Luanda - “UM PLANO DE URBANIZAÇÃO SÓ É VALIDO, SE PROMOVER O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, CULTURA E SOCIAL DAS POPULAÇÕES”  Estes são os argumentos de razão do Arquitecto Urbanista Simões de Carvalho.


*Cláudio Fortuna
Fonte: Semanário Angolense

Fernão Lopes Simões de Carvalho, é natural de Luanda, é o homem que criou o Gabinete de Urbanização de Angola, em nos primórdios do anos 60, foi ele que projectou o plano de urbanização de Luanda de 1962, trabalhou no plano do lotes do Prenda, as chamadas unidades de vizinhança, projectou o bairro dos pescadores na Ilha de Luanda, a zona do Futungo de Belas, nesta conversa   o urbanista apresenta a sua virtude de razão em relação a Ilha Artificial que se vai fazer na Baía de Luanda, o nosso interlocutor enquanto mais velho apresenta-nos a receita para o exito de um profícuo plano de urbanização. É com este experimentado arquitecto que trabalhou com o prestigiado urbanista francês Le Corbusier, que o Semanário Angolense conversou a margem do X º congresso da União Africana dos Arquitectos, decorrido em Luanda de 14 a 17 de Junho do corrente.


SA- Como é que vai para  Arquitectura?
SC- Fui porque o meu pai chegou a conclusão, frequentei o Liceu Salvador Correia somente só durante  três anos, e porque o meu irmão mais velho não havia conseguido grandes notas no Liceu,  foi para o ensino particular,  o meu pai achou por bem  mandar-nos para metrópole, para Lisboa estudar, postos lá entusiasmei-me pela Arquitectura, ou seja sempre tive vontade de fazer projectos, de fazer casas, porque fazia-me muita impressão ver todas as manhãs milhares de empregados indígenas, descerem as barrocas e irem trabalhar não é!, fazia-me impressão, e como tinham convivido com eles nos meus quintais, ainda hoje tenho umas medalhas nas pernas que adquiri nesta altura porque andava na terra a brincar com eles, que  eram feitas com cacos de garrafas, não sei porquê, mas o que é facto é que ainda hoje tenho estas medalhas nas pernas, então tive sempre o desejo de fazer habitação e mudar Luanda, e como tal fui para Arquitectura, julguei na altura até o fiz concurso para o  superior técnico julgando que era o Engenheiro que fazia casa, depois cheguei a conclusão que não é nada, era o arquitecto. Então, fui para Arquitectura, e a certa altura tive que cumprir o serviço militar, e porque estava dispensado das aulas, deixei de assistir, e havia uma aula que não ia nunca que era Urbanológia, então compensava com as leituras de uns livros do Gasson Bardé, que foi um grande  professor de urbanismo na Bélgica e também no Norte de África, Linbandine Blandumir, Pierre  Surtier, comecei à estudar  estes livros na tropa porque não podia ir as aulas, quando fosse as alias de urbanológia que era como se chamava na altura em Lisboa no largo da Biblioteca ao pé do Chiado, cheguei  a conclusão que eles também não me ensinavam nada de  urbanismo,  que o professor Paulino Montez que até era o director, só dava uma parte da glométrica , dizendo, ah se  quisermos que a Cidade se expanda para um determinado sitio, colocamos lá um parque, foi o que fizeram com o parque Bom Santo, e pouco mais ensinava, havia o assistente que era o Rui Teixeira, que mandava-nos fazer um plano de urbanização de umas termas, ah! já sabia mais do que eles com os livros que estava estudar da Bélgica, do  Gaston Bardier, cheguei a conclusão que tinha que ir aprender urbanismo e achava que era pouco estudar somente aquilo, e entusiasmei-me e um dia fui a boleia dada por um rapaz aqui de Angola Rui Martins da Silva, cujo pai era  dono do primeiro arranha céus que se fez na Marginal, que era um homem dos cafés e casou Barbahã,, filha do Dante Barbahã, vinham daqui de Angola, eles  iam para Paris, eu  disse-lhe que gostava de ir para Paris e que gostava de  aproveitar à boleia deles, fui pedir uma bolsa de estudos ao governo por via do Instituto de alto-cultura  português, disseram-me que não davam bolsas à arquitectos que não tivessem já o diploma, é claro que já tinha o curso só que ir defender uma tese, acabei por ir para Paria de boleia e fazer o curso de urbanismo ao mesmo tempo começo a trabalhar com Le Corbusier, numa sua equipa que era dirigida por Andrew Bonjasky, que era quem fazia os projectos de execução de Le Corbusier.


Como é que ter contacto com um gigante da dimensão de Le Corbbusier?
Porque em Portugal tive contacto com arquitectos do Porto, que diziam-me que era muito  difícil entrar no Le Corbusier, mas como sempre fui muito ambicioso, logo quis ir para o melhor, e como o melhor na altura era o Le Corbusier, fui depois tive dificuldade em entrar e trabalhar com ele, mas lá lutei e consegui entrar, para equipa dirigida na altura por Andrew Bonjasky, que era a equipa que desenvolvia os projectos de Le Corbusier.


Como é que foi estar em Paris, depois à tentativa de vir para Luanda trabalhar nos seus primeiro planos Directores cá?
Repare, quando acabei o curso de Arquitectura, a tese defendia-se uns anos depois de fazer um estágio, e tinha necessidade de fazer um estágio, e o estágio que fui fazer  primeiro, foi para o gabinete do Arquitecto Lima Franco e Manolo Potier, o  Lima  Franco era um arquitecto que fazia quase todos planos de urbanização da cidade de Lisboa, foi ai onde conheci um desenhador que sabendo que eu era de Luanda e que queria vir para cá fazer um estágio,  disse-me assim, o melhor que tem a fazer é que se ir para Luanda e aprender Urbanismo,   porque vi que com Lima Franco, e Manolo Potier, também não aprendi Urbanismo, quem fazia  urbanismo lá era um desenhador que não me lembro do nome agora, foi  este desenhador  que me aconselhou a ir para o gabinete de urbanização do ultramar, que era na Alameda Afonso Henriques em Lisboa, de repente fiquei a pensar como é que havia de entrar! Sabe que em Portugal não se consegue nada, que não seja  com cunhas, hoje é assim antigamente também era, num determinado ia passar pela Marquês de Pombal, tive cá em Luanda uma professora que era Machado da Cruz,  que tinha sido minha professora no Liceu de canto coral, era  cone  de Kalus, e ao passar pela Marquês de Pombal surge  um individuo chama-me e dá um abraço e diz assim,  eu sou Macho da Cruz, o que você está aqui a fazer? Respondi, olha acabei  o curso de Arquitectura tenho que fazer uma tese mas tenho que fazer primeiro um estágio, mais gostava de ir fazer no Gabinete de Urbanização do Ministério do Ultramar, mas não sei como é que hei de fazer. E ele diz-me assim, mais você quer ir para o Gabinete e Urbanização? Está bem, puxou um cartão que dizia, qualquer coisa Machado da Cruz, cone de Kalus, perguntou-me, mas então  quem é que o director? Disse é o Arquitecto  Aguiar e o Círios Cruz, então fez-me um cartão dizendo caro amigo vem um meu protegido que gostava muito de trabalhar consigo, quando chego fiquei convencido que o Arquitecto Aguiar, nem conhecia o cone de Kalus. Mas o que sei dizer é que ele mandou- me,  esperar e me admitiu no Gabinete de Urbanização do Ultramar, e lá já haviam outros estagiários, mas passando pouco tempo a quem eles tratavam já por Arquitectos ainda não sendo  diplomado era a mim,  quando  lhes disse que queria aprender urbanismo, ficaram admirados, mais também o arquitecto Aguiar não fazia Urbanismo, quem fazia afinal os planos era o mesmo desenhador que me tinha aconselhado ir para lá, e digo, oh aqui também não aprendo nada, porque no fundo todos os planos que vocês viram ali projectos na comunicação da Manuela Fonte, são planos sem uma base inquéritos preliminar da população , sem uma base profunda de estudo da terra, da topografia, da construção geológica, nada disso! Eram feitos no Ministério do Ultramar, eram mais desenhos que outra coisa, que no final de contas não eram concretizados porque não tinham uma base que deve existir no urbanismo que é resolução dos estudos preliminares dos inquéritos à população, os inquéritos ao clima, ao  terreno,  tudo isto tem que ser feito,  eles lá não faziam  digo então! Tenho que ir me embora, vou para Paris, fui pedir uma bolsa ao Instituto de Alto. Cultura,  disseram-me que só davam as pessoas com diploma, andei a pesquisar onde haviam cursos de urbanismo bons, vi em Itália e Paris, cheguei a conclusão que o de Paris  era melhor, então mas andei aprender italiano até com a minha noiva, porque estamos a pensar ir para Itália fazer urbanismo, mas afinal acabei por ir a Embaixada depois ao consulado francês,  eles disseram mas vocês quer ir trabalhar com Le Corbusier, mas nós não lhe podemos arranjar a Bolsa agora, só talvez para o ano, mas no entanto deixa aqui a sua inscrição e  deram-me muitas indicações sobre o turismo universitário em Paris foram muito simpáticos,  o casal Rui Martins da Silva e Barbahã, casaram foi de  lua de mel para Paris e deram-me boleia num Peugeot, lá fui eu de boleia,  eles foram para o Hotel Gardelion , eu não tinha dinheiro para pagar o hotel, o meu pai mandava-me dinheiro de Angola para lá,  mas era muito pouco para pagar um Hotel, mas como já levava indicações de uma senhora da Agência Havas, para ver se conseguia meter-me na cidade universitária de paris que era um lugar onde não pagaria muito dinheiro, isto foi em 1955.


Em que Universidade estudou em Paris?
Foi na Sorbonne que era o Instituto de Urbanismo da cidade de Paris que era da Faculdade de Letras da Sorbonne, depois dai e como  tinha  deixado amigos no Gabinete e Urbanização do Ultramar, quando houve o concurso para os planos directores em Angola avisaram-me, mas como não tinha o diploma isto é em pouco tempo teria o diploma, que só vim a defender seis anos depois, porque até não era preciso a tese, o próprio director do instituto passou-me um papel a dizer que estava apto, e que quinze dias depois teria o diploma, e tinha o papel de Le Corbusier, dizendo que estava trabalhar com ele e que estava apto a fazer arquitectura sozinho, mas o que sei é que não me ligaram nenhuma, com a única razão que já havia outras influencias, e já haviam outros planos de fazer o plano de urbanização daquela zona, que haviam sido imposto ao Ministério, muitas das coisas que se faziam nas províncias, o Ministério não sabia, e quando se apercebesse do erro corrigia isto é que  é a grande verdade, o Ministério do Ultramar quando se apercebesse de coisas mal feitas tentava corrigir.


Como é que vem a criar o Gabinete de Urbanização de Angola?
Porque quando cá cheguei cá, apresentei-me  para Gabinete, mas a Câmara não me recebeu, e mandei dizer isto para o Ministério do Ultramar, foi o próprio Ministério do Ultramar que mandou-me ao Liceu Salvador Correia  onde passei a dar aulas de geometria descritiva, quer dizer eles sabiam, porque vim para Angola com passagens pagas pelo Ministério do Ultramar, eu a minha mulher e os meus bebés num barco que se chamava o Kwanza, que vim para Angola


Quantos Planos projectou para Luanda Arquitecto?
Oh! Não sou capaz de lhe dizer, porque a certa altura os planos directores  não servem para construir, o que permite à construção são os planos de pormenor, depois de haver a celebre revolta das catanas como a gente lhe chamava, que matou muita população indígena e população europeia indiscriminadamente na altura, tive necessidade de propor ao  presidente da Câmara, que se passasse imediatamente aos planos de pormenor, que havia de permitir à construção, por exemplo o bairro dos Ferreiras, que fica entre Avenida do Hospital e  a do Serpa Pinto, havia um bairro de moradias antigas dada proximidade do centro, propus logo habitação colectiva, quer dizer tinha que se fazer um reajustamento parcelar, quer dizer unir vários lotes de  casas para fazer blocos de habitação colectiva,  porque se  precisava de uma certa densidade de população no centro também, tudo isto foi feito no Gabinete de Urbanização sobre  minha orientação, houve muitos planos destes, por exemplo atraiu-se o J. Pimenta que era um grande construtor em Lisboa, veio para cá construir, quer dizer desenvolveu-se o António Campino, entusiasmou-se de tal forma com esta Cidade que quis fazer por detrás da estátua da Maria da Fonte ao Kinaxixi,  chegou a projectar lá no gabinete uma catana, era uma estátua à catana, porque no fim de contas despertou a vontade de fazer isso andar para frente não é! Depois começou-se a fazer planos de pormenor que permitiu construir em  Luanda coisas já baseadas nos planos de pormenor, porque uma coisa que se deve fazer, é que  o  plano director não serve para dar lugar a construção, sãos os planos de pormenor é que dão lugar a construção, e que devem criar uma disciplina arquitectónica,  que isto você pode ver nas minhas   minhas maquetas, e que fizeram o Gabinete de Urbanização, dá logo a  volumetria  e o tipo de construção a fazer não é! à área de acesso ao pilar ou não, dá tudo isto é o regulamento que era dado por mim directamente. Eles não encontraram coisas escritas, uma das coisas que me  foram perguntar em Lisboa, foi esta  gente que agora encontrou coisas minhas do Gabinete, perguntaram -me.
 Ah! Mais  que não havia nada escrito, respondi  tudo bem, posso dizer o que é que há, porque a certa altura o plano director já estava na minha cabeça, e num esquema a escala de 2500, estavam as grandes linhas de planeamento,  linhas mestras, no entanto era para fazer unidades de vizinhança que era para construção.


Particularmente na baixa de Luanda, quais foram às zonas em que esteve envolvido como urbanista?
Bom! Houve o comando Naval, que era para limitar a certa altura que os técnicos das câmaras, que normalmente estes técnicos quer em Portugal continental, quer nas províncias ultramarinas como lhes chamavam, eram muito mal pagos, o que gera a corrupção, e porque eles tinham que alimentar as famílias e os ordenados eram tão baixo que nem dava para alimentar às famílias, que tinham que fazer projectos por fora, por exemplo vivi particularmente no Rio de Janeiro e nunca precisei de trabalhar mais de seis horas por dia, em Portugal e aqui trabalhava-se dia e noite, Sábados e Domingos, e os Arquitectos dos serviços oficiais eram sempre mal pagos, dai gera-se a corrupção, toda vida combati a corrupção, e o quê que o governo da província fazia? Como não queria  projectar para as zonas que odiava,  dava-me edifícios para projectar, por exemplo ganhei o concurso do centro da Emissora oficial, que hoje a Rádio Nacional de Angola, ganhei porquê? Porque quando defendi a minha tese que prepararei enquanto estava em Paris,  havia ido visitar os centros de televisão franceses, depois fui a Londres, ai preparei uma tese que defendi em Lisboa,  foi um centro de Televisão que estudei em Paris e Londres,  quando fui defender era o professor Brandão hoje professor Brandão, na altura o Brandão que já o conhecia de Angola que o Pai foi director do Hospital Maria Pia, que era coronel médico e filho andou comigo na escola primária cá, e nas explicações do celebre Augusto Chaviata, que era um professor fabuloso e do professor Teixeira.
Ah, uma das grandes praças que projectei para Baixa, era a praça das portas do mar, que ia do Banco de Angola até aos Correios, que era em homenagem ao antigo Cais de desembarque as portas do mar que era um Caís que existia ali, onde nós íamos nos gasolinas, onde os  barcos desembarcavam ainda não havia aquele molho do Porto,  isto foi antes deu ir para Portugal na
década de 1940, nesta altura não havia ainda o Porto de Luanda feito era na Baía onde os barcos atracavam, os barcos ficavam na Baía, onde fundeavam-se depois viam-se gasolinas que eram pequenos barco que levavam  os passageiros até as portas do Bar, tenho na minha memoria as portas de Bar passavam assim uma grande praça que infelizmente não se fez.


Hoje quando encara à Cidade de Luanda, com a destruição de algum património que deixou, qual é o sentimento que tem Arquitecto?
Olhe! Não sei o património que deixei, realmente um dos maiores é o Prenda  que nunca foi completado, como lhe disse todas à unidades de vizinhança pretendiam incluir nela a população economicamente débil, quer dizer à população dos Musseques, e porque a população dos Musseques os indígena constituía 2/3 da população que existia na altura em Luanda havia  trezentos e cinquenta mil, o meu plano director que foi feito em 1962, prévia para  1980  um milhão de habitantes só,  hoje tem cinco ou seis, mas tem uma população que não resultou de um crescimento normal, foi  de um crescimento anómalo por causa da guerra não é! E como dizia hoje tenho uma pena imensa ver o prenda que nunca foi completado, porque o prenda não era para ter não os 2/3 de população economicamente débil, mas sim 1/3, porque o governo disse, se vamos fazer unidades de vizinhança com 2/3 de população indígena e 1/3 europeia,  os europeus não vão querer ir para lá. Então pensou-se muito bem no governo general Deslantes que já era evoluído e inteligente, disse então vamos fazer vamos começar com 1/3 de população indígena e dois 2/3 de população europeia, lá está a miscigenação que conseguia elevar à cultura e os costumes da população indígena e reservaram-se terrenos para serem projectadas habitações de apenas um piso, de acordo com as habitações que existiam nos Musseques, fazendo passar os habitantes das novas unidades densa, por exemplo da unidade densa número 1 que foi a primeira por bairros bairro- escola onde se iam fazer esta construções


Ainda em relação ao Bairro Prenda, hoje temos cerca de 22 edifícios construído?
São  22 edifícios terminados e faltavam três por se construir,  os outros dois não chegaram a ser construídos, porque a unidade de vizinhança número 1, foi construída para vários grupos de habitação,  como deve ter reparado no esquema que foi projectado na conferencia, cada grupo de  habitação tinha o seu espaço de convívio que era uma praça, e como eram todos sobre piloteis, eram  levantados do chão e só tinham o acesso principal, das escadas e elevadores  havia sempre uma zona de convívio da várias populações, a miscigenação população economicamente débil com a população de nível social mais elevado, haviam já moradias que eram para população mais rica, criei uma zona de moradias, estas zona era para população com posses mais elevada, estas foram construídas e construíram-se as da classe média que são os blocos de habitação e depois havia as da classe economicamente débil que não se construíram, nem se quer houve tempo para se fazer os projectos com eles,  que deveriam ser feitos de acordo com o esquema que projectei na conferência,  tendo em consideração que antes deles irem para estas habitações, seriam feitas de acordo com as necessidade e desejos deles, respeitando os seus desejos, mas teriam de passar por bairros escolas onde aprendiam a usar a casa de banho a sanita, a banheira, porque até em Lisboa quando se construiu o bairro Martin Moniz, e se mandou a população para o bairro do Alvalade, olhe que eles não usavam as banheiras como devia, estou a falar de Lisboa, aqui mais uma vez teriam que fazer bairro escolas, para que a população recebesse uma certa educação, até vou mas longe, por exemplo dei de graça um projecto de jardins escolas  ao governo de altura que se espalhava pela província toda para às crianças a partir dos três anos receberem logo uma certa educação cívica, começarem logo uma elevação dentro da cultura, não sei se fizeram ou não.


Como é que foi pensado o plano do Futungo de Bela arquitecto?
Bom! O Futungo de Belas foi o primeiro pólo de recreio ou de repouso e distracção semanal  da população de Luanda e o principal era a Ilha de Luanda, à Ilha de Luanda foi reservada neste plano  como centro de turismo e recreio da população, e que deveriam ter permitido zonas de recreio, parques de campismo para população economicamente débil, Hotéis Restaurantes, Boates, tudo que fosse diversão, desde a infantil até adulta. O segundo pólo turístico e isto não era já só definido por mim,  havia uma instituição que já não me lembro do nome mas era dirigido pela arquitecta Antonieta Jacinto, que já o Futungo de Belas era um segundo pólo turístico de Luanda, quando cheguei à Angola antes de ir para o Liceu, fui me apresentar ao governo geral para dizer que sou angolano fiz este curso e quero ver se trabalho, o encarregado do governo não tinha na altura governador, o encarregado do governo era o engenheiro que era Administrador da Fábrica de cervejas Cuca, isto em 1960, ele mandou-me ir ter com Antonieta Jacinto, que era quem coordenava o tal gabinete de desenvolvimento turístico de Luanda, que funcionava no Comando Naval, que por sua vez ela encomendou-me este trabalho, foi assim que fiz o plano do Futungo de Belas.


Como é que pensado o bairro dos pescadores na Ilha de Luanda?
Foi uma encomenda que me foi solicitada, pela comissão Administrativa do Fundo dos Bairros Populares.


Contou com a participação dos moradores para concepção do bairro?
Absolutamente, vou lhe dizer não faço nada que não tenha à participação da população, ela tem que ser um dos elementos principais da concepção urbanística, temos que conhecer bem para quem estamos a trabalhar, temos que conhecer o carácter da população porque é isto que influencia na feitura dos planos, temos que conhecer as suas aspirações, o seu modo de vida, o seu desenvolvimento cultural, as suas raízes, tudo isto tem que ser indagado, eu fui indagar junta da população, uma das pessoas que entrevistei, foi o Padre que era irmão Mário Pinto de Andrade, que lá estava era o Joaquim Pinto de Andrade, foi um dos que entrevistei que sabia bem o que aquela população queria, falei com os pescadores, gravei uma entrevista como a que você me está fazer com eles, que diziam que não só casas que a gente precisa, a gente precisa mesmo é de barcos a motor, porque andamos aqui com as canoas e não podemos ir pescar fora, cada vez  há menos peixe na Baía, eles precisavam de barco, tudo isto foi transmitido ao administrador de então, como diz fiz um plano com base nos aldeamentos que existiam, havia o Aldeamento do Lelo que ficava a volta do Aldeamento da Igreja do Cabo, depois havia o Ponta e o Sarga, que era Sarga porque havia lá uma salga qualquer, e Sarga era a forma de dizer do indígena, e os Axiluanda, Axi, quer dizer estendedor e Luanda quer dizer redes, que significa pescadores que eram do reino do Ndongo, independente do reino do Congo, mas quero dizer-lhe que os meus planos são sempre feitos em colaboração com a população, pode ser de outra maneira.


Quer dizer que trabalha sempre em equipa multidisciplinar arquitecto?  
Claro, não pode ser o arquitecto sozinho, não pode ser o urbanista sozinho, não há duvidas nenhumas, mandava fazer inquéritos e repare que a parte do levantamento daquilo foi feito por outros técnicos, independentemente das casas existentes e tudo mais, como aquilo é uma coisa pequena também não precisava de muitos não é? Sociologia também dei sociologia urbana e humana, eram conhecimentos que adquiri e posso em pequenas escala eu próprio actual não é.


Falando da Marginal de Luanda, hoje está se a fazer uma intervenção naquele local com propósito de se fazer lá uma Ilha artificial como se diz, qual é a sua virtude de razão a este respeito  arquitecto?
Ainda sou do tempo em que a ligação da cidade à Ilha, era feita por uma ponte que tinha  passagem de água por baixo, era uma ponte mal construída que numa determinada altura começou a bater, e quando isto aconteceu, que portugueses estupidamente taparam, passava-se de canoa de um lado para o outro de baixo da ponte, eles acabaram com isto, quando eles fizeram esta intervenção a Ilha de Luanda cortou-se, diminuiu à extensão de comprimento, porque a corrente fria de Benguela  que passava de baixo da ponte que não permitia o assoreamento da Baía cede , mas de certo modo até acabava por trazer areias para alargar à Ilha de Luanda, dando-lhe continuidade quando taparam a ponte desapareceu e deixou de haver assoreamento da Baía, eu ia com uma tenaz feita dos aros das barricas e dos barris ia a pé para Baía pescar caranguejo, via-os enterrar e tirava os caranguejos, tá ver  que acontece com  assoreamento da Baía, porquê? Por não haver formas de passagem corrente de baixo da ponte, uma das coisas essências que tinha no meu plano era de fazer uma ponte elevada, para poderem passar os barcos de um lado para outro, e passar a corrente de Benguela que é o principal elemento que permite o desassoreamento da Baía, se você faz mais uma Ilha no meio da Baía, que raio a Baía já não é grande, então vai-se pôr uma Ilha ai dentro para quê? Para pôr os arranha céus com certeza, isto é um disparate pá, é descaracterizar uma coisa natural, e como digo tenho um respeito formidável, e todo urbanista tem que ter pela Natureza, ele não pode o que a Natureza faz, não destruo a topografia,os engenheiros têm a mania de meter o tractor e deixar tudo direito, mas não! Se a topografia é inclinada, faço projectos adaptados a topografia, nos planos é a mesma coisa.


Fala-se da possibilidade de se alterar o porto, parece que existe uma tese bem desenvolvida em Portugal sobre os portos angolanos...
Não sem duvidas nenhuma, um país como Angola com vários Portos desde o de Cabinda, há possibilidades de Portos de Cabinda até ao Cunene, todos estes Portos foram bem estudados pelo Engenheiro Jorge Mestre que foi um técnico  de Portos no ultramar em Portugal, colaborou aqui comigo no plano director da cidade projectou aqueles vários molhes, tem publicado um livro no IPAD Instituto Português de Auxilio e Desenvolvimento, que descreve no estudo do Porto de Luanda que não começou rapidamente, repare que os portugueses estudavam tudo isto muito na profundidade, tinham o Laboratório Nacional de Engenharia que colaborou no alargamento da avenida Marginal do Rio de Janeiro,  da Avenida Atlântica, todos estes  estudos estão feitos com base em trabalhos científicos, e o Porto de Luanda alguém me disse que se vai destruí-lo para fazer lá um bairro de habitação, é uma asneira porque o interland que alimenta o Porto que sai através de Luanda é enorme, o interland a riqueza da parte interior do RPI, como se diz  em francês , do interland da parte para lá de Catete, Malanje vem toda escoar por Luanda, por isso o Porto   de Luanda é essencial a sua existência, só não se localizou foi o porto de pesca, que foi pensado lá para o farol das lagostas, ou para o Cacuaco, este foral das lagostas não sei se ainda existe,  ou para o Cacuaco, tudo isto estava estudado, e bem estudado com suporte de Laboratório de Engenharia Civil de Portugal e tudo mais,tenho um desgosto muito grande quando ouço dizer que não vão fazer aquilo vão fazer outras coisas, é uma pena.

 
Gostava de ouvir à sua virtude de razão em torno dos condomínios fechados, porquê que tem uma aversão sobre os condomínios porquê?
Tenho, porque o condomínio é uma segregação, não se pode fazer um plano de urbanização assim desta maneira, um plano de urbanização só é valido se promover o desenvolvimento económico,  social e cultural das  populações, você acha que o condomínio fechado vai contribuir para o desenvolvimento do pobre que existe em Luanda, daquele ? Os indivíduos que estão aqui a morrer a fome a volta? Não vai!


Isto implicaria exclusão social Arquitecto?
Claro, já está criar, e está provado que no mundo inteiro onde houve exclusão social há revoltas da população, há crimes, há tudo mais a revolta é própria dos pobres em relação aqueles que vivem nos condomínios, e com que razão é que eles fazem os condomínios? Dizem ser uma questão de defesa, francamente, a defensa é compreendida ao povo que nada tem? Desde que ele seja educado a perceber que tem que trabalhar para chegar onde o outro chegou, os meus país não eram ricos, faço os planos para ver se as populações todos enriquecem e não para empobrecerem, é para enriquecerem, é só com contacto entre as várias categorias sociais que os mais pobres se desenvolvem. Portanto, os condomínios fechados são segregações, e não pode a ver segregação numa cidade.


Como é que viu a destruição do mercado do Kinaxixi?
Mal, porque era uma obra de um grande Arquitecto que foi o Vasco Vieira da Costa, uma obra de um movimento moderno, se pode dizer que pertencia ao movimento moderno, e que poderia mudar-se lhe a função se quisessem, podia se transforma num centro comercial. Agora destruir, muito mal ainda por cima sei que é um grupo económico de grande potencia que está construir para lá mas uns monstros que vão descaracterizar aquela parte da cidade, não acho que tenha sido uma boa solução.


Tem se dito que aquela zona do Kinaxixi é uma área sensível por causa do nível freático...
Sem duvida nenhuma, nível freático não digo, mas que a baixa de Luanda que é uma zona sensível, sei por exemplo que na baixa a um metro encontramos à água do mar, e estão a fazer caves na baixa, com não sei quantos pisos, as fundações desses prédios custam uma fortuna, esta-se a desperdiçar muito dinheiro, sei que Angola é muito rica, mas está se a deixar perder dinheiro estupidamente, a baixa de Luanda não podia ter prédios tão altos. Se a Ilha de Luanda um dia desaparece, com degelo que está no pólo Norte, água dos mares que estão aumentar, em Portugal por exemplo a zona de kaxis e partes está em rico de ser inundada, à Ilha de Luanda e a baixa de Luanda também vai um dia sofrer este impacto, este tsunamis que temos, tal um dia isto cá chegue, e tudo se está fazer erradamente, fazer caves para estacionamento na baixa de Luanda quanto é que você julga que deve estar a custar uma fortuna louca, porque aquilo é água, está se a  desperdiçar dinheiro, assim como os vidros que são usados aqui.


Há um projecto megalómano do governo angolano que é de construção de um milhão de casas, enquanto arquitecto urbanista ser possível fazer-se nesta legislatura?
Acho muita pressa, e continuo na mesma a dizer se este um milhão de casas tiver em consideração habitação do povo, habitação dos indivíduos que vivem hoje nos musseques, se construírem as populações que vêm dos musseques, estas populações não vão saber habitar naquilo, não vão sentir-se bem, devem passar pelos tais bairros escolas antes de irem para estas habitações, e ouvir dizer que estavam a fazer blocos de habitação colectiva com vários andares para pôr as populações que vai sair dos musseques, não pode eles não sabem habitar naquele espaço, os portugueses já lhe disse na Europa não conseguiram isto, as banheiras servia de celeiros, os corrimões das escadas eram vendidos porque eram economicamente debis, não tinham dinheiro retiravam os corrimões e vendiam os ferros para terem dinheiro, Ora isto são coisas que acontece a nível europeu, quanto mais entre nós.


Precisamos outros bairros indígenas?
Não precisamos de bairros escolas, os bairros indignas não podem ser só bairros indígenas, temos que fazer a mesclagem, que são as tais unidades de vizinhança, não podemos fazer só bairros indígenas, temos que fazer bairros em que as várias categorias sociais  se misturem, não podemos agarrar e fazer só casas para um tipo  de população economicamente débeis, não podemos, temos que mistura-las com população com mais rendimentos, quando fizermos isto não será preciso fazer- se condomínios fechados, os vizinhos nunca atacam os vizinhos, porque sentem apoio neles, as raízes são estas é a convivência social que é preciso promover.


Há quem diga que no plano de De Groer continha uma componente do verde muito acentuada...
Sim, mas no meu também tinha, previa depois depois de toda esta zona e para já por de trais do aeroporto era uma linha água que era transformada com cerca quinhentos metros de largura em zona verde, e em cada uma daquela partes havia uma zona industrial com quinhentos metros de largura, depois havia zonas de habitação, para separar à zona industrial com à zona de habitação era tudo verde, passava do plano egocêntrico para o plano linear ao longo da costa a caminho do kwanza, é o que se está fazer mas está se fazer com condomínios fechados, invés de se fazer com unidades de vizinhança em que se misturariam as várias etnias e as várias categorias sociais.


Segundo se diz que o Vasco Vieira da Costa, defendia muito a circulação dos ventos nos seus planos, o que sabe sobre isto?
O Vasco Vieira da Costa não tinha plano para Luanda, pelo menos não conheço.


Pelo menos nos seus projectos havia esta componente, como foi o caso do Mercado do Kinaxixi, e do edifício das obras Publicas....
Ah! isto está bem mas é de arquitectura, repare que o edifício das obras publicas está integrado no plano de massa que fiz da baixa de Luanda, ainda eu estava no Gabinete  ele foi ter comigo a pedir regras para projectar aquele edifício, ele cumpriu e fez muito bem, porque  era de facto um grande Arquitecto, agora é preciso ter-se em consideração que Angola não tem só um clima, toda parte costeira, a parte marítima é dum clima, mas o interior já não é um clima igual, não precisa de ventilação transversal, no interior temos climas frios secos, ambientação transversal interessa para parte dos climas litorâneos e tem as brisas marítimas que são frescas podem promover a frescura para uma ventilação transversal.


Quais são enquanto arquitecto urbanista, os requisitos fundamental para se fazer um bom plano de urbanização?
Antes de mas nada constituir uma equipa pluridisciplinar, evolvendo geográficos, sociólogos, demógrafos, historiadores, antropólogos, indivíduos que conheçam a qualidade dos solos, agrónomos, hoje é prioritário criar-se aldeamentos agrícolas no interior para fixar as populações porque à população não vive do petróleo, não come o petróleo, só está é a enriquecer os estrangeiros que vêm cá busca-lo, e determinadas classes políticas e mais nada, é preciso dar alimentação ao povo, o povo sabe cultivar a terra, é fácil é a terra, agricultura e a pastorícia e a pesca tem que tem ser desenvolvida.