Luanda - As redes sociais, apesar de em muitos casos representarem um perigo á nossa privacidade e não só, oferecem-nos também imensas oportunidades e possibilidades que, se bem aproveitadas, constituem uma mais valia. Sou daquelas pessoas que gosta de desafios, e não se detém em explorar ao maximo, as possibilidades e oportunidades que as redes sociais - como é o caso do facebook - nos oferecem. Uma destas possibilidades é o de fazer amizades. Naturalmente, e por razões óbvias, não se pode fazer amizade com toda a gente, mas como gosto de desafios, eu mesma vou atraz daquelas pessoas que despertam o meu interesse por mais controversas ou polémicas que estas sejam. Uma destas pessoas, é o Luaty Beirão, mais conhecido por todos nós como "Brigadeiro Mata Frakuzx" (que nome estranho - risos) e agora também já conhecido como "Ikonoklasta".


Fonte: Facebook/Vanessa

Entrevista conduzida por Vanessa Mayomona

O Brigadeiro Mata Frakuzx praticamente dispensa apresentações na Comunidade angolana com acesso a Internet. O video em que Mata Frakuzx assume publicamente, durante um show de hip hop em Luanda, que iria aderir á manifestação do dia 7 de Março rolou pela Internet e em pouco tempo lhe deu uma visibilidade, para muitos, negativa, para outros, de corajoso, mas para mim, a de alguém que, apesar de naquela altura ainda ser um "cara" completamente desconhecido, suscitou questões na minha mente curiosa que, decidi, estava disposta a ir em busca de respostas.

 

Nesta conversa em formato de entrevista mantida via skype, num estilo amigavel e desinibido, decidi pela primeira vez confrontar Luaty Beirão (para vocês - Mata Frakuzx - risos) com questões que faziam morada na minha mente em relação às motivações que levaram-no a ser um dos nomes e rostos mais visiveis quando se fala hoje em manifestações em Luanda. Porquê trazer a público esta conversa? Primeiro porque achei interessante. Segundo, porque acredito que vos possa interessar. E terceiro, porque é também uma oportunidade de, acredito pela primeira vez, alguns daqueles que são os seus maiores criticos lerem dele mesmo e na primeira pessoa, as suas motivações e convicções. Segue-se então a minha conversa com Luaty Beirão (para vocês "Brigadeiro Mata Frakuzx" ) conforme autorizada pelo própio.

 

Vanessa Mayomona (V.M): Luaty  boa-noite, como sabes, é sempre um prazer falar contigo. Nesta nossa conversa de hoje, eu quero fazer-te algumas perguntas para dar a conhecer a todos aqueles meus amigos que não te conhecem, bem como a outros angolanos que estariam curiosos em saber um pouco mais de ti, quem tu és realmente. Então para começar, podias apresentar-te falando um pouco de ti em resposta a esta pergunta. Quem é, na verdade, o Luaty Beirão ou melhor, o Brigadeiro Mata Frakuzx, também já conhecido como Ikonoklasta?

 

Luaty Beirão (L.B): Seria o inverso: Brigadeiro, ou melhor, Luaty Beirão. Brigadeiro é um personagem, um dos muitos personagens que vivem dentro de mim, Luaty Beirão, e que têm manifestação artística através da música, 98% das vezes música rap. Outras existem, todas elas facetas que constituem pedaços de um mosaico que se quer complexo quando se trata de um ser humano. O brigadeiro é a parte de Ikonoklasta ( ou Luaty Beirão) que vive chateada, inconformada, revoltada com a injustiça, com a corrupção, com os desiquilíbrios do mundo circundante, sobretudo pela conclusão analítica que a maior parte desses problemas existem por falta de vontade em resolvê-los.

 

O Brigadeiro é o amargurado que lida mal com a desilusão e que se rebela contra o poder instituído. Mas é também, e foi sobretudo esta a origem deste personagem, a personagem de combate do ikonoklasta, aquele que denuncia e afronta MC'S [Rappers] que considera não serem dignos desse título.

 

 Olha Luaty eu vou te confessar uma coisa, muita gente até hoje, resume a tua personalidade  com base naquele video associado à manifestação do dia 7 de Março. Conta-me, como é que reagiste quando soubeste que aquele video foi ao ar, surpreendeu-te? E como as pessoas a tua volta reagiram, e como soubeste lidar com as criticas e com as eventuais ameaças? Houve ameaças também, pois não?

  Não me surpreendeu nada, porque o Carbono  teve a decência de me perguntar se eu aprovava que ele subisse o vídeo para o youtube. O caldo já estava entornado e eu já tinha tornado pública a minha posição;  achei que quanto mais pública fosse essa posição mais protegido eu estaria, por mais paradoxal que possa parecer; a verdade é que no dia à seguir à publicação do vídeo começou a pressão, os telefonemas dos amigos a dizerem que o SINFO estava a minha "procura" e que me vinham buscar à casa, que quereriam o meu número de telefone, etc, etc. Depois disseram-me que a casa militar também queria "falar comigo". Eu disse-lhes que dessem o meu número e que a casa militar e o sinfo me ligassem ou aparecessem pessoalmente ao invés de mandarem recados. Nunca apareceram.

 

Quanto as críticas, felizmente com os anos eu fui me dando conta e aceitando que quando nos expômos em publico e por mais zelozos que sejamos, estaremos sempre na mira de críticos e detratores, é um axioma, não adianta tentar contornar por isso lido com as críticas de maneira natural, elas têm de existir e são benvindas.

 

V.M: Mas não tiveste medo (?)

 

L.B : Medo? Quem tem C*  tem medo né Nessa?

 

V.M: (risos)

 

L.B: Mas não deixei que o medo me dominasse nem que me cegasse a razão ou a lógica. Quando me disseram "sai de casa para eles não te encontrarem" eu só pude responder: "mas saio para ir para onde? Haverá um sítio onde realmente possa estar abrigado? E até quando terei de estar escondido? Que tipo de precedente estarei a abrir agindo assim?". Decidi que não ia para lado nenhum e senti-me confortável com a minha decisão quando um kota amigo, habituado a esses metódos intimidatórios do regime me confirmou que era isso mesmo que devia fazer. Fazer a minha vida normalmente.

 

 Então quer dizer que sofreste também uma certa pressão da parte da tua familia? Como é que eles reagiram a tudo isso, sofreram pressões externas?

 De certa maneira houve pressão da familia, aquilo que já se sabe né, as reações temerosas normais de alguém que ama e que receia pela sorte do seu ente querido mas ninguém se esforçou muito para me demover porque sabem que eu sou resoluto e inamovível nas minhas decisões, sobretudo porque, apesar de sentirem medo, estariam solidários com os propósitos da minha luta e reconhecem ser algo egoístas ao assumir que "alguém tem de fazer alguma coisa para o país mudar, mas gostava muito que não fosses tu".

 

V.M: Como tua amiga este pensamento que caracterizas de "egoísta" de certa forma também me cruza muitas vezes a cabeça. Mas conta-me, logo depois do alvoroço todo em torno daquele video, das ameaças, tu ainda assim foste um dos que foi até ao largo da independencia na madrugada de 7 de março. Nunca te perguntei isso e hoje mesmo quero fazer-te esta pergunta. O que te fez ir até ao largo da independencia naquele dia?

Essa é uma boa pergunta e muitas vezes me pergunto a mim próprio se eu teria ido à hora convocada pelo anónimo palhaço caso não me tivesse comprometido publicamente naquele espetáculo. As coisas poderiam ter sido bem diferentes, pois chegando lá a outra hora que não aquela, já não iria encontrar o Medil, e o Celson, dois guerreiros que foram para lá SOZINHOS e que iriam saír dali com uma impressão muito negativa da juventude angolana. Lembro-me que nessa noite, o pessoal com quem fui estava mais inclinado em bazar por volta das 5h30, 6h da manhã, mas eu não podia, pois tinha-me comprometido publicamente e a minha palavra é a única coisa que tento esforçar-me ao máximo para não quebrar pois é das únicas posses que tenho. Não podia esperar que outros fossem os primeiros para ver o que lhes sucedia, não queria sentir-me depois como um responsável pela manifestação nunca ter tido lugar, ou culpado por não estar entre aqueles que lá chegaram primeiro e sofreram a ira da polícia. Se eu as 6 da manhã soubesse que tinham sido detidas pessoas que chegaram a horas, ia atormentar-me até hoje com a questão: será que eles não terão sido induzidos pela minha diatribe naquele espetáculo? Chegando lá e não me encontrando, o que me tornaria aos olhos deles? Um fiasco, uma desilusão, um hipócrita. Como vês as razões são variadas, é um bouquet bem composto.

 

Mas tu foste novamente á manifetaçao de 2 de Abril, e nessa altura já não tinhas compromisso moral com ninguém. Lembro-me que a manifestação tinha como lema "Liberdade de Expressão em Angola". O que te fez aderir a essa manifestação?

Mhhmm... a manifestação de 2 de abril foi consequência DIRECTÍSSIMA da vitória que o MPLA nos deu ao prender-nos ilegalmente no dia 7 de Março. Foi uma decisão deliberada de insistir na mesma tecla e obrigá-los a provar que são todos aqueles termos pomposos que acham bonito meter nos seus discursos. O 2 de Abril tinha de acontecer e ponto final, e o momentum  não podia ser desperdiçado, não podíamos deixar passar muito tempo para não perdermos os buracos que se abriram nas contradições do regime no terreno havia claros sinais de atrapalhação que tínhamos de aproveitar antes que o regime se recompusesse do golpe e tratasse de descobrir um antídoto para se defenderem de iniciativas desse género.

 

 Vamos recuar um bocadinho mais para o 7 de março porque há pequenas coisas que ainda não conssegui entender. Na diaspora ouvimos a reação de pelo menos três dirigentes angolanos fazendo uma séria advertencia contra quem aderisse a esta manifestação..mas não houve comportamento semelhante dos mesmos ou de outros dirigentes nas vesperas ou por ocasião da manifestação de 2 Abril, a que se deve isso na tua opinião?

 Na minha opinião houve "puxão de orelhas" interno. Os emocionados galos tiveram de aprender a engolir em seco e ser um pouco mais democratas, aceitar as críticas com humildade que não herdaram de quem lhes educou ou com a ironia, cinismo e elasticidade que se requer de um dirigente ou político; exageraram na propaganda contra a manifestação de dia 7 de março, gastaram a volta de 20 milhões para desviar a atenção do real intento da manifestação, vieram a público fazer alegações gravíssimas, gastaram os trunfos todos, não podiam recorrer as mesmas ladaínhas para a manifestação do dia 2 de Abril, só lhes restava eliminar os promotores [da manifestação] ou fingirem que são democratas que é, ao que me parece, a nova ordem interna de momento... "aguentem no castanho!" Por mais que lhes esteja a ser difícil engolir esse sapo, estão a sair-se bastante bem.

 

V.M: Bem, mas se tu foste a manifestaçao de 2 de Abril, significa que tu concordas que não existe liberdade de expressão nem de imprenssa em Angola. Certo?

 

L.B: Claro.

 

V.M: E como é que tu argumentarias, no caso de alguém te contrariar com o seguinte: temos no país radios privadas; Tv privada; varios jornais privados; as pessoas participam abertamente em varios programas de radio, via telefone, e expõem abertamente as suas opiniões; a existencia de varios jornais em que se critica abertamente a governação, o Presidente da Republica? E o facto de nenhum deles estar preso (risos) isso não é evidencia de existencia de Liberdade de expressão e de imprenssa?

 

L.B: Enquanto o José Eduardo proferia esse discurso estava o Armando Chicoca ainda na choldra por ter feito o seu trabalho, limitando-se a reproduzir as denúncias de uma funcionária do Juíz que o processou,  mas relatos de ataques à jornalistas não faltam.

 

Não me vou alongar aqui mas ainda o ano passado o Jojó foi "picado" com faca e o Alberto Chakusanga foi ASSASSINADO!

 

 Sabe-se também que o Rafael Marques foi afastado do angolense depois de uma empresa afecta ao MPLA o ter comprado, e outros "pasquins da oposição" seguiram o mesmo caminho.

 

 O meu amigo Sakamoto perdeu o seu emprego na Ecclésia por se desviar da então "linha editorial" da rádio promovendo sempre debates incomodativos para os donos de Angola. Liberdade de expressão é o c*ralho!

 

V.M: (risos) (risos)

Diz-me uma coisa Luaty, tu foste a manifestação de 2 de Abril. Satisfez as tuas expectativas? E que reações tu notaste da parte das autoridades?

 

  L.B:  Satisfez... sim e não. Eu tinha um secreto desejo que aquilo abarrotasse e se tornasse um bloco inamovivel, conquistando o largo e arredores, fazendo uma sentada, parando o país (...) mas ao mesmo tempo fiquei muito satisfeito porque éramos muitos mais do que no dia 7 de Março. Foi o pontapé de saída e acho que só mesmo o meu lado ingénuo se permitiu voar tão alto nesse ensejo, pois o meu lado pragmático sabia perfeitamente que não iria acontecer dessa maneira. Foi uma vitória conseguir reunir ali aquelas cerca de 1000 pessoas que certamente já teriam querido estar no dia 7 e ganharam coragem para não esperar a terceira. Se o incremento percentual fosse sempre nessa ordem, a manifestação de dia 25 seria o fim do regime, mas vamos manter os pés assentes na terra, se formos mais do que no dia 2 já será muito bonito.

 

Fiquei muito impressionado pela positiva com a ação da PN... mantiveram-se discretos, apesar de atentos o tempo todo.

 

Também sei que tinham muitos agentes à paisana entre nós e que provavelmente os fardados aguardariam alguma indicação dos infiltrados sobre alguma ocorrência negativa antes de intervir foi realmente digno de realce o profissionalismo dos agentes da polícia mas é aquela, uma no cravo outra na ferradura,  pois dia 4 de abril, como não tinham orientações, fizeram desmoronar essa impressão de dominarem a lei e servirem o cidadão, quando tentaram impedir que entrássemos no largo da independência para celebrar o dia da paz!

 

V.M: E tu achas que a vossa mensagem em relação a exigência de mais Liberdade de expressão e de Imprenssa passou? notas algum efeito disso?

L.B: Mhhmm... nem por isso. Também não creio que algum jornalista esteja a desafiar aqueles limites que já foram conquistados e que já fazem parte da zona de conforto de quem queira exercer a sua liberdade de expressão. Quem já criticava continua a criticar, quem defendia defende ainda com mais afinco; se queres que te diga, eu já nem tenho grandes ímpetos de procurar os jornais, enrolam muito e não dizem nada,  outros exageram no sensacionalismo

 enfim... acho que falta seriedade.

 

V.M: E em relação às pessoas, a sociedade civil, na sua maioria, como é que elas encararam aqueles que se manifestaram no dia 2 de Abril, e o que elas acharam daqueles que foram presos no dia 7 de Março - tu incluído nesse grupo? Estas coisas aí foram manchetes nos orgãos de informação? É conhecida da sociedade aí? O que as pessoas falam disso?

L.B: Eu não sei, não consigo medir a pulsação da "sociedade civil". É como falámos há pouco, há-de sempre haver os que te venerarão  e os que acharão que não passas de um frustrado a querer chamar a atenção, a zona cinzenta entre um extremo e o outro está pejada de opiniões mais nuanceadas, mas é difícil saber com exatidão se a maioria é pró ou contra, na verdade, eu pessoalmente tento não pensar muito nisso, porque se o barómetro fosse o mais visível que é a adesão às manifestações, teria de concluir que não temos mais legitimidade para exigir a demissão do Zé. Mas existem vários fatores que fazem com que aquela pequena multidão não seja representativa do mundo de descontentes que ainda não conseguiram despir-se do medo.

 

Quando a consequência é tornares-te persona non grata, teres as portas fechadas e a tua vida anulada socialmente, dá o que pensar para quem já tem uma família para sustentar e não quer aarriscar perder a sua fonte de rendimento. Conclusão: cada um tem de agir POR SI, pelo que ele ACREDITA e não pelas sondagens ou pelas comparações de adesão à manifestações organizadas por um partido que governa desde que usurpou o poder em 1975 até hoje 2011, e que conquista adeptos oferecendo alcóol e camisolas, com as manifestações de um bando de "frustrados que [ segundo eles] foram estudar fora e voltaram sem diploma".

 

V.M: Diz-me uma coisa, tu falaste em "exigir a demissão" do Presidente JES. Tu achas que isso estava na mente dos que foram a manifestação de 7 Março e de 2 de Abril? Ou pelo menos na tua mente, estava isso presente?

L.B: Ya, estava.

 

V.M: Porquê? Se teremos eleições em 2012?

 L.B: Será que teremos? E em que moldes? E as eleiçoes de 2009? Alguma justificação para não terem acontecido?

 

V.M: Tudo indica que teremos eleições em 2012...

L.B: Em que é que te baseias pra tirar essas conclusoes?

 

V.M: Bem...(risos)...o Ministro da Administração do territorio, no seu facebook, escreveu recentemente sobre a nova fase de registro eleitoral que inicia, se não me falha a memória, em junho ou julho desse ano. E também, a notar pelos discursos oficiais dos nossos dirigentes, incluindo do Presidente do MPLA durante o ultimo congresso extraordinario, tudo indica que as eleições serão mesmo em 2012, ainda não ouvi ou li algo que me fizesse pensar o contrario...

L.B: Há quantos anos é que tu ouves promessas que não só não foram cumpridas como o seu não cumprimento nunca chegou a ser justificado?!!? Essa gente fala por falar, depois arranjam pretextos sem nexo para se contrariarem; e por acaso TUDO INDICA que a diáspora desta vez vai poder participar no pleito eleitoral?!?!

 

V.M: Tudo indica que Não!....(risos)

 

[Neste exacto momento a energia electrica, no local em que Luaty Beirão se encontrava, em Luanda, "bazou". Luaty pede então que aceleremos a conversa porque o seu Laptop poderia ficar sem carga a qualquer momento].

 

V.M: Tem-se dito em alguma midía angolana, que alguns dos que se manifestam, ou são frustrados que andaram no exterior e não terminaram a sua formação, ou são incentivados a se manifestarem, por angolanos ou estrangeiros no exterior do país. Existem veracidade nestas afirmações?

L.B: Se existe veracidade ou não, não posso confirmar. Porque não conheço nenhum desses que estudou fora e não terminou [a sua formação].

 

V.M: No teu caso particular, o que te leva a aderir as manifestações?

 

L.B: O país está MAL! As pessoas viveram caladas e oprimidas durante muitos anos, agora chegou a hora das pessoas falarem e usarem os direitos que lhes são conferidos pela propria constituição.

 

V.M: Mas dizem que tu até vives bem, que nasceste e cresceste no seio de uma familia privilegiada...

L.B: Eu vivo bem. Mas como posso considerar-me saudavel numa sociedade que vive doente? A maior parte da população vive na miseria, eu vou viver BEM como?

 

Viver BEM significa que não deve faltar comida? Poder pagar uma clínica privada quando estou doente? Poder ir para fora estudar, isso é viver BEM? Ou será apenas ser ABASTADO? Viver BEM ímplica que o meio em que me insiro seja saudavel; que  o facto de eu ter um carro ou um par de ténis não seja motivo para ser assaltado.

 

Enquanto não houver justiça e mais equilibrio entre as diferentes franjas socio-economicas, nunca ninguém vai viver bem Angola, nem o próprio Presidente que precisa de UGPs a cada 100 metros quando se desloca.

 

V.M: Mas e então as grandes construções que se fazem pelo país adentro...as novas universidades, enfim, tudo aquilo que o nosso governo se gaba de ter feito ao longo desses nove anos de paz?

L.B: Mas essas coisas grandiosas todas são sustentadas com numeros reais?!?! As universidades abriram mas não têem professores!

 

Pfff...!!!Eles só falam das estradas,  livre circulação de pessoas e bens, mas as estradas que estão a custar milhões aos cofres do POVO não conseguem durar 4 anos! No outro dia fui ate ao huambo e escapei ficar sem carro varias vezes. De luanda até a saida do kwanza sul (500 km's ) tem troços que já são buracos com asfalto e não o inverso.

 

V.M: Na tua opinião, que coisas melhoraram *de facto* na vida do povo, nestes 9 anos de paz?

L.M: A circulaçao inter-provincial, apesar de continuar penosa, ao menos faz-se, é uma realidade. O angolano [hoje] pode viajar livremente pelo pais, é uma realidade. Mas eu fico sem conseguir fazer uma lista muito extensa das "melhorias".

 

O salario minimo não aumentou! Se começarmos a nossa analise pelo fundo da piramide, vamos dar conta que os serviços que melhoraram são na sua maioria aqueles que beneficiam a "nobreza"!

 

Mas em abono da verdade, há esforços a serem feitos para se melhorar os serviços publicos; só que não podemos ficar satisfeitos com os resultados que são até agora sofriveis. Não se admite que para se tratar de uma certidão [de nascimento] se precise de 15 DIAS (!) apartir do momento em que se consegue reunir toda a papelada e se consegue a famigerada senha para ser atendido, coisa para a qual temos de nos deslocar aos cartorios as 5 horas da manhã;  reconheço os esforços, mas os resultados são até agora LAMENTAVEIS e o pior, tenta só reclamar e vais vêr,

 ainda levas muchochos e arrogância por cima.

 

No outro dia no banco o funcionario no balcão ignorou um senhor idoso para atender um jovem que lá tinha chegado antes. Eu tentei alertar o funcionario que por lei o senhor acima de 60 anos tinha direito a atendimento prioritario, tinhas de vêr como veio pra cima de mim a chamar-me de "INTROMETIDO"(!)

 

V.M: (Risos)!

 

L.B: São essas coisas que revelam a falta de formação e que são culpa desse regime que ao mesmo tempo que quer progredir economicamente, continua a querer que o povo viva no obscurantismo para melhor poder domina-lo.

 

V.M: Muitos aí têem medo de reclamar dos seus direitos e teriam medo exteriorizar o seu pensamento da forma como o fazes. O que leva muitos a ter medo e o que te torna diferente?

L.B: Analfabetismo! Eu tive a sorte de ter educação...

 

V.M: Não, calma, 'pera aí,  não concordo nada com isso.

L.B: Mas você tem que concordar ou perguntar?! (Risos)

 

V.M: (risos)!

L.B: Se não concorda faz outra pergunta que me obrigue a elaborar, não alega que nao concorda. 60% do povo é analfabeto! Dos outros 40% ainda gostaria de conhecer a distribuição para niveis academicos pois muitos não passam da quarta classe, inclusive alguns dirigentes. Mas os outros vivem sob a égide do terror psicologico e/ou acabam por tirar os seus proveitos do sistema tal como está e não têem intenção de mergulharem numa fase de incertezas que não seria nada boa para o negocio.

 

V.M: Entao quer dizer que um dos factores que faz muitos ter medo é aquilo que chamas de terror psicologico? Certo?

Ou seja, trata-se de pessoas receosas de perder privilegios.

 

L.B: Não só. Entre as pessoas que se "vão safando" há muitos pobres que não se pode dizer que tenham privilegios,  eles estão insatisfeitos com as injustiças  mas têem medo das represalias.

 

V.M: Me apercebi que no dia 25 haverá mais uma manifestação...e será contra a Pobreza Extrema em Angola. O presidente da Republica disse num discurso recente, que a pobreza é herança do colonialismo, mas que o seu executivo tem reduzido significativamente esta pobreza...

 
L.B: O discurso do presidente foi um tiro no pé. Pobreza extrema é um facto visivel à olho nú. E os que a vivem na pele ficaram muito magoados com essa intervenção do Presidente. Se isso será impulso suficiente para participarem na manifestação de dia 25 não sei, mas negar a pobreza ou justifica-la com o colonialismo é um indicio de muito fraca orientação politica.

 

V.M: Para terminarmos, que resposta dás a todos aqueles que acharem que esta nossa conversa em formato de entrevista, é um incentivo a guerra (risos)...e que palavras tens a dizer aos dirigentes e politicos angolanos presentes no facebook, sobre as motivações que te levam a aderir a estas manifestações, e como eles devem encarar aqueles que as aderem? Fala para eles.

L.B: Deixem de brincar com o povo, o poder é para servir e não para se servirem. Quanto mais mal fizerem, mais medo terão de sair, porque sairão arrastando atrás de vocês uma longa lista de abusos pelos quais poderão vir a cumprir penas. Saiam do [vosso] próprio pé e com a cabeça erguida.

 

Para os dirigentes e politicos [presentes no facebook] convido-os a virem conversar connosco no largo [da independencia] e darem sinais de alguma magnanimidade e maturidade politica sentando-se com os vossos opositores ideologicos. [Estaremos lá] no dia 25 de maio a partir das 13h00 e no dia 28 de maio no mesmo local.