Luanda - Forças especiais francesas com apoio aéreo dos "capacetes azuis" bombardearam o palácio presidencial em Abijan, neutralizaram a guarda e capturaram o Presidente Gbagbo. Dois repórteres da France Press seguiram a operação e contaram ao mundo o acontecimento.


Fonte: Jornal de Angola

Regresso ao passado

Os dois jornalistas descrevem que as forças armadas francesas atacaram com armamento pesado e potentes meios aéreos. O gabinete de Sarkozy, quando confirmou a prisão do Presidente da República da Costa do Marfim, através de fotos dos repórteres da France Press, apressou-se a dizer que não teve qualquer intervenção directa na prisão do Chefe de Estado da Costa do Marfim.

 

Mas os dois repórteres da France Press não deixam dúvidas a ninguém. Além de descreverem os ataques com todos os pormenores, referem o que toda a gente sabe: as milícias de Ouatttara demonstraram total incapacidade militar. O que mostraram foi uma grande apetência para massacres.

 

O que se passou ontem em Abidjan vai ficar gravado na História de África como uma das maiores infâmias que aconteceram no nosso continente depois do advento das independências. O colonialismo foi, sem dúvida, o maior crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. As potências coloniais, até hoje, não foram capazes de reconhecer a sua culpa nesse crime hediondo. Muito menos foram capazes de pedir desculpas aos povos colonizados e escravizados.

 

A Igreja, que nem sequer tem culpas directas no crime, já pediu desculpas a vários povos onde houve autênticos holocaustos. Mas as potências coloniais continuam com a arrogância de sempre e os complexos de superioridade ridículos que as colocam a níveis rastejantes. A França está um pouco abaixo desse patamar porque, para além de não reconhecer as suas culpas, tem o desplante de ocupar militarmente alguns países africanos que foram suas colónias. É o caso da Costa do Marfim.

 

Mais uma vez, após as independências africanas, tropas de uma potência colonial usam a força para depor um Presidente da República. Mais grave ainda: fazem-no com o apoio das "forças de paz" da ONU que puseram à disposição dos invasores franceses poderosos meios aéreos.

 

O Presidente Gbagbo está a ser vítima da mesma prepotência e arrogância que vitimou Patrice Lumumba, o primeiro líder africano martirizado pelos colonialistas, descontentes com a independência do então Congo Belga. Também nessa altura a ONU e outras potências ocidentais colaboraram no assassinato de Lumumba.

 

Tanta coisa mudou desde então e afinal a França continua igual a si própria: racista, intervencionista, chauvinista e cobarde. Uma cobardia disfarçada na ponta das espingardas e na força brutal de quem tem todas as armas, todas as técnicas e as costas quentes por aliados poderosos.

 

A França está implicada directamente no assalto ao palácio presidencial em Abidjan. Foi elemento fundamental no golpe de Estado internacional contra o Presidente Gbagbo. Lançou a Costa do Marfim numa guerra civil. Está a destruir o país e a patrocinar massacres. Ateou as fogueiras onde Outtara queimou adversários políticos. A França fez de um país soberano um protectorado porque já não pode transformá-lo em colónia.

 

A França tem de responder ante África e o mundo pelo que fez. E está a liderar um processo com contornos demasiado graves para passarem impunes.

 

A União Africana tem uma palavra a dizer nesta conjuntura. Um Chefe de Estado africano foi preso por forças estrangeiras, no seu posto. Os seus carcereiros têm de ser responsabilizados por tudo o que lhe acontecer, a partir do momento em que bombardearam o palácio presidencial.

 

O Presidente Gbagbo e a sua família têm de ser restituídos imediatamente à liberdade, sem condições. Se a França não o fizer, então está a dizer aos africanos que não respeita a soberania das nações africanas, não respeita os seus líderes e considera-se superior aos povos que colonizou. Mesmo os países que têm boas relações com Paris não podem aceitar esta sobranceria e falta de respeito.

 


Os africanos não têm culpa nenhuma da crise financeira internacional. Pelo contrário, nada fizeram para que ela acontecesse e são os primeiros a sofrer as suas consequências. Se a Europa pretende desviar as atenções dos seus eleitores dessa crise, África nada tem a ver com isso. O Presidente Gbagbo e a sua família têm de ser protegidos, a guerra civil fomentada por Paris e pela ONU tem que acabar e a Constituição da República da Costa do Marfim tem de ser respeitada.


Se tal não acontecer, a partir de agora África fica vulnerável ao regresso a um passado onde imperava a ignomínia colonial. Quem aceitar a lógica dos golpes de Estado internacionais está implicitamente a aceitar o fim da liberdade e a confiscação da soberania. Hoje está em causa a Costa do Marfim. Amanhã é qualquer outro país africano.