Luanda - Nas movimentações que José Maria dos Santos, Governador de Luanda, efectuou esta semana, destaca-se o nome do Superintendente-Chefe Jorge Bengui, até então responsável pelo Departamento de Comunicação e Imagem e, concomitantemente, porta-voz do Comando Provincial de Luanda, «contratado» para ser o Director do Gabinete de Trânsito, Mobilidade e Transportes de Luanda.


*Mariano Brás
Fonte: Semanário A Capital


Destaca-se o nome deste oficial, que já foi Comandante do Trânsito, não apenas por esta nomeação representar o reconhecimento das suas competências mas, porque esta saída é claramente consequência do desprezo e pouca importância que a instituição policial confere aos seus quadros de nível superior. Só isso explica que Bengue, um oficial que em condições normais apostaria numa carreira na sua especialidade, tenha, contra tudo o que era expectável, decidido abandonar a instituição que o formou.

 

De acordo com informações que recolhemos junto da corporação, Jorge Bengue poderá não ser o último a abandonar a Polícia, havendo indicações no sentido de que várias instituições públicas, e também privadas, estão de olhos nalguns quadros voltados ao ostracismo ou desvalorizados, em função de quezilas internas e da falta clara de uma política de aproveitamento destes recursos. Aliás, ao que apuramos, este não é o primeiro caso de “fuga”. Há um técnico superior em polícia vindo da primeira fornalha, conhecido por Leão Rosa, que logo nos primeiros anos abandonou a corporação e encontra-se a prestar serviços na área de Segurança da Britsh Petrolium Angola. Sabe-se também que o professor António Quino, adjunto de Carmo Neto e alma do Gabinete de Comunicação e Imagem, cansou-se de não ver reconhecido o seu mérito, e está neste momento a exercer funções de director de comunicação no Governo do Bengo.


As possíveis razões da fuga

 

Acarinhados por José Alfredo Ekuikui, na altura em que era comandante Geral, e também por Pedro Kandela, então Comandante de Luanda, este grupo de licenciados em ciências policiais, por sinal os primeiros do país, surgiu como o repositório de esperanças de toda a sociedade, que ansiava por uma polícia mais moderna, e deles saíram várias ideias positivas daquele tempo, que hoje ainda dão frutos, assim como uma melhor imagem da corporação e até um melhor relacionamento com as comunidades. Mas esta situação se alterou drasticamente com a chegada de Ambrósio de Lemos ao poder, consolidada com a nomeação de Quim Ribeiro para comandar Luanda, onde se encontrava a maioria dos técnicos. Mal entrou, Quim afastou dois promissores oficiais, nomeadamente Amaro Franco e Roque Silva, a altura comandantes da Brigada Moto e auto, respectivamente, da Unidade Operativa de Luanda, por razões que a própria razão desconhece.

 

Quim Ribeiro nunca escondeu a animosidade em relação aos «técnicos», principalmente em relação ao antigo porta-voz, o Intendente Divaldo Martins, promovido a Director de Operações, para cobrir a trapalhada injustificada que foi a sua exoneração do cargo anterior, onde se revelou como um dos maiores comunicadores de uma instituição pública já alguma vez visto.

 

Em função disso, logo cedo Quim Ribeiro tratou de implementar uma estratégia que visava diminuir o papel dos técnicos nos destinos e funcionamento do Comando de Luanda, o que passava por desmoralizá-los perante os efectivos, transformados em motivo de chacota, e «queimar» a sua fixa junto do comandante geral, Ambrósio de Lemos, que alinhava no mesmo diapasão. Aliás, segundo as nossas fontes, Ambrósio de Lemos nunca escondeu o seu desagrado em relação a forma como alguns daqueles jovens, no tempo de Ekuikui, subiram na hierarquia, sendo-lhe conhecidos comentários contra o que ele chama de «saltos de canguru».

 

Conservador, ao contrário do anterior, Ambrósio de Lemos é assumidamente adepto de uma política retrógrada que privilegia o tempo de serviço em detrimento da competência técnica. Ainda em Dezembro do ano passado, num encontro com jornalistas, promovido pelo ministro do interior, quando questionado sobre porquê que não aposta mais nos jovens quadros, o Comandante Geral, com certo desprezo, justificou acusando-os de serem «doutores polícias e não polícias doutores, que vieram de casa» e que, em sua opinião, não possuem ainda experiência necessária para assumir certas posições, apesar de, segundo apuramos, muitos deles estarem já no activo há mais de vinte anos.


Governador pensa diferente

 

Como se vê agora com a nomeação de Jorge Bengue para tão importante cargo, não pensa da mesma forma o Governador de Luanda, que não teve problemas nenhuns em nomear um jovem vindo de casa para chefiar tão importante direcção.

 

Bom, voltando àquele tempo, todo o mundo sabe o que se passou com o superintendente Divaldo Martins. Logo a seguir às eleições, foi exonerado do importante cargo de Director de Operações e mandado para casa, onde se manteve durante um ano, pago para não trabalhar.

 

Conta-se que quando o chamou para comunicar a sua decisão, Quim Ribeiro lhe terá dito: «Não tenho nenhuma razão para te tirar, mas tenho que te tirar». Ostracizado, esteve muito perto de entrar também para a área de segurança de uma petrolífera estrangeira a operar no país, mas decidiu ir para Portugal fazer um mestrado, que não concluiu porque voltou para publicar o seu livro e logo em seguida foi «desterrado», a moda antiga, para a longínqua província da Lunda Sul, onde ainda se encontra numa já longa travessia no deserto. Dele se diz que pode também estar com um pé fora da corporação.

 

Foi no âmbito do projecto de Quim Ribeiro, sufragado pelo Comandante Geral, este movimento que Jorge Bengue é exonerado do Comando da Unidade de Trânsito, onde vinha fazendo um trabalho notável. Inicialmente, estava para ficar também em casa e aguardar por colocação, mas, desagradado com os efeitos da exoneração de Divaldo Martins na comunicação social, Ambrósio rejeita a proposta, e, como recurso, Quim Ribeiro manda-o chefiar o departamento de comunicação e imagem, que estava vago, entretanto com a recomendação de falar pouco, de dizer apenas o que ele mandasse e para não cometer o mesmo «erro» de abertura do seu antecessor. Aliás, competente como é Jorge Bengue, só isso justifica os vários deslizes que foi obrigado a cometer durante a gestão do agora preso comandante de Luanda.

 

Ainda no âmbito da sua estratégia, Francisco Ribas deixa de ser comandante da divisão do Sambizanga, aquando do caso frescura, e vai para os recursos humanos, o mesmo acontecendo com Aristófanes dos Santos que foi apeado do Kilamba-Kiaxi para a direcção da ordem pública. Em sentido inverso, e rendido às suas capacidades, o Superintendente Amaro Franco, uma das primeiras vítimas, foi comandar a Divisão de Cacuaco, onde ainda se encontra. Mas a mesma sorte não teve Orlando Bernardo, até então comandante da Brigada electrónica, despromovido sem razão aparente para chefe do inexistente departamento de formação do comando provincial de Luanda. Com a sua saída, foi agora indicado para comandar a Maianga.
Descontente com a humilhação por que vinha passando, e sabendo que constava da lista da expurga, José Carlos Piedade, a altura comandante da divisão da Ingombota, colocou o seu lugar a disposição, como aliás já o haviam feito o veterano Comandante Bangão, de Cacuaco e Mário Luís, do Cazenga. Ficou um ano em casa e foi depois mandado para o Kapolo.

 

Embora se saiba que são muitas as instituições públicas que pretendem «contratar» alguns desses jovens técnicos, há sinais evidentes de que grande parte deles planeia abandonar a instituição nos próximos tempos para abraçar outras carreiras. Um dos principais indícios está no facto de 90% deles estar a frequentar novos cursos superiores, quer mestrados, quer outras licenciaturas, em áreas como direito, ciência política e gestão. Numa altura em que as pessoas lutam apenas pelo canudo, não pode ser por acaso que quem já o tenha ainda volte a estudar, a justificação se encontra numa clara determinação em abandonar a carreira inicial.

 

Em função desta realidade, se nada for feito nos próximos tempos, para garantir a estes jovens a estabilidade necessária na carreira, é bastante provável que nos próximos tempos venhamos a assistir a uma autêntica fuga de cérebros na Polícia Nacional, quer por iniciativa própria quer por «contratação».

 

A situação é de tal maneira grave que, segundo a nossa investigação, existem actualmente Licenciados em Ciências Policiais que não exercem qualquer actividade, pagos por não trabalhar, imagine-se, por «falta de vaga», para além daqueles que se encontram a desempenhar funções de pouca relevância e quase sem nenhum impacto na mudança da actividade de segurança pública, objectivo maior que norteou a celebração do contrato entre Angola e Portugal.

 

Numa altura em que são evidentes as deficiências técnicas, e também em termos de eficácia e de eficiência, na Polícia Nacional, choca, porque revela um completo desinteresse pela nossa segurança como cidadãos e contribuintes, verificar esta situação, em completo contraste com algumas instituições do país que tem apostado seriamente em quadros jovens e formados, como agora demonstrou o Governador de Luanda, e como já o tinham demonstrado o Ministro da Administração do Território, que tem no seu pelouro muitos jovens, o próprio Chefe da Casa Civil, conhecido por trabalhar com a juventude, entre outros poucos.

 
Com a chegada de Sebastião Martins ao Ministério do interior, ainda viveu-se um tempo de esperança, interna e externamente, fundamentado não apenas na sua «juventude» mas também nos seus discursos sobre a necessária modernização da corporação e numa aposta clara e inequívoca na competência em detrimento da suposta experiência. Entretanto, passado quase um ano a frente do ministério, ainda não se conhece nenhuma medida concreta para o aproveitamento dos jovens quadros nessa sua suposta aposta na modernização.

 

Quem rendera Jorge Bengui


A grande questão que se levanta agora, é sobre o possível substituto de Jorge Bengui, ao cargo de porta - voz do comando provincial de Luanda. Em condições normais, seria o Subinspector, Nestor Goubel que, actualmente, é o porta-voz interino.

 

Nestor Goubel, é licenciado em comunicação social pelo ISPRA, com passagens pela Rádio Nacional de Angola e teatro. Consta ainda no seu currículo cursos para assessores de imprensa, na vertente de marketing político e eleitoral, realizados no CEFOJOR.

 

Tem vantagem de estar no CPL há coisa de cinco anos e conhece bem os meandros daquele organismo, assim como é bem relacionado com os jornalistas, já que várias foram vezes que na ausência de Jorge Bengui esteve a internar. Quanto a isto, o posto estará em boas mãos.