Luanda - Agradeço o convite que me foi endereçado pelo Secretariado-geral do Partido para prestar as minhas reflexões à volta do pensamento diplomático do Dr. Savimbi. Tenho estado envolvido com a diplomacia do partido desde 1980, e na relação directa de trabalho que estabelecemos com o Dr. Savimbi, até 22 de Fevereiro de 2002, data da sua morte em combate, e a quem rendemos hoje homenagem, podemos identificar importantes linhas de força na sua visão estratégica e diplomática.
Fonte: Club-k.net
Savimbi fez alianças com a China Comunista de Mao Tsé-Tung nos anos sessenta
Nessa perspectiva, interessa referir que a formulação estratégica do pensamento diplomático do Dr. Savimbi tem como base o pragmatismo, ou seja, o realismo político e ocorreu num contexto internacional, palco de profundas mudanças no plano europeu e do poder mundial.
Impõe-se, assim, essa reflexão nesta quadra de celebrações do dia 13 de Março de 2011, data em que a UNITA celebra 45 anos da sua existência, em Angola, em África e no Mundo.
De facto, o fim da II guerra mundial, em 1945, determinou novos alinhamentos em matéria de política internacional. Os desentendimentos surgidos entre os aliados da II guerra mundial - França, Inglaterra, Rússia Soviética e os Estados Unidos da América - sobre a gestão da paz para a Alemanha, levaram a divisão da própria Alemanha em dois Estados e do mundo em dois blocos: um, liderado pelos Estados Unidos da América, assumidamente democrático, e outro, pela União Soviética, assumidamente comunista. Esses desentendimentos deram origem à guerra-fria, enquanto sinónimo de confrontação ideológica entre os países do bloco de Leste e do Ocidente.
É importante, assim, frisar, que nesse mesmo período pós- guerra, os milhares de africanos, recrutados nas colónias, que tinham combatido ao lado das potências ocidentais, em solo europeu para a defesa da democracia, contra a Alemanha Nazi, expansionista e totalitária, regressaram para as suas terras de origem, confrontados com a questão colonial. Esta passagem, de milhares de africanos e asiáticos, pelos campos da batalha da Europa ocidental, permitiu despertar a consciência mundial dos povos oprimidos, levando as suas elites a promover uma importante conferência internacional.
Esta conferência, conhecida por Bandung, realizada na Indonésia, em 1955, sob impulso de nacionalistas pan-africanos e pan-asiaticos criou uma importante plataforma para melhor coordenar os esforços de luta dos povos oprimidos pelas potências coloniais europeias. Surgiu, assim, o movimento dos países não alinhados, também conhecido por países do terceiro Mundo, afirmando-se no plano internacional com uma única e importante voz no seio das Nações Unidas, já que as duas superpotências estavam predispostas a envidar esforços para iniciar a descolonização em África e a Ásia.
Este ambiente, de política internacional, que se vivia num mundo em mudança, de facto, teve uma grande influência no pensamento político-diplomático do Dr. Savimbi que se preparava, então, para criar uma terceira força política. Logo, a criação da UNITA foi, de facto, decidida em Champaix, Suíça, pelo Dr. Savimbi e António da Costa Fernandes, tendo a sua fundação formal ocorrido a 13 de Março de 1966, em Angola, na província do Moxico, na localidade de Muangai. Recorde-se que a UNITA fará no próximo dia 13 de Março de 2011 45 anos de existência.
Por conseguinte, antes de se formalizar a criação da UNITA, houve a necessidade de se formar os primeiros quadros políticos e militares que fossem capazes de traduzir, na prática, a ideologia e os ensinamentos teóricos da nova organização e de conduzir o combate armado no interior do país em moldes científicos. Partindo do princípio de se contar, essencialmente, com as próprias forças e com a Direcção da luta sediada no interior do país, o Dr. Savimbi defendia a necessidade de se dar um novo rumo a luta de libertação nacional. Partia da necessidade de se fomentar a luta armada no interior do país com a participação de todos os dirigentes ao lado do povo e dos soldados, contrariamente aos outros movimentos de libertação que tinham as suas direcções políticas no exterior do país.
Com este pensamento estruturante em mente, o Dr. Savimbi realizou visitas diplomáticas a vários países com o propósito de os sensibilizar a dar apoio técnico e facilidades de treino aos jovens quadros da UNITA para o combate contra o colonialismo português.
Visitou a Argélia em 1963; em 1964 visitou a Tanzânia e o Egipto, sem ter conseguido os resultados que desejava. Foi nessa altura que um amigo seu, o Presidente Nasser, recomendou que visitasse a União Soviética, tendo-se deslocado sucessivamente a Checoslováquia, a Alemanha Oriental, a Hungria e a Moscovo. Mas os países do bloco de Leste também se recusaram a dar qualquer tipo de ajuda a nova organização que seria criada, tendo Moscovo sugerido que o Dr. Savimbi se devia juntar ao MPLA. Goradas, assim, as expectativas, voltou novamente ao Cairo, em 1964, onde estabeleceu contactos com a Embaixada da República Popular da China que acolheu com simpatia a mensagem do Dr. Savimbi.
A China abria, assim, as suas portas à UNITA, graças aos esforços diplomáticos do Dr. Savimbi, produto das suas amizades no Egipto. A China aceitara dar preparação aos 12 primeiros quadros políticos e militares que constituíram, na época, o embrião revolucionário da futura organização.
Tinha havido, de facto, convergência de pontos de vista entre os jovens intelectuais angolanos da UNITA com os interlocutores chineses em relação ao pensamento estratégico de se levar “o combate ao interior do país”, o que se coadunava com a filosofia de luta da China Popular.
Esta primeira etapa foi palco de uma importante actividade diplomática que se viveu antes, durante e depois do nascimento da UNITA. Foi a fase da afirmação internacional da UNITA, enquanto movimento político de libertação nacional. A Representação da UNITA, em Lusaka, na Zâmbia, desempenhou, nesse período um papel muito importante, que vai de Março de 1966 a Abril de 1974, com a consumação do golpe de Estado em Portugal que derrubou o fascismo salazarista. Não falaremos da nossa acção diplomática no período da descolonização que ocorre entre 1974 e 1976, mas abordaremos, em síntese, a fase mais complexa da nossa diplomacia que começa em 1976, com a nossa retirada estratégica das cidades.
Estávamos em Maio de 1976, na localidade de Sandona, num dos afluentes do rio Lungue-bungo, onde se realizou a Conferência Extraordinária de Quadros, que produziu o Manifesto do Rio Cuanza - documento orientador da acção política e militar - que definia os fundamentos de uma resistência popular prolongada.
Tínhamos tomado a decisão histórica de resistir a presença soviética e cubana com armas na mão, e sem apoios internacionais, apenas com apoio do povo. Nessa altura, os estados Unidos da América atravessavam um momento difícil, que decorria do trauma da derrota sofrida no Vietname em 1975. O Congresso americano tinha adoptado a Emenda Clark.
Esta proibia qualquer ajuda aos movimentos que, em Angola, a lutassem com as forças de ocupação da Rússia Soviética. Estávamos, de facto, sós, diante do nosso destino, apenas com o nosso povo e com a nossa coragem física e intelectual. Com a ajuda do povo, conseguiu-se suster as primeiras ofensivas militares na província do Moxico, paralisando, por completo o caminho-de-ferro de Benguela, o CFB; uma via-férrea estratégica que liga o porto do Lobito, a rica província do Shaba, na República Democrática do Congo, o que afectava profundamente a economia da Zâmbia e do Zaire.
A paralisação do CFB deu, assim, e como se pretendia, visibilidade internacional aos esforços de resistência da UNITA, que lutava sem ajuda internacional. A resistência começava a dar os primeiros frutos, provando, que eram os factores internos, em interacção dinâmica, que influenciavam as causas externas. O Dr. Savimbi entendera, perfeitamente a conjuntura internacional da época, assim como a dimensão geopolítica das grandes potências. Soube tirar partido das circunstâncias internacionais e da conjuntura regional da África Austral. Qual era, assim, a conjuntura internacional da época na sub-região austral?
Nessa época de 1978, as invasões, a partir de Angola, de forças coligadas de Cuba, de Angola, da União Soviética e mercenários Catangueses, secessionistas congoleses, exilados em Angola desde a época colonial, e ao serviço do governo angolano, despertaram receios sobre um conflito regional de grandes proporções. De facto, o contra-ataque de forças francesas e marroquinas, em socorro ao Presidente Mobutu, na província do Shaba, envolvendo-se em violentos combates, avivaram a consciência internacional para o perigo de confronto entre as duas superpotências em África. Estes confrontos, na província do Shaba, aliada à acção da UNITA em território nacional e à paralisação do CFB, transformaram-se num importante trunfo diplomático ao serviço dos interesses da UNITA, tanto no plano nacional como internacional.
A partir dos anos 80, com a criação da Jamba, o Dr. Savimbi, e o instrumento de luta que criara em 1966, demonstrava a sua capacidade de sobreviver, contando essencialmente com as suas próprias forças. Tínhamos vencido todas as ciladas e a UNITA assumia-se como aliada aos esforços internacionais para combater o social imperialismo. Logo, a conjuntura regional exigia a definição de uma política externa realista.
Logo, é nesse contexto que têm de ser entendidas as relações da UNITA com a África do Sul, que se estabeleceram na base de interesses geopolíticos regionais, no contexto das relações de força entre as duas superpotências, conhecidas que eram as intenções da então União Soviética, ou seja, ocupar a Namíbia e a África do Sul. Com a revogação da emenda Clark, em meados dos anos 80, a América, desperta e sob a liderança de Ronald Reagan, passou a dar ajuda multiforme à UNITA, ajuda política, diplomática, financeira e militar para contrabalançar a presença e o apoio militar da União Soviética e de Cuba ao governo de Angola.
Esta nova conjuntura de política internacional, aliada à resistência nacional da UNITA, ditou, no início dos anos 80, o reforço e a abertura de novas delegações da UNITA, ou seja, de novas embaixadas na Europa, em África e nos Estados Unidos da América. Assim, a partir dos anos 80, a UNITA, sob liderança do Dr. Savimbi negara a pretensão da União Soviética e de Cuba de transformar o nosso país numa base militar. Rodeado por jovens e brilhantes oficiais generais, e por diplomatas experientes, alguns ainda em vida, o Dr. Savimbi estancou, no fim da década dos anos 80, na província do Cuando Cubango, a progressão das forças cubanas, soviéticas e do exército angolano, que pretendiam, de facto, ocupar a Jamba, a Namíbia e a África do Sul.
Frustrados esses intentos, e derrotadas em violentos combates, que se travaram na extensa região do Município do Cuito Cuanavale, sem nunca terem ocupado a Jamba, emergiu um novo quadro político, que exigia soluções políticas e diplomáticas. Sem vencedores nem vencidos, o impasse das batalhas do Cuito Cuanavale abriu caminho a negociações directas entre todos os beligerantes, ou seja, entre russos, cubanos, sul-africanos, americanos, a UNITA e o governo angolano.
Sob a mediação do governo americano, na pessoa de Chester Croker, então Subsecretário para os Assuntos Africanos, a Casa Branca propôs a política do “ linkage”, que determinou a retirada simultânea das forças cubanas e russas de Angola e sul-africanas da Namíbia, levando os Namibianos a proclamar a sua independência nacional em 1994. Em Angola, iniciarem-se negociações directas entre a UNITA e o governo angolano que conduziram a assinatura dos Acordos de Bicesse, em Maio de 1991. Estava, assim, encerrada uma página importante da história moderna de Angola.
Por conseguinte, desde a sua fundação, e, no longo percurso da sua história política e diplomática, Jonas Malheiro Savimbi fez alianças com a China Comunista de Mao Tsé-Tung nos anos sessenta. Celebrou acordos de cooperação e consolidou amizades pessoais com importantes dirigentes e líderes de países africanos, como Sedar Leopold Senghor, Hassan II, Houphouet Boingy e Nelson Mandela, apenas para citar estes. Estabeleceu alianças tácitas com os sul-africanos nos anos 80 e exigiu a libertação de Nelson Mandela como veio acontecer. Formou importantes quadros políticos e militares da SWAPO, nas suas bases no leste de Angola, alguns ainda em vida. Vaticinou junto dos sul-africanos que os únicos interlocutores que tinham na Namíbia e na África do Sul eram a SWAPO e o ANC, e não os partidos fantoches que o regime do apartheid criara. Partilhou reflexões com Che Guevara em plena guerra colonial. Foi recebido diversas vezes, e em apoteose, na Casa Branca e no Capitol Hill, Congresso americano, em Washington, como “freedom fighter”, ou seja, como combatente da liberdade. Teve, em meados dos anos 80, vários encontros com importantes personalidades e políticos em Portugal, Inglaterra, Bélgica, Alemanha e França. Reuniu, na Jamba, nessa mesma década, os actores mundiais mais importantes da frente unida da luta contra o expansionismo russo e cubano, incluindo os “mujahedines do povo” do Afeganistão. Libertou, por razões humanitárias, soldados e pilotos russos e cubanos, capturados em combate. Entregou ao ANC, nos anos 80, apesar dos protestos dos sul-africanos, guerrilheiros do ANC, capturados na província do Bengo, através da Zâmbia de Kenneth Kaunda, que se encontram ainda em vida na África do Sul. Fez da UNITA a vanguarda dos povos de Angola da luta pela democracia até o dia da sua morte.
Enquanto diplomata, alicerçado no realismo político, concretizou o seu sonho, legando para as novas gerações dos povos de Angola, o multipartidarismo, como contributo do seu longo combate por África e por Angola.