Luanda - O  Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) assinalou a passagem do 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, com a realização de uma palestra na sede da União dos Escritores Angolanos sobre o tema da descriminalização da actividade jornalística em Angola, em que foi prelector o Dr. Inglês Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola.


Fonte: SJA


Foi assim dado o pontapé de saída do prometido debate sobre esta problemática, que, quanto a nós, assumiu uma urgência dramática depois da escandalosa condenação no Namibe do Armando Chicoca (AC), a um ano de prisão efectiva, por ter feito uma matéria sobre uma situação de assédio sexual, envolvendo a pessoa do Juíz Presidente daquela comarca e de uma sua antiga empregada doméstica, de quem, aliás, partiu a denúncia.


Felizmente que as nossas vozes, que se juntaram num clamoroso protesto uníssono, foram ouvidas, estando o AC a aguardar agora em liberdade provisória o julgamento do recurso interposto junto do TS.

 

Antes de mais, é bom que fique claro, a intenção do SJA não é procurar de forma alguma entrincheirar os profissionais em alguma situação de privilégio ou de excepção em relação aos outros cidadãos no que toca ao cumprimento da lei, em relação à qual todos somos iguais quanto à observância dos deveres e dos direitos e da assumpção das consequências pelo não acatamento das normas.

 

A ideia do SJA é tão-somente com base nos fundamentos do nosso ordenamento júridico-constitucional, do direito comparado e ao abrigo de algumas pertinentes recomendações internacionais, procurar encontrar o tratamento legal no plano da responsabilização, que mais se adeqúe ao próprio exercício da actividade jornalística, que tem características e exigências muito próprias.

 

A existência de uma Lei de Imprensa fala bem desta especificidade que tem a particularidade de ser extensiva a todos os cidadãos/instituições, pois o espaço de intervenção da comunicação social, pelo seu carácter eminentemente público, é sem dúvidas o mais transversal a toda a sociedade, estando por dever e por obrigação aberto a participação de todos.

 

Acontece que a actual Lei de Imprensa acaba por ser um código penal do exercício da própria actividade jornalística em Angola, o que é visível na forte carga criminalizadora do seu articulado, onde apenas os jornalistas são responsabilizados a esse nível.

 

Sendo a produção e transmissão de informação jornalística de interesse público (é só desta que queremos falar), uma actividade que não depende somente dos jornalistas, é estranho que na parte da responsabilização apenas os profissionais sejam alvo de consequências previstas na lei criminal.

 

Por razões óbvias, as penas de privação da liberdade, são as mais temíveis, com a agravante de vivermos num país onde os cárceres, de uma forma geral, ainda são muito pouco recomendáveis para dar guarida ao género humano.

 


Com efeito e até para aqueles, onde se incluem os agentes do Estado e as pessoas colectivas públicas, que dificultam de forma aberta e violenta a actividade dos jornalistas e dos médias, no âmbito dos chamados atentados à liberdade de imprensa (artº76), a lei apenas prevê penas de multa e de responsabilidade civil pelos danos causados.

 

Em relação as entidades públicas que têm o dever de assegurar o acesso às fontes de informação com vista a garantir aos cidadãos o direito de serem informados (artº19), nem uma palavra no que tocante as consequências da recusa desta colaboração que é recorrente/ostensiva e está na origem de muitas especulações, imprecisões e mesmo erros crassos que os jornalistas cometem no exercício da sua actividade, colidindo com os chamados direitos de personalidade.

 

Estamos de facto e de jure diante de uma lei profundamente injusta e desigual que em vez de proteger o exercício da actividade jornalística, parece estar mais preocupada em responsabilizar criminalmente os jornalistas. Uma verdadeira ratoeira.

 

A ideia da descriminalização tem pois a ver com a necessidade de se dar um outro tratamento que salvaguarde e dê suficientes garantias ao direito fundamental que representa a liberdade de imprensa, sem pôr em causa o sagrado princípio da responsabilização que é da maior importância para se regular a vida em sociedade e estabelecer os necessários limites tendo em vista uma coabitação pacífica e civilizada.

 

O tratamento a dar aos chamados abusos/excessos/delitos surgidos na imprensa, quando os jornalistas têm de ser responsabilizados por alguma falha cometida e que afecte direitos de terceiros, nomeadamente os direitos de personalidade, tem pois de ser equacionado num quadro mais coerente e mais equilibrado.

 

O factor preponderante deste equilíbrio tem de ser necessariamente a persecução do interesse público, porque é este que justifica e legitima a movimentação dos jornalistas na procura da verdade dos factos, tendo em vista a sua divulgação em nome do direito à informação que os cidadãos têm garantido. Outra garantia sem grande substancia.
A nossa lei apesar de ser superficialmente clara a este respeito, depois, no capítulo da responsabilização, não lhe dedica a mínima atenção, o que quanto a nós não faz sentido, porque entrega os jornalistas de mão beijada às mãos do poder judicial, que como sabemos é cego. O nosso é particularmente “cego” quando se trata de julgar jornalistas, embora já tenhamos registado algumas “corajosas” absolvições.

 

Para termos uma ideia de uma evolução mais positiva desta abordagem em outros ordenamentos que comungam com o nosso a mesma filosofia, citaremos aqui o caso do brasileiro que já prevê a situação de “imunidade de crítica” que está relacionada com a liberdade de imprensa tornando penalmente irrelevantes as ofensas feitas em sede de crítica especializada. “No Direito Penal Brasileiro, a imunidade de opinião é uma das defesas possíveis nos crimes contra a Honra, na medida em que afasta a incidência das normas penais referentes à difamação e à injúria.

 

Opera dentro desta imunidade o crítico que insulta a actuação de um atleta, ou que acusa determinado actor de estar recebendo dinheiro sem actuar devidamente, ou que afirma que um chefe de cozinha perdeu sua integridade, etc.

 

As imunidades estão previstas no art. 142 do Código Penal brasileiro, que em seus 3 incisos oferece imunidade aos agentes que tenham praticado a acção prevista para os crimes de difamação e injúria, desde que cumpridas algumas exigências legais”- In Wikipédia.


Não cabe nesta abordagem a utilização e manipulação dos médias por forças políticas, como acontece muitas vezes entre nós e como foi o que se passou no Rwanda, com a transformação da Rádio das Mil Colinas num instrumento ao serviço do genocídio.


Nestes casos nem sequer se pode falar de uma legítima actividade jornalística, devendo a responsabilização dos seus agentes ser feita numa outra latitude no âmbito dos crimes comuns relacionados com a promoção da violência e do ódio