Luanda - No dia 24 de Maio, por volta das 11h00, fui conduzir a minha avó à dependência do BPA, Banco Privado Atlântico, sita na Av. Comandante Valódia, conhecida como a Av. dos Combatentes.Dado que tinha sido incumbido pela minha mãe de tratar de um assunto com a funerária contratada para operar o enterro do meu avô, e que esta se situava a um curto quarteirão de distância, resolvi aproveitar a saída de casa para matar dois pássaros com uma só pedra.


Fonte: centralangola7311.net

RNA pinta Luaty Beirão como um desonesto capaz de

prometer o que não tem ($)

Para evitar o transtorno do trânsito que iria fazer-me perder mais tempo, deixando a minha avó desnecessariamente a espera, estacionei a viatura em frente ao banco e desloquei-me, à pé, até a dita funerária, situada em frente à Anangola, instruíndo a minha avó que não saísse de dentro do banco até o meu regresso.

 


Estaria a meio do caminho, quando senti desaparecer o chão por baixo dos meus pés e me apercebi que tinha caído por ter sentido uma pontada na nuca. Dei por mim, instintivamente a proteger-me de golpes que, segundos mais tarde, dando por mim de pé e ganhando consciência do que me estaria a suceder, percebi serem pontapés. Até ao momento em que me levantei foi o meu subconsciente a conduzir-me. Não houve um segundo para me distanciar e observar os meus algozes pois a chuva de socos e chapadas foi ininterrupta, vindo de frente e de trás. Possuído por uma raiva incontida, fiz a única coisa que um animal encurralado faria, ataquei também, para me defender. Procurando ganhar um espaço e evitando ao máximo voltar ao chão, escolhi o indivíduo que me atacava de frente e atirei-me para cima dele correspondendo aos socos que me desferia. Foi uma questão de segundos até conseguir o espaço que pretendia e aí corri para a estrada, descalço e com a camisola completamente rasgada, voltando ao passeio uns 20 metros mais à frente para junto da multidão que, impávida, assistia aquela cena desenrolar-se.


Disseram-me eles que seriam três, eu não tive tempo para me certificar de quantos eram pois estava mais preocupado em defender-me. Só senti dois a agredirem-me, parecendo-me que haveria um terceiro ali de pé, preparado para a acção, mas que não terá tomado parte. Como fui atacado pelas costas, prefiro dizer que foram dois, dado não ter certezas que o terceiro jovem estaria com eles e também porque me disseram as testemunhas que, quando consegui soltar-me, eles se puseram em fuga numa motorizada “acelera”, onde normalmente só cabem duas pessoas, mas onde se vêem até 3 com alguma frequência.


De uma multidão de testemunhas que chegaria a trintena, ninguém se avançou quando pedi que dois ou três me deixassem os seus contactos caso a polícia precisasse de alguém que corroborasse com a minha versão, apesar da insistência, fixando com o olhar algumas das pessoas que ali se encontravam. Mais do que os golpes, foi essa atitude de passividade reveladora do pavor ignorante que vivemos neste país que me magoou mais. Ninguém estava disposto a confirmar a minha história caso se revelasse necessário.


Irritado, virei costas e voltei ao Banco, amarrando a camisola o melhor que pude sem auxílio, para tentar evitar que a minha avó se desse conta do que me teria sucedido. Não pensei que fosse ser possível, mas logrei os meus intentos, deixando a minha despreocupada avó em casa e dirigindo-me imediatamente à esquadra onde fiz a participação. Primeiro a 3ª, depois a esquadra com jurisdição na área onde a agressão teve lugar, a esquadra móvel afecta à 7ª esquadra no Sambizanga.


Quero que fique bem patente que, para mim, a responsabilidade desse acto não recai (exclusivamente) sobre os jovens que a praticaram, ainda que não tenham para isso sido mandatados, são irmãos angolanos, escravos de consciência, fanáticos e endocrinados por um partido que tentam defender, acreditando estar dessa maneira a agir para um bem maior. O autor moral desse crime político, ainda que não tenha sido explicitamente ordenado (o que seria apurado caso a polícia fosse independente), é SEM DÚVIDA, o partido no poder, o MPLA que criou ao longo dos anos, uma estranha forma de reconhecimento à fidelidade partidária, recompensando com prémios e promoções, pessoas que, pelo partido, provassem que são capazes das mais insanas barbaridades. O MPLA e o seu patrono José Eduardo dos Santos, são a meu ver, culpados pela agressividade dos seus militantes, tornados vigilantes e justiceiros, quando incentivam à bufaria e à violência, dissimulando mal nas suas intervenções públicas a sua verdadeira natureza autocrática.



Desmascarar? Ou silenciar? O senhor José Eduardo sabe muito bem, por experiência histórica, como ressoam certas frases na cabeça dos seus acéfalos correligionários, usando-as irresponsavelmente e maquiavelicamente para que os resistentes à transição ideológica (que não se opera miraculosamente na cabeça de dinossauros por demais habituados a hegemonia política), possam de seu “livre” arbítrio agir da maneira a que se habituaram no tempo do partido único, fazendo o que crêm ser um serviço de utilidade pública.


O silêncio ensurdecedor que se faz sentir diante de tamanhas violações dos nossos direitos mais fundamentais, como o direito a diferença de opinião, de manifestação, de imprensa e, sobretudo, direito à vida, é, mais do que um claro indicador da cumplicidade de quem estabelece as directivas de acção (e que pode portanto com uma ordem PROIBIR que estas agressões se repitam, ameaçando consequências legais), uma subentendida carta branca aos aspirantes a cargos superiores, para continuarem a agir da forma que achem mais adequada na defesa do supremo interesse do partido, a manutenção do status quo.


Que fique bem claro para todos, que se alguma coisa me acontecer, não procurem em mais lado nenhum, o culpado é o MPLA e não os jovens, carne para canhão, que têm de se submeter aos ritos de passagem para serem admitidos na gang.






Relatório de Ocorrência

Hoje por volta das 16h00, quando me encontrava no quarto da minha residência ensaiando para uma apresentação artística, ouvi tocar a campaínha. Quando me dirijo à sala, apercebo-me de um ruídoso rumor vindo da rua e oiço pancadas estrondosas na minha porta. Observo pela câmara da campaínha o que me parecia ser uma manifestação. Deduzi que fosse uma manifestação de desagrado pelas minhas opiniões que, ultimamente se tornaram um pouco mais mediatizadas do que eram até uns meses atrás. Estariam a ser excessivos, pois lançaram garrafas de vidro, pedras e até um balde de tinta (vazio) para o quintal enquanto iam pontapeando a porta a ver se cedia.


Apercebi-me que gritavam “queremos o nosso dinheiro” e foi aí que me dei conta que aquilo não era a simples manifestação do descontentamento de jovens com opiniões contrárias à minha, mas mais uma maquinação para me intimidar e descridibilizar-me perante a opinião pública que, à excepção de alguns jornalistas que escolheram apelidar-me de predicados pouco abonatórios e personalidades ligadas ao governo, me tem sido razoavelmente favorável.


A chuva de garrafas continuou e a porta, eventualmente, acabou por ceder, ficando a fechadura partida. Dirigi-me então à porta para ver se conseguia dialogar com algum dos manifestantes para entender o que lhes trazia ali na verdade. Mas os jovens estavam exaltados, tendo um deles avançado, agraciando-me com uma bofatada. Imediatamente um dos jovens manifestantes se colocou entre ele e mim, mostrando que (desta vez) não tinham vindo com intenção de me invadir o domicílio ou de me fazer mal, mas nem com este consegui dialogar, pois, pedindo calma, perguntei o que se passava tendo ele respondido simplesmente “vai só buscar o nosso dinheiro e é tudo”. Que dinheiro, era a pergunta para a qual não me davam resposta. Entretanto, uma rapariga da rua que atende pelo nome abreviado de Teté, entrou e fechou a porta amarrando-a com o cordão de uma das suas peças de roupa, até que eu pudesse trancá-la.


Liguei para o 113 que levou 5 minutos a atender o telefone e, apesar da urgência da situação e da péssima ligação telefónica que me impedia de ouvir claramente o que dizia a minha interlocutora, insistia em fazer-me perguntas sobre a razão de estar a ser agredido. Finalmente decidiu-se por comunicar à 3ª esquadra que, por sua vez, estando a uns escassos 300 m de distância da minha residência, conseguiu meter 15 minutos até chegar ao local, contrariamente ao que alega a RNA/ANGOP quando diz “graças a pronta intervenção da polícia”. Quando esta aqui chegou, os rapazes já teriam debandado e eu já tinha epilogado com a vizinhança que se mostrou preocupada e consternada com a minha sorte. Fui levado para a esquadra onde já me esperava a minha cunhada, prestei declarações e ficaram de me ligar na vaguidão de “um desses dias”.


Para quem não me conhece, não será muito difícil acreditar numa notícia oficial da RNA que me pinta como um desonesto capaz de prometer o que não tem ($) a quem (supostamente) está a defender, num gesto desesperado para aumentar o número de aderentes a uma manifestação, que nem sequer convocou, engrandecendo assim, de forma pouco desportiva, a legitimidade dos seus propósitos. Para essas pessoas esta denúncia de nada servirá, pois não têm mais razão para acreditar em mim do que num grupo de 20 jovens que juntaram forças para reclamar o que (supostamente) lhes teria sido prometido. Será a minha palavra contra a deles. Eis a tal “guerra pela informação da verdade” onde as armas são assimétricas e onde o mais importante é tudo excepto a verdade.


Luanda, 2 de Junho de 2011

Luaty Beirão