Luanda -  1. O pior de todos os cenários desenhados para as manifestações convocadas através das redes sociais instalou-se na Líbia e tem agora outros desenvolvimentos que suscitam preocupações em relação a aspectos de política e de direito internacional que, certamente, vão fazer correr rios de tinta.


Fonte: Jornal de Angola

Angola  tem-se pautado por uma conduta exemplar

Na Tunísia e no Egipto, os Presidentes Ben Ali e Hosni Moubarak foram obrigados a resignar ante a onda de contestações sem recurso às armas. A gestão da crise permitiu que aqueles dois países não entrassem no caos total. Já na Líbia, ao contrário do que aconteceu na Tunísia e no Egipto, os manifestantes saíram às ruas, no confronto com as forças leais ao regime passaram a apoderar-se das armas destas e, em alguns pontos do país, os militares juntaram-se aos contestatários. Estava claramente instalado o clima de guerra civil e dificilmente a Líbia vai estar a salvo dessa situação ainda que Kadhafi, a quem faltou visão para se antecipar aos acontecimentos, encetando reformas políticas profundas, seja apeado do poder, o que é certamente o que os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha pretendem fazer com o beneplácito do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

A falta de uma leitura correcta da situação levou Kadhafi a confiar em demasia nas forças militares e a descurar aspectos fundamentais da agenda política interna, que hoje traçam o quotidiano das sociedades, como a questão da democracia, à qual está inerente o pluripartidarismo, e o respeito pelos direitos humanos. Mas manda também a verdade dizer que perante uma situação de manifestações à mistura com sublevações armadas, outra coisa não era de esperar senão que a Líbia caísse no abismo, face à previsível reacção do Presidente líbio.

 


 O facto é que, enquanto houve avanços por parte das forças contrárias a Kadhafi, o Ocidente se limitou a aplaudir, e agora se apresta a entrar na arena, tendo em conta a iminência do seu aniquilamento. Se o argumento da protecção de civis invocado pela resolução do Conselho de Segurança da ONU para autorizar a realização de ataques aéreos contra as forças governamentais líbias e a criação de uma zona de exclusão aérea no país é legítimo, face, sobretudo, à desproporcionalidade dos meios bélicos à disposição de uma e de outra parte, já a própria actuação no terreno vai tratar de desmistificar as boas intenções. É um dado assente que se trata de um envolvimento directo no conflito líbio e a probabilidade de ele se estender a operações militares com desembarque de tropas é mais certa, a avaliar pelo facto de que uma zona de exclusão aérea não significa necessariamente uma “zona de exclusão terrestre”.

 

As notícias de que mais navios anfíbios dos EUA podem ser transportados para o Mediterrâneo e de que a França está pronta a intervir sustentam fortemente essa hipótese que, a acontecer, vai agravar sobremaneira a situação na Líbia, onde Kadhafi invoca o direito à soberania e à não ingerência nos assuntos internos do país, mas da Liga Árabe só pode registar a decisão de apoiar a zona de exclusão, por outras palavras um sinal de desaprovação à sua política, enquanto a União Africana que condenou qualquer intervenção externa, se vê impotente para impedir que ela aconteça, apesar de reconhecer, na voz do seu presidente em exercício, que as razões que estão na base das revoltas nesses Estados prendem-se com a necessidade de se instaurar o pluralismo político e a garantia das liberdades civis como condição para assegurar a estabilidade.

 

2. Angola soube sempre distinguir a árvore da floresta e nas relações externas tem-se pautado por uma conduta exemplar. Nas relações com a República Democrática do Congo tem sido também assim e apesar de episódios que nos deixam magoados nem por isso respondemos com a mesma moeda. Cidadãos angolanos foram expulsos da RDC o ano passado de forma desumana e nós tratamos de acolher os nossos compatriotas sem recorrer ao direito de reciprocidade.

 

Diariamente são relatados casos de violação das nossas fronteiras por cidadãos congoleses ou de outra nacionalidade com o apoio dos primeiros e nem por isso no tratamento dessas situações nos afastámos das recomendações internacionais para lidar com essas matérias. Por isso, o ministro Georges Chikoti tratou de negar redondamente que efectivos da Polícia Nacional estivessem alguma vez envolvidos em casos de violações sexuais em massa contra cidadãs congolesas. Houve apenas um caso e a justiça angolana está a tratar do assunto com o rigor que se impõe. Os crimes não são transmissíveis e se ficar provado que houve envolvimento do acusado a justiça vai ser feita. O Estado angolano tem procurado dar a melhor formação possível aos seus efectivos porque a defesa da sua imagem tem um valor inestimável, do mesmo jeito que não abre mão do direito de combater a imigração ilegal, seja ela apoiada ou não por alguns políticos congoleses.


*Filomeno Manaças, Director Adjunto do Jornal de Angola