, nos próximos dez anos. Os governos dos Países membros têm a responsabilidade de adoptar políticas justas e inclusivas que assegurem uma partilha dos benefícios do crescimento regional pelos povos da região. Caso contrário, esta potencial riqueza, transformar-se-á facilmente em fonte de conflito, como prova a situação do delta do rio Niger.

A conquista dos benefícios da democracia começa com a participação de todos no processo democrático em curso, manifestando de forma inequívoca a nossa rejeição das políticas de ontem, a nossa aderência aos valores universais da democracia e o nosso empenho no melhoramento das nossas vidas. Nunca é tarde para buscar um futuro melhor.

* Jardo Muekalia
Fonte: Kwacha net