Luanda - O amigo e conterrâneo Xavier Figueiredo, conterrâneo por Angola, nossa Pátria e conterrâneo pelo Huambo, nosso cantinho, pediu-me que redigisse algumas palavras, neste regresso em metamorfose electrónica da física e efémera newsletter Luso Monitor que eu conheci.


Fonte: Lusomonitor.net


O monólogo aqui está, breve e despretensioso, como quem saúda o regresso de um amigo, há muito apartado e tendo-nos deixado o coração apertado de saudade.

 

Luso Monitor transporta-nos irremediavelmente para o nosso mundo de afectos, a lusofonia, que por sua vez se fez plataforma de uma instituição a CPLP. CPLP que a meio do mês de Julho deste ano faz precisamente quinze anos. Haveria pois melhor forma de saudar um evento de tamanha dimensão? Vou falar, pois, da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e dos seus quinze anos de realizações e sonhos.

 

Para mim, pessoalmente, a CPLP de que fui o primeiro Secretário Executivo, foi uma experiência complementar de excelência. Acabava de exercer as funções de Primeiro-ministro de Angola, durante cerca de quatro anos, num ambiente de guerra civil pós eleitoral e numa situação de aprendizagem na implantação de um regime de democracia multipartidária, após vários anos de um sistema de partido-estado de carácter marxista-leninista. O trabalho de estruturação de uma nova Organização Internacional, o contacto com outras Organizações Internacionais mais experimentadas, sendo algumas tão globais como as próprias Nações Unidas, puseram diante de mim uma visão que, a par da importância da própria CPLP, salienta as diversas possibilidades de tornarmos o Mundo num lugar cada vez mais apropriado para a realização plena dos nossos anseios, como Humanidade.

 

Ao completar este ano quinze anos de Existência, a CPLP efectuou um longo percurso de realizações nos domínios da concertação político-diplomática entre os Estados que a compõem, da cooperação nos mais variados sectores bem como nos esforços para a promoção da Língua Portuguesa dentro e fora do seu próprio espaço de jurisdição institucional.

 

Um dos problemas que pareceu colocar-se, com alguma acuidade, para a CPLP, durante estes quinze anos (pelo menos é o que me é sempre apresentado, como crítico, pela comunicação social) é o da sua visibilidade perante os cidadãos de cada um dos nossos oito Estados. E a este aspecto crítico associa-se quase sempre, como causa, o aparente imobilismo da instituição, no domínio da livre circulação de pessoas e bens, que seria para muitos, a mais-valia essencial de uma organização dessa natureza, que deveria desembocar na criação de algo próximo do estatuto de cidadão da CPLP (ou do cidadão lusófono, como preferem outros).

Confesso que durante os meus primeiros momentos na CPLP, fui um entusiasta também da importância daquele objectivo, inscrito, aliás, entre os vários outros na Declaração Constitutiva consignada, em 1996, pelos Chefes de Estado fundadores da Organização. No entanto, a realidade apresentou, desde logo, uma série de contrariedades. Estas contrariedades vão desde o plano formal, onde o conceito de soberania, visto ainda sob uma apreciação clássica que vem do Congresso de Vestefália, na Europa do século XIVII, domina, com certa incidência, as nossas mentes, até ao plano mais material, em que os desequilíbrios, sobretudo nos planos económico e social entre os diversos Estados que constituem a Organização, poderiam provocar um desregulamento migratório de imprevisível dimensão.

Em face das dificuldades que se colocaram no domínio da livre circulação de pessoas e bens foi encontrada uma forma sucedânea mais gradual em que podemos destacar vários aspectos positivos, tais como:

•a concessão de vistos de múltiplas entradas para determinadas categorias de pessoas;
•a concessão de vistos temporários para tratamento médico a cidadãos da CPLP;
•o estabelecimento de requisitos comuns para a instrução de vistos de curta duração;
•a criação de balcões específicos nos postos de entrada e saída dos aeroportos para atendimento dos cidadãos da CPLP;
•a aprovação da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP.
Parece ser, sem dúvida, uma estratégia inteligente, até se nos lembramos dos factos tão recentes quanto actuais, como os que são desencadeados pelas revoluções no Magrebe, que ao exacerbarem de tal modo o fenómeno emigratório para a Europa, estão a provocar um verdadeiro perigo de recesso na extraordinária conquista de povos europeus que se consumou numa formal e material abolição de fronteiras entre vários Estados.

O problema é que todos aqueles passos, como se pôde observar, pouco descem da plataforma meramente institucional, para afectarem, no sentido positivo, cada cidadão das Nações da CPLP, no seu dia-a-dia, satisfazendo eventualmente apenas a minoria privilegiada das nossas elites, sobretudo políticas, embora não só. Daí a prevalência do problema da visibilidade, ou, como alguns o enfatizam, da utilidade da CPLP. Contudo, vamos convir, este problema da utilidade, não se coloca, hoje, apenas em relação a CPLP ou a certas outras Organizações Internacionais que correm o risco de serem taxadas de meros sorvedouros de recursos dos Estados componentes e consequentemente dos seus respectivos cidadãos contribuintes.


É, certamente, o problema do esgotamento de modelos estabelecidos há muito, no tempo em que os fenómenos não eram tão complexos e rápidos, como o dos dias de hoje, com as novas tecnologias a estabelecerem acentuadamente a contradição entre o peso do formalismo e a urgência da decisão bem como entre a inércia da tradição e a necessidade imparável de inovar.

 

Mas, volvamos aos nossos 15 anos de CPLP.

 

Posto de lado o sonho de algo mais encorajador no domínio da livre circulação de pessoas e bens ou mais concreto no domínio da cidadania lusófona , o que restaria como alternativa para resolver o problema da visibilidade (ou utilidade) da nossa Comunidade?

 

Tenho dedicado algum tempo de reflexão sobre essa questão e deixado algumas ideias dispersas em algumas intervenções escritas ou faladas a pedido de vários órgãos de comunicação que mo têm solicitado.

 

Resumido, tenho destacado que há a necessidade de se estabelecer uma área realista de prioridades, ou seja, um modelo de actuação que que se baseie na natureza ou substrato específico da Organização.

 

Desde logo, a ideia de que a CPLP devia enveredar, prioritariamente, pelo aprofundamento da cooperação económica tem encontrado dificuldades. Por um lado, devido a dispersão geográfica dos Estados componentes por vários continentes e várias zonas de nevralgia económica, exemplifiquemos: Portugal, na União Europeia; o Brasil, no Mercosul; os Estados africanos (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe) nas diversas zonas de integração africana; e, Timor Leste, em zonas de integração e ou no mundo de cooperação bilateral e multilateral do Sudeste Asiático e com a vasta e economicamente poderosa Austrália. Por outro lado, porque não temos Estados, entre nós, que pela sua folga económico-financeira (embora o Brasil comece a posicionar-se como uma potência emergente, enquadrada nos chamados BRICS) que pudessem funcionar como uma locomotivas, neste domínio; o mesmo se diga de Angola, cujo alardeado crescimento económico dos anos pós-guerra, pode não passar de uma ilusão, se tivermos em conta que ainda se baseia fundamentalmente em commodities como o petróleo e diamantes.

 

A área da concertação político-diplomática é aquela em que a CPLP tem sido mais produtiva, onde, durante estes quinze anos, ganha relevância o seu contributo para a libertação do Timor Leste da ocupação e opressão por parte da Indonésia, os esforços despendidos na pacificação da Guiné-Bissau e a cooperação nos apoios recíprocos entre os Estados membros, para o acesso aos assentos importantes em outras Organizações Internacionais, especialmente, no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Deve salientar-se que, no âmbito da cooperação multilateral, tem ganho certa visibilidade, talvez pela sua natureza algo espectacular, a cooperação no domínio militar (a título de manobras), uma área que, curiosamente, não é especificada, pelo menos com notória nitidez, na Declaração Constitutiva da Organização. Porém, pelo que parece, todas estas acções pouco interesse tem despertado em cada cidadão dos nossos Estados, pelo menos aqui em Angola, que é a minha principal plataforma de observação.

 

Resta-nos, pois, a área da cooperação cultural, onde incluímos necessariamente, a questão da promoção da Língua Portuguesa.

 

Para mim, esta é que deveria ser, efectivamente, a área prioritária da CPLP, por várias razões que tenho apontado. Desde logo, esta é área que constituiu a verdadeira matriz da CPLP, o seu mais seguro fundamento, onde são ancorados os afectos que compõem a sua principal mais-valia. Em segundo lugar, limitados no desiderato de protagonismos em outras áreas por razões acima aludidas, na área da Cultura, vista sob o ponto vista amplo que inclui a formação, a comunicação e a promoção da Língua Portuguesa em cooperação com as línguas locais (como reza a Declaração Constitutiva da Organização) estaremos a laborar numa plataforma mais flexível e coadunável com o carácter dispersivo da nossa instituição.

 

Exemplos de excelência, nesse domínio vêm-nos das nossas congéneres Francofonia e Common Wealth, em que priorizadas as aludidas áreas, encontramos aparentemente um maior envolvimento das sociedades civis, uma maior visibilidade e, consequentemente, uma maior sensação de utilidade das respectivas organizações. É preciso, porém, acrescentar que este resultado é também consequência de uma maior visibilidade e autonomia dos órgãos executivos das organizações brevemente acima analisadas.

 

Na verdade, a ciência do funcionamento de organizações dessa natureza, ensina-nos que lá onde os órgãos executivos estão demasiadamente dependentes das decisões formais dos órgãos deliberativos, as dinâmicas afrouxam e os ânimos arrefecem. É o que poderá acontecer com a CPLP, se se insistir na prevalência de um Secretariado Executivo um tanto quanto espartilhado pela permanente “interferência” multilateral e por vezes até individualizada das máquinas burocráticas dos ou de Estados membros da Organização, decorrente da sua dependência excessiva em termos logísticos e decisórios no âmbito daquilo que seriam as suas competências naturais, numa organização que se pretende mais visível.

 

Um executivo da organização mais autónomo, porque desespartilhado no domínio da sua acção orientada pelos diplomas reitores da Organização, ajudaria, inclusive, a suprir as carências de ordem material e financeira, a partir de uma maior recorribilidade à cooperação com outras organizações internacionais, especialmente as integrantes do chamado Sistema das Nações Unidas, como, aliás, pelo menos se insinua nos documentos constitutivos. Uma CPLP assim emprestaria maior dinâmica no fortalecimento dos laços histórico-culturais que constituem o fundamento último da existência da Comunidade. Poderia, por outro lado, constituir-se num verdadeiro think tank da própria Organização e dos Estados que o compõem, na reflexão que hoje se impõe, sobre os fenómenos de toda a ordem, decorrentes da aceleração dos acontecimentos, desencadeados pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação, com os seus reflexos na estrutura das sociedades.

 

Nestas reflexões, e no âmbito do princípio de solidariedade que vigora na Organização, os cinco países africanos de Língua Portuguesa e Timor Leste, pelas suas fragilidades decorrentes do carácter recente da sua constituição em Estados independes, deveriam naturalmente merecer uma atenção especial.

 

Desde logo, há uma matéria que poderia ser objecto dessas reflexões: democracia e desenvolvimento nos países africanos. A História da Humanidade não nos deixa mais dúvidas nenhumas que sem democracia não há desenvolvimento, sobretudo numa dimensão sustentável e a longo prazo. Esta constatação é tão evidente quanto temos diante de nós, nos dias que correm, os fenómenos sócio -políticos que têm lugar no Magreb e noutros pontos da Mundo Árabe e Muçulmano, onde até sectores importantes do Ocidente achavam que, pelo menos em alguns casos o melhor era apoiar e sustentar indefinidamente algumas ditaduras pessoais. No entanto, situações semelhantes as que se têm vivido na Guiné-Bissau demonstram também que sem desenvolvimento a democracia encontra muitas dificuldades na sua implementação.

 

Penso que, como comunidade transversal em termos de dispersão territorial poderíamos dar uma contribuição importante para a elaboração e solução de uma equação que se impõe neste sentido. Uma contribuição dessa natureza não seria útil apenas para a CPLP mas para toda a Comunidade Internacional, cujas instituições não têm conseguido, na minha maneira de ver, sair de um rodopio de soluções imediatistas e superficiais por falta do aprofundamento das causas dos fenómenos perniciosos, nessa necessidade de combinar na medida adequada, democracia e desenvolvimento.

 

Poderíamos falar de muitos outros aspectos em sede do balanço positivo, diga-se, dos 15 anos de existência da CPLP, e sobretudo no perspectivar caminhos que possam tornar a nossa Comunidade mais valiosa e visível, interna e internacionalmente, nos próximos 15 anos, pelo menos. Penso, no entanto, que falei dos aspectos mais paradigmáticos no sentido do balanço e da perspectiva, concluindo que:


•1. A CPLP, contrariamente ao que se diz, em certos sectores mais críticos, não é um nado-morto. Ela está viva e recomenda-se sua saúde.

•2. A CPLP deve reformar-se, especialmente na sua filosofia de actuação para tornar-se mais visível e mais útil para o elemento humano em cada um dos nossos Estados. E útil e visível também no plano internacional, ajudando a equacionar e a resolver os grandes problemas que se impõem à Humanidade, nos dias que correm.