Luanda -  Neste começo da segunda década do século XXI muitas questões se colocam acerca dos destinos de Angola.  Passados cerca de 36 anos sobre o início dos processos que conduziram Angola a independência nacional o país e a grande maioria dos povos africanos e/ ou autóctones de Angola continua sem destino, socialmente excluída e muito pobre.


Fonte: Club-k.net



Muitos dos actuais problemas de desenvolvimento social, económico e político de Angola têm sido referidos como sendo “legados do colonialismo”.  Em Angola, em que consistem os “legados do colonialismo” português, na realidade actual em Angola?


Passados mais de 35 anos sobre o início do processo da independência  Nacional de Angola, importa assim reflectir sobre os resultados atingidos em relação aos “sonhos de desenvolvimento acelerado” inerentes a uma perspectiva voluntarista e sobre o sonho de uma independência real e completa – nomeadamente económica, sublinhe-se – com repúdio activo do neocolonialismo.



Que tipo de ruptura e/ou continuidades históricas é possível encontrar nas formas e nos conteúdos de articulação da actual elite no poder com a gestão da problemática das identidades étnicas, raciais, regionais, religiosas e políticas do país? Até que ponto a “herança colonial” pode ou não explicar alguns dos problemas de gestão política, económica e social que vêm assolando este país, desde a independência? Que segmentos sociais concretos, elementos do colonialismo português que a “descolonização” não erradicou ou não poderia ter sido erradicado?


Esta reflexão tem lugar num momento em que o mundo – o nosso e o exterior – mudou decisivamente. Mudou porque a guerra-fria terminou; mudou porque as relações internacionais, num contexto de globalização crescente e determinante, induziram o fim do sonho de um desenvolvimento autárcico, ainda proclamado pelo Plano de Acção de Lagos nos anos 80 do século passado; mudou porque o peso do passado pré colonial, indissolúvel e dialecticamente interligado à evolução do contexto e dos constrangimentos externos, se tornou decisivo na modelação da actual “modernidade.  O mundo mudou, porque hoje, o desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades das pessoas.


O mundo de hoje, concebe o desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas que chama atenção para os fins em vez de restringi-la para os meios.  Com efeito, neste início do século e também do milénio, as abordagens, sobre a expansão das liberdades, são consideradas como fim primordial (papel constitutivo) e o principal meio do desenvolvimento (papel instrumental). O papel constitutivo relaciona-se com a importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana. As liberdades substantivas incluem capacidades elementares como, por exemplo, ter condições de evitar a fome, a subnutrição, a morbidez e a morte prematura, além de saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão, etc.




Em Angola, o tema central hoje, é o do desenvolvimento e/ou da predominância de relações de produção capitalistas; mas, em um contexto de uma determinante globalização e/ou adversa ao país e que se consubstancia:


a) Em um constrangimento das relações internacionais, de uma divisão internacional do trabalho, que relega a utilidade sistémica do nosso país para mero fornecedor de matérias-primas (não muito distinto do “pacto colonial” vigente desde o século XIX).


b) Em um constrangimento interno, dialecticamente indissociável do acima referido, de predominância de modos de produção pré capitalistas, frontalmente opostos a uma predominância do “mercado”, elemento essencial do capitalismo.


c) Em um tipo de especialização económica (produção e exportação de recursos naturais), vigente desde há séculos, compatível com a predominância de relações de produção pré capitalistas e moldada à divisão internacional do trabalho sistemicamente definida.Sendo que actualmente Angola se identifica com a predominância de relações de produção capitalista (capitalismo selvagem), como realizar o sonho da justiça social e da liberdade referida?


Este é um assunto muito complexo que transcende o âmbito puramente académico, que entronca no campo político, na “acção”, mas que exige uma clara visão sobre algumas questões prévias:



O desenvolvimento é um processo de transformação interna, em que a disponibilidade de recursos não é mais do que uma condição necessária, mas não uma condição suficiente. O processo de acumulação primitiva de capital, condição sine qua non do capitalismo, não se deve confundir com um processo de acumulação de activos. A não conversão destes em capital (em sentido económico), em meios de produção, inviabiliza o desenvolvimento, inviabiliza a real implantação decisiva de relações de produção capitalistas e a criação de verdadeiras burguesias nacionais “autónomas”, indispensáveis à ultrapassagem da lógica rendeira predominante.


Em Angola, o actual modelo rendeiro de desenvolvimento, implantado desde há cerca de 50 anos – mas na continuidade de uma lógica secular a qual perdurou ainda no período do “interlúdio colonial” – esgotou-se. Ele revelou-se resultar numa fonte de permanente perda de competitividade, principalmente após o aprofundamento da mundialização da economia, da década de 80 do século XX.


O desenvolvimento não mais se pode confundir com a implantação de“projectos”, com o investimento viabilizado por episódicas fases de disponibilidade de recursos resultantes da produção/exportação de recursos naturais. É imprescindível que, de forma mais ou menos dolorosa sob o ponto de vista político ou social2, a África o País enfrente o problema capital do incremento decisivo da sua produtividade e da sua competitividade, da mudança das sua vantagens comparativas, factores sem os quais os investimentos se transformam em meros elefantes brancos improdutivos. Por outras palavras, produzir não é “instalar” empresas: é garantir o seu funcionamento rentável e competitivo num contexto de funcionamento de mercado competitivo, sem o qual o investimento se torna inútil – o que contradiz frontalmente a lógica rendeira estabelecida. Renda e mercado são os dois pólos opostos, dois princípios que se auto excluem neste processo.



Finalmente, O processo de desenvolvimento centrado na liberdade é em grande medida uma visão orientada para o cidadão e para o destino dos povos. É dar atenção para a expansão das capacidades das pessoas e/ou dos cidadãos fazendo aquilo que elas mais valorizam. Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efectivamente arquitectar o seu próprio destino.


*Docente Universitário