Lisboa - 1 . A inquietude que marcou a conduta das autoridades ante a eventualidade da ocorrência de manifestações de protesto no país (AM 547), deu depois azo a reflexões internas sobre a situação em geral, nas quais são notadas inclinações a favor de mudanças no sentido de uma renovação/abertura do regime e suas políticas.


Fonte: Africamonitor.info


A revelação, baseada em fontes do regime n.i., uma das quais subentendidamente descrita como pertencendo ao “círculo presidencial”, consta de um relatório de situação com enfoque nos acontecimentos; o cenário de mudanças, combinando abertura política com melhoria das condições básicas da população, é visto como “necessário” para a sobrevivência do regime.


Entre as previsões de evolução da situação qualificadas no relatório como sendo de abertura política (também pontualmente destinadas a “compensar” a linha dura aplicada para fazer esconjurar as pretensas manifestações populares de protesto), figuram as seguintes – algumas das quais consideradas “já afloradas”:

 

- Descomprimir o clima social e político no país, com prioridade em partes críticas do território, Cabinda, e Lundas, onde há expressivos focos de descontentamento e contestação popular ao regime e suas políticas.

 

- Aproveitar o congresso do MPLA, Abr, para proceder a uma renovação da composição dos seus orgãos – mais ampla do que o previsto; rever procedimentos de representantes locais do partido, geradores de descontentamentos nas populações.


- Tornar mais efectivas/convincentes planos e medidas anti-corrupção.


- Reapreciar envolvimentos externos potenciadores de embaraços internos e externos para o regime.

 

Nos últimos dias foram registados alguns factos concretos, considerados demonstrativos de acrescida maleabilidade do regime, entre os quais uma posição menos intransigente, ainda que aparentemente contraditória, em relação à questão de Cabinda (AM 548); libertação de vários activistas políticos das Lundas detidos à ordem dos tribunais.

 

Há também indicações plausíveis de que o SG da UNITA, A Camalata Numa, será absolvido num processo judicial que lhe foi movido no seguimento de um acto de protesto, no Huambo (AM 539), contra a detenção, considerada arbitrária, de um representante local do seu partido.


O processo contra A C Numa foi instruído com base em relatórios do administrador da localidade a que o detido pertence e do governador provincial do Huambo, Faustino Muteka; a desvalorização do relatório do governador, implícita na prevista absolvição do acusado, é vista como um pretexto mais para o afastar (AM 546), como indivíduo autoritário.

 

No senso comum, a justiça, em geral, é vista como um sector muito permeável às conveniências do regime e interesses particulares dos seus agentes. A comunicação social, grandes orgãos, também. A libertação dos activistas das Lundas e a esperada absolvição de A C Numa, são interpretadas como destinando-se a promover uma ideia mais benigna do sector.

 

2 . As correntes de pensamento que advogam uma abertura política baseiam-se em análises segundo as quais tende a ser cada vez mais influente na sociedade uma geração mais capacitada (mais instruída, com mais cultura política e mais consciência social), i.e., com propensão para reagir face a limitações de liberdades individuais e situações de injustiça.
Entre os opositores ou meros críticos do regime pertencentes às novas gerações estão identificados jovens oriundos de famílias referenciais do regime – que por esta via parece querer afirmar-se politicamente. Um antigo “estatuto da nomenklatura”, na prática ainda remanescente, confere-lhes privilégios que os críticos recusam.

 

Conforme notado no referido relatório de situação, ainda persiste nas discussões internas sobre aspectos da situação do país, a invocação de alegadas “teorias da conspiração” como elemento explicativo de pretensas ameaças e planos de desestabilização – mas a aceitação que suscitam tem vindo a desvanecer-se.

 

3 . Em sectores conotados com uma visão mais flexível das realidades do país considera-se que o papel hegemónico que o MPLA passou a ter como força partidária, em resultado das últimas eleições, está a revelar-se contraproducente para si próprio; fez substituir por um vácuo o antigo factor de competição e coesão representado pela UNITA, em particular.
Também se conjectura que a nova constituição (AM 511), ao identificar o PR como centro efectivo de um poder concentrado na sua pessoa, criou condições adicionais para que o ónus de descontentamentos sociais e políticos recaíssem sobre José Eduardo dos Santos (JES), avolumando a sua impopularidade.

 

Em sectores da sociedade em geral, em especial nas principais cidades, o regime do MPLA é vulgarmente tratado como sendo “monopartidário”; JES, por sua vez, é visto como “autocrata” ou “ditador”, que em alegado proveito da sua função constitucional de “chefe do executivo” ordenou que o Governo passasse a ser chamado Executivo.

 

Nos últimos anos, em especial depois das eleições de 2008, foram notadas tendências de reconversão do regime a métodos do período do partido único tais como recuperação do antigo papel do MPLA na organização e funcionamento do Estado (AM 525), recrudescimento do esforço de vigilância e controlo da oposição por parte do aparelho de segurança (AM 521) e controlo da comunicação social (AM 495/502).


4 . A conclusão do relatório segundo a qual as autoridades revelaram inquietude face à hipótese de ocorrência das manifestações anunciadas para 07.Mar, está fundamentada em dados ainda desconhecidos, como os seguintes:

 

- Apelos informais a dignitários de várias Igrejas, alguns dos quais atendidos, para usarem as suas influências no sentido de desmotivar as manifestações.


- Idem, desta feita junto de dirigentes partidários, em especial a UNITA, para não se “aproveitarem” da situação com intuitos de agitação (propósito também visado em advertências públicas, conotando as manifestações com um suposto regresso à guerra).


- Controlo permanente de segmentos da população de Luanda e Cabinda, com base em vastas redes de “informadores” dos vários braços do aparelho de segurança.