Luanda - No exacto momento, dia 25 de Maio, em que era suposto os Africanos celebrarem o Dia de África foram detidos manifestantes na praça da Independência. Antes disso, cidadãos relacionados com o movimento de protesto desapareceram misteriosamente. Alguém ouviu falar do famoso estado de direito democrático?


*Mário Paiva
Fonte: A Capital


A semana política, como prevíramos na semana passada iria aquecer e aqueceu. Não por causa das oposições que recuperam do estado de alma unanimista. Acontece que as manifestações públicas, de protesto em particular, resultam num fenómeno com o qual as autoridades não conseguem lidar, habituado que está o governo ao movimento espontâneo de aplausos unânimes.



Sem argumentos de razão, jurídicos e políticos, para contrariar a manifestação, o status quo fez emergir uma “ situação”. Um violento panfleto, em toda a natureza e no texto contrário aos promotores da manifestação, ao qual foi atribuído, surgiu na praça pública com palavras de ordem de incitamento á violência.



Todas as manifestações que não são de apoio ao governo são suspeitas, antes mesmo de serem realizadas. Beto Kangamba, o empresário e político, fez questão de anunciar aos militantes a e ao povo de Viana, os “ +erigos” da Internet e daqueles que eventualmente se decidirem a exercer um direito constitucional, na circunstância, o de expressão e manifestação. Numa intervenção emocionada nas suas vestes de caibo eleitoral – sem dúvida um dos melhores na esfera do partido do governo – Kangamba misturou as críticas a governação com os fantasmas do regresso às matas (quem falou nisso?), associada á designação de movimento em contrapartida á designação de partidos, tentou justificar a riqueza de membros da família presidencial e, como se não fosse pouco, associou tudo ao antipatriotismo.



A detenção dos manifestantes do dia 25 de MAIO e, antes disso o desaparecimento de cidadãos relacionados com o movimento de protesto num dos bairros periféricos de Luanda, alguns deles membros do Bloco Democrático, a par do discurso da intolerância que os cabos eleitorais do MPLA realizaram esta semana suscitam as maiores dúvidas sobre o processo de transição democrática em Angola.



Semelhantes atitudes estão em contradição com o discurso de feição reformista que o ministro da Casa Civil, Carlos Feijó, faz gala de reiterar. Nos círculos políticos das oposições e da sociedade civil, estima-se que as tendências de “Big Brother” ao nível da legislação das Tecnologias de informação e Comunicação, assim como a apetência repressiva face às manifestações de protesto, configuram um cenário de retrocesso em matéria de direitos civis.



Se por um lado, o governo tenta fazer passar uma mensagem de respeito pela lei e ordem, o discurso da tranquilidade pública é entendido pelo Executivo, como o unanimismo constante: quem não é por nós, é contra nós, logo “anti-patriota”.



Não se sabe bem, que mensagem quer passar o Executivo nestas circunstâncias de sonegação da liberdade de expressão, num momento em que se avizinha a visita da chefe do governo alemão, Angela Merkel à Angola. Como se sabe, esta semana a reunião dos grupos dos países mais ricos, G-8 elencou as revoltas no mundo árabe e por extensão a democracia em África como um dos temas em debate. Três presidentes africanos eleitos, designadamente da Côte d’Ivoire, da Guiné-Conacry e do Níger foram convidados, naquilo que pode ser interpretado como um sinal político das potências ocidentais, onde é notada a ausência do presidente Eduardo dos Santos.



A realização das próximas eleições gerais em Angola e o contexto da transição democrática são pois um tema que não pode deixar de ser evocado por Angela Merkel, independentemente da agenda da chefe do governo alemão ser marcadamente económica. De resto, tal como foi referido pelo semanário A Capital em Outubro último desde Bruxelas, cooperação económica e desenvolvimento democrático em África, são temas do momento no parlamento europeu.



Se é verdade que os valores democráticos são universais, a África confronta-se com o paradoxo das suas lideranças, com raríssimas excepções, não acompanharem o processo das transições democráticas que conhece actualmente.



As detenções dos manifestantes, assim como o desaparecimento de activistas, associados aos actos de intimidação e repressão, parecem não estar dissociados de uma ascensão dos homens do aparelho de segurança, em detrimento da influência do bureau polítco do MPLA e, inclusive do exército, depois de ter sido nomeada uma nova liderança nas Forças Armadas. O clima político, ao invés de ficar esclarecido no último congresso do partido do governo, não obstante as intervenções do presidente da República, parece adensar-se, sempre na espuma da sucessão presidencial.