Ponta-Negra - Agostinho Chicaia já está de volta à sua casa em Ponta Negra, no Congo-Brazaville, depois de 17 dias preso ilegalmente em Kinshasa, na República Democrática do Congo. O antigo presidente da ilegalizada Associação Cívica de Cabinda Mpalabanda foi detido a 20 de Junho na capital congolesa, a pedido do consulado de Angola no Catanga por, alegadamente, fazer parte de uma lista de activistas de Cabinda que atentaram contra a segurança do Estado, de acordo com uma lei angolana que foi revogada há uns meses. A pressão internacional ajudou à sua libertação. Em entrevista telefónica, Chicaia contou ao i a sua experiência.


Fonte: Ionline.pt


Como é que foi tratado na prisão?

Os primeiros momentos foram difíceis mas, depois, com o trabalho da imprensa e dos activistas de direitos humanos, a situação melhorou. As autoridades congolesas ordenaram que me tratassem de forma diferente dos outros presos. Mas não deixam de ser maus-tratos. Estava numa prisão em território africano, com as dificuldades que o país tem.


As condições sanitárias e a comida eram más?

Próprias do estado da República Democrática do Congo. A pobreza, a precariedade, foi isso que marcou a minha estada na prisão.


Chegou a saber porque foi detido?

Disseram-me que o meu nome constava de uma lista que em Abril do ano passado teria sido entregue pelo consulado de Angola em Lubumbashi ao Ministério de Relações Exteriores. Mas há coisas que não conseguimos perceber, porque uma simples lista não justificaria a minha detenção.


O governo angolano chegou a falar consigo?

Recebi umas quantas vezes membros da Embaixada de Angola em Kinshasa, incluindo o cônsul [Emílio Guerra], que esteve umas duas vezes na prisão e me disse que não sabia de nada e esperava ordens de Luanda. A natureza da acusação que estava na base da lista era extremamente perigosa, por se tratar de um atentado contra a segurança do Estado.

 

As autoridades congolesas chegaram a dizer-lhe alguma vez que estavam à espera de uma ordem do governo de Angola para o extraditarem?

Recebi de várias fontes a informação de que a R. D. Congo enviou duas notas diplomáticas a Angola. A primeira para notificar de que eu tinha sido detido por constar daquela lista. Depois esperaram e como não obtiveram resposta, voltaram a enviar outra nota no dia 4 de Julho a pedir uma resposta em 48 horas ou procederiam à minha libertação.


Quer dizer que foi libertado porque Luanda não respondeu às notas enviadas por Kinshasa?

A situação já estava muito complicada para o governo congolês porque houve reacções de toda a parte. Políticos, académicos - uma das vozes importantes que se fizeram ouvir foi a da britânica Jane Goodall -, a sociedade civil em Angola, os partidos políticos. Também devo reconhecer o papel da doutora Ana Gomes, que tomou a iniciativa de escrever ao presidente Joseph Kabila na sua qualidade de eurodeputada.


Estava à espera que um dia pudesse vir a ser preso?

Não contava com isso, porque até a famosa lei 7/78 de crimes contra a segurança do Estado já é uma lei caduca. Nunca fui violento e sempre fui promotor de iniciativas para a reconciliação, para uma solução pacífica da questão de Cabinda. Nunca pensei que alguém agiria de má--fé para colocar o meu nome numa lista. Tiraram-me, inclusivamente, a imunidade, porque o acordo entre a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), operadora deste projecto da ONU, e os governos do Gabão, do Congo-Brazaville, de Angola e da R. D. Congo prevê que tenha o estatuto diplomático. Aliás, durante o tempo que fiquei na cadeia eles nem conseguiram legalizar a minha detenção. Em 17 dias nunca fui ouvido pelo procurador. Eles estavam a pensar que Angola enviaria um avião para me buscar. O importante é que o governo congolês voltou a confirmar a sua solidariedade com os propósitos do projecto e anulou a lista sem o consentimento do governo de Angola. E acho que é importante agora ir a Angola para saber o que acham do meu papel como facilitador do projecto do Maiombe entre os quatro países.


Está a contar ir a Angola em breve?

Sim. Muito brevemente.


Não teme pela sua segurança?

Não. Há quem diga que o presidente José Eduardo dos Santos não tinha conhecimento desta situação e que alguém teria agido com má-fé. Vou escrever às autoridades competentes a avisar da minha presença nos próximos dias em Angola.