Luanda - A Líbia está a ferro e fogo e se as coisas não forem conduzidas dentro do espírito da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas o mais certo é que o país acabe envolvido numa guerra sem precedentes. Na verdade, o que está a acontecer na Líbia já é algo inaudito e ninguém de boa fé acredita que a intervenção autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas se desenvolva dentro dos marcos e objectivos estabelecidos pelo órgão da ONU.


Fonte: Jornal de Angola



As forças navais norte-americanas lançaram de sábado a domingo 110 mísseis cruzeiro contra 20 alvos na costa líbia e o resultado foi a destruição de defesas antiaéreas nos arredores de Tripoli e Misrata, que causaram a morte, segundo várias fontes, de perto de 100 civis. Tripoli dista de Misrata cerca de 200 quilómetros, e pouco mais de mil quilómetros de Benghazi, onde é suposto criar-se a tal "zona tampão" para conter o avanço das forças leais a Kadhafi e impor o cessar-fogo no conflito líbio.


A Liga Árabe, que deu o seu aval à criação da zona de exclusão aérea, agora diz, com a sensação de arrependimento, que "o que está a acontecer na Líbia difere do objectivo" por ela defendido e o que a organização pretende "é a protecção de civis e que não haja mais bombardeamentos contra os mesmos". Foi o que disse o seu secretário-geral, Amr Moussa, mas agora já pouco conta porque o mal já está feito e o caldo totalmente entornado. Por outras palavras, a Liga Árabe apoiou cegamente a proposta de uma zona de exclusão aérea, na perspectiva de que "depois logo se verá quanto ao resto…", mas agora vê-se a braços para digerir o que está a ser aplicado no terreno.



Os bombardeamentos em Tripoli nada mais são do que a preparação para uma posterior intervenção na capital líbia. E esse cenário já está a ser projectado com discursos sobre a necessidade de reformas políticas e económicas no país, sem mesmo se tentar chegar a um acordo político entre os beligerantes. Na ausência da oferta de um acordo e face à intervenção militar francesa e norte-americana, o que se assistiu de imediato é a um recrudescimento da violência, com Kadhafi a radicalizar ainda mais as suas posições e a ameaçar levar a cabo uma guerra de longa duração. Mais um país afro-árabe entra na rota das destruições e, à pala da protecção das populações civis, a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas pode ser aproveitada para se fazer o inverso daquilo que precisamente ela defende.


Os propósitos político-económicos estão a falar mais alto e os receios de que a resolução possa servir não apenas para criar uma zona de exclusão aérea, mas para uma intervenção militar na Líbia à semelhança da invasão ao Iraque - com o seu cortejo de consequências - ganham fundamento a cada dia que passa.



No Iraque, as forças da coligação inventaram armas de destruição maciça que nunca existiram e Saddam Hussein acabou por ser enforcado sem que as Nações Unidas levantassem um dedo sequer para condenar o acto. As Nações Unidas, uma tribuna onde se defende os valores universais, não deviam permitir isso e muito menos que a situação se repita na Líbia.



Do mesmo modo que aprovou a resolução que autoriza a criação da zona de exclusão aérea, as Nações Unidas devem intervir para fiscalizar se isso está a ser feito e conduzir o processo que leve os líbios a uma solução pacífica, negociada, sob pena de, ao reparar um erro, estar a cometer outro. Se assim acontecer, a Organização das Nações Unidas não vai poder eximir-se de graves culpas e vai fragilizar ainda mais o seu papel, cuja actuação no Iraque ainda hoje leva muitos povos a interrogarem-se sobre a seriedade e responsabilidade com que os assuntos são tratados para preservar a paz no mundo.



A União Africana e a Liga Árabe devem intervir para que a Líbia possa encontrar o caminho da democracia, mas que a paz também possa ser garantida e que a intervenção militar autorizada pela resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas não vá além dos propósitos que ela estabelece, quer dizer, que seja cumprida "ao pé da letra", como se exige que o Governo líbio acate a decisão de observar o cessar-fogo.