Luanda - O grande desafio que se coloca a Angola é a intensificação dos esforços relativos à diversificação da economia.


Fonte: JA


O professor Stiglitz referiu muito bem que a riqueza de um país com recursos minerais é igual a riqueza debaixo da terra mais a riqueza acima da terra. Se a riqueza debaixo da terra é exaurida e não é substituída por riqueza acima da terra, o país torna-se cada vez mais pobre. Embora desde o ano de 2006 o Produto Interno Bruto não petrolífero tenha crescido a um ritmo superior ao do sector petrolífero, é importante intensificar os esforços com vista à diminuição da grande dependência de Angola do sector petrolífero. Não obstante este sector ser o que maior peso tem no PIB e nas exportações e receitas fiscais do país, é um sector que não é intensivo em mão de obra e que por isso cria muito poucos empregos.

 

Tendo em conta os altos índices de desemprego prevalecentes no país e o grande objectivo do país em eliminar a fome e a pobreza extrema, a estratégia de desenvolvimento de Angola deve estar baseada no emprego, isto é, ter o emprego como a alavanca do crescimento económico, com grande prioridade para a produção agrícola.

 

Ao mesmo tempo devem-se aplicar as medidas necessárias para o aumento constante e progressivo dos níveis de produtividade da economia nacional.


A este respeito deve-se sublinhar a importância das empresas angolanas. As empresas angolanas devem despontar para o mundo com uma competitividade estrutural em determinados sectores de actividade, o que pressupõe apostar na diferenciação e qualidade dos seus produtos e serviços de modo a aumentar as suas vantagens comparativas e competitivas.


Reconhecendo o desnível competitivo que separa a generalidade das nossas empresas das empresas de referência internacional, será necessário adoptar transitoriamente uma política económica estratégica parcialmente proteccionista que, ao mesmo tempo, estimule a sua competitividade. Neste aspecto devemos ser claros.

 

Para um país em desenvolvimento como Angola as teorias do comércio livre podem constituir as melhores políticas comerciais a curto prazo, tendo em conta que poderão maximizar os níveis de consumo corrente do país. Os consumidores poderão ter acesso a produtos mais baratos e eventualmente de maior qualidade, vindos de outras partes do mundo.

 

Contudo, a longo prazo as teorias de comércio livre poderão condenar os países em desenvolvimento como o nosso a especializar-se em sectores que oferecem fraco crescimento de produtividade e portanto fraco crescimento dos padrões de vida.

 

Noutras palavras, tais teorias colocarão os nossos países na trajectória de um crescimento empobrecedor. As empresas dos países em desenvolvimento como Angola que entram em novas indústrias precisam de um período de relativa protecção da competição internacional. Quando os novos produtores crescerem e estiverem aptos para competir com produtores mais avançados, então a protecção pode ser levantada de modo gradual. Se os novos produtores estiverem expostos a uma competição internacional muito alta logo no início da sua actividade, certamente que desaparecerão do mercado.


Desaparecendo do mercado nunca o verdadeiro desenvolvimento de Angola terá lugar. Todos os países que tiveram sucesso no seu processo de industrialização em maior ou menor grau protegeram as suas indústrias. Esta afirmação é verdadeira quer para a Inglaterra nos séculos XIV e XV, quer para os Estados Unidos da América no século XIX e quer para os casos mais recentes de sucesso do continente asiático no século XX.


Aqueles que nos países desenvolvidos apregoam hoje o contrário, agem como se estivessem a dar um pontapé na escada que os levou ao patamar em que estão. Pontapeiam a escada para que ninguém mais a possa utilizar.


Trata-se de um comportamento que é reprovável não só do ponto de vista económico, mas também do ponto de vista moral.


Angola nunca seguiu as políticas neoliberais inseridas no chamado Consenso de Washington, isto é, políticas baseadas no fundamentalismo do mercado.


Estas políticas de austeridade que em África começaram a ser aplicadas na década de 80 através dos programas de ajustamento estrutural não levaram nem à estabilidade, nem ao crescimento, nem ao desenvolvimento destes países. Tal como referiu o Professor Stiglitz, tais políticas contribuíram para a desindustrialização do continente, cuja participação na indústria manufactureira mundial caiu de 15,9 por cento em 1965 para 14,3 por cento em 2006.


Curiosamente, são estas mesmas medidas de austeridade que actualmente são impostas aos países europeus que enfrentam crises da sua dívida soberana. Insiste-se no equilíbrio orçamental como resposta a todos os problemas, com a esperança de que o corte da despesa vai criar emprego, porque a austeridade vai elevar a confiança no sector privado. Como seria de esperar, a crise económica nestes países agravou-se e a confiança do sector privado em vez de aumentar está em queda livre.

 

Começa a ficar claro que não haverá outra solução que não seja a redução da dívida destes países, o que poderá ser feito através da ajuda das economias mais fortes da Europa aos mesmos e de perdões parciais impostos aos credores privados, que terão de se contentar em receber menos em troca em vez de não receber nada.

 

Estas políticas de austeridade baseadas no fundamentalismo do mercado não resultaram em Africa, não resultaram em nenhum país em vias de desenvolvimento e não estão agora a resultar nos países europeus com problemas de dívida soberana. Em Angola, nós queremos edificar uma sociedade justa, equitativa e desenvolvida, em que seja erradicada a fome e a miséria, uma sociedade assente na igualdade de oportunidades para todos os cidadãos e com realce para o desenvolvimento humano e para a justiça na distribuição do rendimento nacional de modo a assegurar a estabilidade política e social.


Queremos edificar em Angola uma sociedade que garanta o acesso generalizado das famílias à habitação condigna, à água potável, à energia eléctrica, aos serviços de educação e saúde e outros bens públicos que contribuam para o seu bem-estar social.

 

A via escolhida para o desenvolvimento de Angola tem como pressuposto a melhoria da qualidade de vida das populações, a promoção do desenvolvimento integrado das comunidades rurais de modo a reduzir as assimetrias existentes no desenvolvimento do país; a promoção da integração do território nacional e a criação de um efectivo mercado interno; esta via implica ainda o fortalecimento da competitividade internacional do território nacional, diversificando, de forma sustentável, os seus vários espaços, bem como a modernização da agricultura e das produções rurais.

 

Nós queremos para Angola uma sociedade do conhecimento, moderna, aberta ao exterior, com a presença de investimento nacional e estrangeiro directo e com uma maior intervenção do mercado, da iniciativa privada e da concorrência. Uma sociedade com estas características não pode ser edificada na base de teorias que tenham subjacente o fundamentalismo do mercado. É preciso reconhecer que se o Estado tem falhas, o mercado também tem falhas.

 

Daí que uma sociedade deste tipo só pode ser edificada na base de uma criteriosa relação de complementaridade estratégica entre o Estado e o sector privado, em que o primeiro deve exercer uma função de liderança na base do planeamento estratégico.


Permitam que termine agradecendo ao professor Stiglitz por ter aceitado visitar Angola neste momento particular da sua história em que se estão a criar as bases para um verdadeiro desenvolvimento do país e dos angolanos.

 

Queremos que Angola venha a ser um país de sucesso, uma referência em África e no mundo, um país que depois de ter vivido cerca de três décadas de uma guerra atroz, conduziu com sucesso e de modo exemplar um processo de reconciliação nacional, está a consolidar a estabilidade política, está a reforçar a democracia, está a crescer de modo robusto e está gradualmente a resolver os problemas sociais das populações.

 

Com a sua enorme capacidade intelectual, com os seus vastos conhecimentos e com a sua grande sabedoria, solicitamos ao professor Stiglitz que seja um parceiro de Angola para fazer deste país um país bom para se viver, um país que proporcione aos angolanos os mais altos padrões de vida e de bem-estar.


* PhD, professor titular da Universidade Agostinho Neto e antigo ministro de Estado da Coordenação Económica, in comunicação proferida na conferência sobre "A crise económica e financeira internacional - implicações para os países em desenvolvimento como Angola"