Excelentíssimo Senhor Secretário geral
Caros convidados
Minhas Senhoras
Meus Senhores

Aceitei com muito prazer o convite da Direcção da JURA para partilharmos esta manhã algumas reflexões sobre a natureza das revoluções populares do Norte de África e as lições que as elites angolanas, presentes e futuras, dirigentes ou não, devem tirar destas mutações profundas que ocorrem na África do Magreb. Este tema que me foi distribuído é de grande actualidade não só no quadro do actual sistema das relações internacionais, como também no âmbito dos grandes desafios políticos que o continente africano tem de enfrentar a médio e longo termo.

 


Para melhor entendimento destes processos sociais de mudanças no Norte de África, será, necessário, procurarmos, em primeiro lugar, contextualizar o âmbito político-social do ambiente em que ocorrem estas mudanças no Egipto, na Tunisia, na Libia, na Siria e no Yemem, e em pequena escala em Marrocos, atendo-nos, assim, ao quadro das especificidades dos respectivos países e povos na base da importância geopolítica do mediterrâneo.


É importante, referir, antes de mais, que a queda do Muro de Berlim e o fim da guerra-fria que opôs durante décadas os Estados Unidos da America á União Soviética, no que foi considerado uma confrontação ideológica, determinou o início, a partir do fim da década dos anos 80, de uma nova ordem mundial de natureza unipolar, liderada pelos Estados que deu essência ao conceito de globalização.

 


A globalização será, assim, na generalidade, a afirmação de um conjunto de regras, de normas e instituições Internacionais que têm vindo a criar no plano global, no plano mundial, um determinado sistema, assente numa teia complexa de relações de interdependência política, económica e cultural, em que os Estados globalizados perseguem objectivos comuns, como a procura da paz social, da solidariedade internacional e a defesa do meio ambiente. 

 

O professor Joseph Neye, JR, na sua obra intitulada “ Compreender os Conflitos Internacionais” (2002:237) partia do pressuposto de “ que os Estados eram os únicos actores importantes no contexto das relações internacionais, em que a força militar, a força das armas, é o instrumento principal e a segurança dos Estados era o fim dominante”. De facto, assim é. Os Estados são na realidade os actores mais importantes das relações internacionais.

 

Contudo, no contexto da globalização, que se vem afirmando no âmbito da nova ordem mundial, este quadro tende alterar-se na medida em que os Estados já não são os únicos actores importantes no plano das relações internacionais.

 

Existem, hoje, na verdade, outros actores transnacionais que operam através das fronteiras, em que a força militar já não é o único instrumento fundamental. De facto, os factores económicos e a utilização de instituições internacionais assumem cada vez mais um papel de grande preponderância no sistema das relações internacionais.

 

A esta conjuntura internacional, junta-se a revolução global das novas tecnologias de informação em massa e os processos de intergração regional, com vista ao bem-estar dos povos e das nações do Estados membros, enquanto objectivo estratégico dominante, como é o caso da SADC, aqui na nossa região.

 

Partindo, assim, dos pressupostos desta nova ordem mundial, a análise que faremos das revoluções que ocorrem nos países da Africa do Magreb, vulgarmente conhecida por Africa branca, deve ser feita, no nosso entendimento, fundamentalmente sob duas perspectivas, sob dois níveis de análise:

 

1. Abordaremos no primeiro nível de análise as realidades socioculturais dos povos da região mediterranica, factor importante para a compreensão da natureza das crises sociais e dos conflitos políticos actuais dos países e povos da região do Magreb em particular;

2. No segundo nível de análise, abordaremos as especificidades históricas e geográficas dos Estados, ou seja, das unidades políticas da região da bacia do mediterraneo.

 

Por razões de tempo, vamos sintetizar os dois níveis de análise partindo dos seguintes pressupostos. Assim, do ponto de vista da localização geográfica dos Estados do Mediterraneo, e pela natureza heterogenica dos seus povos, culturas e valores, podemos perspectivar três realidades distintas de fontes estruturais do poder, interligadas entre o poder marítimo, o poder terrestre e o poder aéreo, este sob domínio do Estado de Israel na região que tem supremacia aérea e terrestre, um importante aliado dos Estados Unidos da América na região.

 

Este espaço geográfico euro-afro-asiático é banhado pelo mar mediterrâneo, como um mar interior “ que vai do Estreito de Gibraltar a oeste, ao Estreito de Dardanelos à leste, envolvido pela costa Sul da Europa greco-latina, pela costa do norte da Africa magrebina e pela costa Ocidental da Asia Menor Turco-arabica, incluindo os respectivos mares interiores, como o mar Egeu, o mar Jónio, e o mar Adriático para falar apenas destes.
Este enquadramento geográfico permite-nos falar, assim, da existência da Bacia Mediterrânica, que sofre igualmente importantes influências do Mar Negro, do Golfo Persico, do Golfe de Gibraltar e de todas as terras marginais, ou seja, de todas as terras ribeirnhas a estes mares.


É neste contexto que se releva a importância histórica, cultural, económica e política da Bacia do Mediterrâneo, e da África do Magreb em particular, como espaço de encontro e reencontro de culturas e civilizações, mas também como espaço de grande conflituosidade, enquanto zona de tensão e de conflitos seculares.

 

Ao longo dos séculos, o mar mediterrâneo foi zona de passagem, de chegada, de convergências, o que fez da bacia mediterrânica um espaço de disputas e de conflitos pelo seu domínio.

 

Desta interacção sociocultural e da interdependência complexa de valores dos povos que disputaram o domínio deste território nasceram, cresceram, floresceram, confrontaram-se e interpenetraram-se diversas civilizações da antiguidade. No vale do Nilo, por exemplo, nasceu e cresceu a civilização Egípcia. Persas, Romanos e Cartagineses influenciaram profundamente a região, assim como os germanos, os árabes e os russos numa fase mais avançada da história.


Também é nesta região, na bacia mediterrânica, onde nasceram e se expandiram as grandes religiões monoteístas, que são o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.

 

Logo, esta fragmentação da geografia humana dos povos e das nações da zona mediterrânica, tem estado na origem dos vários conflitos que têm assolado a região; uns ainda activos e de grande intensidade, outros já solucionados e alguns ainda em vias de solução, o faz da zona mediterrânica um palco de disputas de território e de recursos, de revoluções populares e religiosas, disputas de poder e de lutas pela hegemonia.

 

Na generalidade, os conflitos que ocorrem neste território são diferenciados, apesar de complexos na sua essência e manifestação, mas relacionados do ponto de vista da geografia física, da cultura e dos valores. Podemos citar algumas crises e conflitos que ocorrem nesta região:


1. O conflito Israelo-árabe 

2. O conflito Israelo-palestino.

3. O conflito da Líbia

4. O problema dos Enclaves de Ceuta e Melila na costa marroquina e as regiões de Gibraltar, o país Basco e a Córsega.

5. A crise Egípcia e Tunisina

6. O conflito da ex-jugoslávia

7. A problemática do Cáucaso russo

8. A crise do Curdos

9. A crise do Sahara Ocidental

10. A problemática da integração da Turquia na União europeia

11. A crise das migrações do Norte de África para a Europa através do mar mediterrâneo.

12. A problemática do fundamentalismo islâmico na África do Magreb.

 

Na base deste enquadramento pode-se facilmente concluir que o mar Mediterrâneo é o centro de uma região envolvente em relação as suas margens, transformada em zona e união, segundo a visão estratégica de Pezarat Correia, que resulta da natureza envolvente das suas margens.

 

 

No meio deste debate, há quem considere que não é o mar mediterrâneo que separa a África, do continente Europeu, mas sim o deserto do Sahara. Logo, o deserto do Sahara é, de facto, fracturante do ponto de vista geográfico. Este deserto faz com que “ o conjunto dos povos do Magreb, ou seja, do Norte de África, da África Branca, se virassem mais para o norte do que para o sul”, porque o deserto do Sahara continua a ser ainda um grande obstáculo.


Qual será, assim, a essência da Geopolítica do Mediterrâneo No passado, num passado muito distante, existiram várias tentativas imperiais de unificação das margens do mediterrâneo, desde Alexandre o Grande, da Macedónia, Aníbal de Cartagena. Só foram os romanos que conseguiram durante séculos o domínio da Bacia do mar Mediterrâneo, transformando-o no que chamaram na época de “ mare nostrum”, o mar romano, exercendo poder hegemónico em todo o território do Mediterrâneo, na terra e no mar. Esta foi, de facto, uma grande epopeia do poder hegemónico romano. Os árabes também tentaram unificar as margens do mediterrâneo, assim como o império Otomano mas não conseguiram, como o fizeram os Romanos. Também as potências coloniais europeias perseguiram objectivos de unificação das duas margens, mas sem sucesso.

 

A partir do século 19, a luta pelo poder hegemónico no plano mundial levou as potências europeias a construção de impérios coloniais na zona mediterrânica. A Espanha ficou com Marrocos, estando na origem do problema do Sahara Ocidental; a França impôs o seu domínio e influência em Marrocos, Argélia, Tunísia e a Síria; e a Itália, na Líbia e na Etiópia.


A Inglaterra consolidou posições importantes no mar Mediterrâneo. Controlou os pontos focais. Os chamados “choke points” como Gibraltar, Malta, Chipre, que se transformaram em importantes bases militares, que serviram de trampolim do império britânico para o Egipto, Palestina, Iraque, e para a Península Arábica. Assim, na ausência de um poder hegemónico, como foi o poder de Roma, a Bacia do mediterrâneo transformou-se na actualidade numa das regiões politicamente mais heterogénea do mundo. De facto, na Europa e com margens para o mediterrâneo contamos doze Estados continentais, e dois insulares e a Macedónia que é de influência mediterrânea. Na Ásia, e com margens para o mediterrâneo contamos três Estados e uma entidade especial, que é a Autoridade Palestina. Na África do Magreb, que está em análise, com margem para o mediterrâneo contam-se 5 Estados. Com margens para o mar negro, contam-se 5 Estados europeus, e a Moldávia e a Arménia, a que se pode juntar o Azerbaijão. Nas margens do mar vermelho e do golfe pérsico, na península Arábica, contam-se 13 Estados, todos sob forte influência do mar Mediterrânico.

 

Apesar desta complexidade geopolítica da região mediterrânica persistem ainda tentativas de alguns Estados deste território de alargarem o seu espaço geográfico, procurando anexar espaços vizinhos, como é a intenção de Israel, da grande Síria e de Marrocos, apesar de estar em curso esforços políticos e diplomáticos com vista a constituição de espaços alargados de integração e cooperação inter-Estatal, promovendo a integração regional económica, financeira e cultural.

 

Podemos concluir, assim, que a Bacia do mediterrâneo, e a região do Magreb em particular, constituem uma zona de tensão e de conflito por excelência no plano mundial, as chamadas ZTC, como também se constitui numa região de oportunidades político-diplomaticas. De facto, toda a crise contém oportunidades para a construção da paz social, da solidariedade e da defesa do meio ambiente com parece ser a nova vontade política dos países membros que constituem a União do Magreb Árabe.

 

Que Lições para Angola, para as presentes e futuras gerações e para as elites dirigentes e não dirigentes. Interessa, antes de mais, relevar que o que tem acontecido nestes últimos meses nos países do Magreb tem suscitado, de facto, vários debates, várias análises e várias reflexões, não só no plano político nacional e internacional, como também no plano académico. Para alguns cientistas políticos e sociais, a África do Magreb é palco de verdadeiras e profundas revoluções sociais, enquanto outros entendem que estes acontecimentos não podem ser considerados revoluções integrais mas apenas mudanças parciais de regime, cujas sociedades encontram-se ainda mergulhadas em profundas crises políticas, como acontece actualmente na Tunísia, no Iémen e na Síria.

 

Com excepção do Egipto em que os militares têm algum controlo sobre a situação política, a região do Magreb, vive, de facto, um clima de incertezas e desordem no seio dos respectivos sistemas políticos nacionais.

 

Como ensinamento, podemos reter que o factor mais importante destas mudanças políticas reside no facto de que as sociedades em análise “podem” de forma espontânea “se engajar através de levantamentos populares e mudar sistemas políticos autocráticos, nepotistas, corruptos, anti-democráticos, sejam eles republicanos ou monárquicos.

 

Outro ensinamento importante reside no facto de que em sociedades em que a esfera de acção pública é restritiva, excessivamente partidarizada, como a sociedade angolana, sustentada por uma imprensa censurada, a internet, como rede social, se transformou numa importante arma da sociedade global, nacional e internacional, criando importantes e extensas redes interétnicas e transnacionais para comunicação e discussão. Com verdade se diga, que a natureza restritiva dos órgãos de comunicação social pública, em paralelo a políticas de censura, potencia a importância e o papel das redes sociais, transformando-as num importante veículo para a mobilização de grandes grupos de pessoas para uma causa comum, com fortes possibilidades de alterar o destino de um povo.

 

No Egipto, por exemplo, todas as formas de tecnologias de ponta de informação e de telecomunicações foram fundamentais, usadas para potenciar e fortalecer o movimento popular que derrubou o presidente Mubarak. A internet neste país dos Faraós permitiu aos jovens revolucionários cibernéticos passar informações para fora e para dentro da praça Tarik, onde se iniciou os processos de mudança que levaram ao derrube da família Mubarak. Foi nesse contexto de injustiças sociais, debaixo do poder autocrático de Mubarak e Ben Ali, em que nasceu e cresceu uma geração de jovens que procuram hoje por novas possibilidades em busca de uma sociedade mais justa socialmente.

 

Para além deste contexto social, que ainda se vive em muitos países Árabes, conservadores e moderados, o mundo Árabe não viveu nenhum processo de transição do autoritarismo republicano e monárquico para a democracia, o que acrescido a frustração da população jovem destes países, desempregados na maioria e sem perspectiva do futuro, se transformou no motor destas mudanças socais, que alguns consideram revoluções. Junta-se a este clima de incertezas que preocupa a vida de milhões de jovens Árabes, a degradação da qualidade de vida, a miséria, a vitimização de regimes repressivos, a ausência de democracia e de direitos políticos, económicos e culturais.

 

Podemos concluir, enfatizando a importância dos ensinamentos deste processo do Magreb para Angola, dizendo que estiveram na base dos levantamentos populares na África do Norte problemas socioeconómicos, como também problemas políticos decorrentes da longevidade no poder de lideranças corruptas, anti-democráticas, violadoras dos direitos humanos, que se consolidaram no poder ao longo de várias décadas.

 

A vitória destes levantamentos populares será determinante para os sistemas monárquicos e republicanos absolutistas não só dos países Árabes como da África subsariana encetarem profundas reformas, com vista ao aprofundamento da democratização, através instituições democráticas, com parlamentos eleitos, com mais direitos políticos para as mulheres, melhor distribuição da riqueza, socialização da educação e da saúde e maior liberdade de expressão.

 

Entendidas, assim, as causas das revoltas e mudanças políticas e sociais que ocorrem no mundo Árabe, e na região do Magreb em particular, Angola, apesar das suas especificidades próprias, tem de encetar com urgência reformas profundas no seu sistema político, jurídico e económico actual para reduzir os factores de conflituosidade que podem levar ao surgimento de profundas crises sociais.

 

Angola tem de criar instituições republicanas fortes, despartidarizadas, assentes na separação de poderes, que perdurem para lá da vida das lideranças dos partidos políticos, como factor que permite a consolidação da paz social, da estabilidade política, da solidariedade nacional e da justiça social. Quando a casa do vizinho estiver a arder, você ponha as suas bardas de molho.


Muito obrigado pela vossa atenção.

Alcides Sakala
Docente