Luanda - Escassos dias antes de autorizar a impressão do livro “Nito Alves – a última vítima do MPLA no século XX”, no estrangeiro, decidi antecipar com este posfácio, uma vez que o escritor, Norberto Costa, contratado “mangonhava” para o efeito.


Fonte: Club-k.net

Nito Alves desconhecia por completo a pessoa de Agostinho Neto


Em fracas e miúdas palavras, para dar fecho a esta modesta obra – primeira dos muitos que virão depois deste –, sobre este bravo e nobre Comandante Nito Alves, que viveu na pele as atrocidades de uma época, hipocritamente, mergulhada em crise de idéias controversas, que mais tarde originou o primeiro maior genocídio pós-independência, contra todos aqueles que defendiam o bem-estar geral de todos angolanos.


Nito Alves dedicou-se a uma estruturação ‘sui generis’ do país, com base no polémico Poder Popular, filho natural das Comissões Populares de Bairro, o tudo inspirado dos “sovietes” da Revolução Russa de 1917.


Essas tendências, realmente existentes, inicialmente inspiradas e reconhecidas como tal pelo Presidente Agostinho Neto, constituíam uma espécie de manta de retalhos que um véu de fabrico presidencial sempre tentou encobrir, quando verificou que os seus “lugares – tenentes” não eram reconhecidos pelas grandes massas.

Daí que, a alturas tantas não foi possível manter o requerido consenso e o véu dividiu-se em duas partes distintas por acção quer de Agostinho Neto, como do ministro da Administração Interna, em boa parte, como já vimos, e no decorrer do que se poderia denominar o “Caso do Poder Popular”.


De realçar que Agostinho Neto e os seus acólitos viam no “Poder Popular” e nos seus executantes da Organização de Defesa Popular (ODP) simples órgãos de massas sem qualquer poder para exercer influência nas acções de âmbito político e social do governo, quer dizer, instrumentos de mediação entre a sociedade civil e o poder central, enquanto Nito Alves desejava órgãos de poder popular estruturados segundo os modelos dos “Sovietes” da Revolução Russa de 1917, ou seja, estruturas de enquadramento da vida política e social do país.


Nito Alves desconhecia por completo a pessoa de Agostinho Neto que orgulhosamente, até a sua partida para o inferno, nunca permitiu ser contrariado por um subordinado. E os que assim fizera, eram rapidamente despachados para cova, num espécie de aviso prévio para os restantes, como ocorre nos dias de hoje, onde morre-se por tudo e quase nada.


Para A. Neto a morte era o único preço para todos aqueles que ousaram ideologicamente o desafiar. Infelizmente foi esse o preço pago por Nito Alves (que ingenuamente entreguo-se de bandejas após a manifestação) e os seus fiéis discípulos, aos seus estimados algozes que, hoje, se recusam doidamente vaguear, sozinhos, pelas ruas pragmáticas deste país manchada de sangue de milhares de inocentos, arruinando-se de remorsos, à flor da pele, de serem atingidos por balas loucamente perdidas.
  

Atitude esse, herdado hoje pelo seu sucessor José Eduardo dos Santos, que não hesita afastar quem quer que seja do seu “entourage”, e não sou, todos aqueles que se manifestam vontade de ocupar a sua cadeira de ouro, como se tivesse ganho de herança do seu progenitor que não passava de simples pedreiro imigrante que arranjava as calçadas do colono. (Assim foi afastados os ex-secretários geral do MPLA Lopo de Nascimento, Marcolino Moco, França Van-Dúnem e João Lourenço).


Pesa-me um pouco a consciência, por ser um simples miúdo a contar estes tristes episódios da nossa história política, mas o dever e a profissão que abracei obriga-me, as vezes, a tomar uma posição seja ela boa ou má. Porque estou certo que os angolanos nascidos antes e um pouco depois de mim, são conhecedores dessas atrocidades e alguns são actores das questões que a obra narra. Mas devido a vários factores baseados no medo e cobardia, que ainda pairam nas mentes de muitos de nós, fruto da repressão, não exprimem abertamente as situações dramáticas hoje vividas, antes e após a nossa independência.


Todavia, ao tentar escrever e descrever alguns aspectos que marcaram indelevelmente a nossa história contemporânea e um pouco da minha contribuição dada à pátria, enquanto actor social, pretendo tão somente exprimir alguns factos históricos, ou seja, fornecer, sem falsas modéstias, alguns subsídios que julgo relevantes.


Parece-me, pois, indispensável e afigura-se-me ser um dever moral fazer esta abordagem histórica, quanto àquilo que aconteceu há algumas décadas atrás até aos dias de hoje, para permitir que a minha geração e vindoura não se render a cobardia e, que façam as reflexões que acharem convenientes.


Igualmente que tirem as ilações mais aproximadas e mais possíveis da realidade dos factos vivenciados e sentidos, bem como delas tirem as lições achadas mais do que pertinentes, de modo que situações dramáticas que assolaram profundamente a nossa sociedade, não voltem a acontecer no nosso sofrido país.


Porque até os crimes do regime da Alemanha, Nazi, nunca foram prescritos e ainda no início deste milénio, cerca de 60 anos depois do holocausto que vitimou mais de 6 milhões de judeus, por serem judeus e sem outra qualquer razão, os algozes responsáveis por essa chacina continuam a ser procurados para serem julgados em foro próprio e se forem culpados cumprirem as penas sentenciadas em tribunais públicos, internacionalmente reconhecidos como competentes.


Do mesmo modo, o que se passou no dia 27 de Maio de 1977 até em 1979, não está prescrito. Impõe-se fazer luz e apurar responsabilidades dos factos, mesmo que elas possam ser de antemão considerados como amnistiados.


*Co-autor do livro “Comandante Nito Alves – a última vítima do MPLA no século XX”.