Luanda - Segue na  Integra o texto do polêmico  director adjunto do Jornal de Angola, Filomeno Manaças (na foto), sob o titulo “Uma comissão de inquérito para o incidente na UNITA”.


*Filomeno Manaças
Fonte: Jornal de Angola

Manaças  usurpa lugar de Ribeiro

O secretariado-geral da UNITA emitiu na quarta-feira uma declaração que mais parece uma tentativa mal sucedida de justificar a agressão a socos de que foi vítima o seu ex-ministro do Comércio no Governo, Joaquim Muafuma, numa das sessões extraordinárias do comité permanente dessa formação política. O documento apela “os angolanos em geral e em particular a todos os membros, militantes, amigos e simpatizantes da UNITA” a manterem-se “calmos e serenos”, mas o que mais consegue mesmo é deixar a todos ainda mais confusos, sobretudo tendo em conta a forma como o partido de Isaías Samakuva está a reagir e a gerir o incidente.


Isaías Samakuva nem sequer veio a público fingir que lamenta o sucedido e anunciar a criação de uma outra CPI – para o caso uma Comissão Partidária de Inquérito -, para averiguar as causas e punir os responsáveis por tão repugnante e condenável acto de intolerância política praticado mesmo aos seus olhos e que, para quem se arvora em líder do maior partido da oposição, e é sempre recebido por altas entidades que visitam o país para falar de democracia, nunca deveria deixar passar em branco.

 

Depois do sucedido, Alcides Sakala, porta-voz do partido, tratou de dar uma conferência de imprensa para falar da existência de um “movimento estranho dentro e fora do partido, que indicia atitudes golpistas”. A declaração emitida pelo secretariado-geral da UNITA diz, a dado passo, que a UNITA jamais permitirá “a subversão interna ou externa, dos que sempre procuraram adiar a hora do nosso triunfo”, e que “o que está em causa é o sonho de alguns destruírem a UNITA de Muangai, a todo o custo, utilizando, muitas vezes, alguns militantes corruptos…”

 

Fica evidente no posicionamento da direcção da UNITA a tentativa de responsabilizar uma “actuação externa” pelo que se está a passar nas fileiras do partido, por um lado, e, por outro, a incapacidade indisfarçável da sua liderança em lidar com opiniões contrárias às por si defendidas.

 

Pelos vistos os membros, militantes, amigos e simpatizantes da UNITA estão proibidos de pensar, e acima de tudo de expressar de modo livre a sua opinião crítica em relação à forma como o partido está a ser conduzido. Com a agressão a Joaquim Muafuma está lançado o aviso: quem der entrevistas a criticar o líder da UNITA ou se o fizer em algum órgão do partido vai levar socos e ser tratado como corrupto, porque a democracia no partido de Isaías Samakuva não admite essas veleidades.

 

Por enquanto, Samakuva e pares ficaram-se pelos socos ao seu ex-ministro do Comércio no Governo. Se a UNITA triunfar um dia nos seus propósitos, como augura a sua direcção na declaração emitida quarta-feira – vale aqui dizer que sonhar não é proibido -, então pode passar dos socos e regressar aos métodos da Jamba, às fogueiras. Antes fazia-o a pretexto de que eram bruxas as pessoas. Agora, já se sabe, vai dizer que são corruptos…

 

A UNITA diz no seu documento que é “pela democracia e contra a anarquia”. É sabido que o seu secretário-geral andou por algumas províncias a fazer a apologia das manifestações na Líbia, no Egipto e na Tunísia, e a induzir analogias com a situação em Angola. Agora que um dos seus militantes decide manifestar-se e até de forma pacífica, é severamente sancionado fisicamente…


Perante estes factos a bandeira da democracia que a direcção da UNITA agita como seu apanágio mais não é do que uma tábua de salvação a que se agarra, ao jeito de alguém que, em pleno naufrágio e convicto do iminente mergulho no abismo, se desespera para encontrar chão seguro.


A declaração do secretariado-geral do partido de Isaías Samakuva alude que o que está em causa é o sonho de alguns destruírem a todo o custo a UNITA de Muangai. Do compromisso de Muangai todos sabemos o que resultou: primeiro a aliança com as tropas coloniais para impedir o avanço da guerrilha rumo à independência nacional; veio depois o conluio com o regime de apartheid na África do Sul para sufocar a aspiração legítima à liberdade dos povos sul-africano, namibiano e zimbabweano. O apartheid foi derrotado e a UNITA foi obrigada a abraçar Bicesse e a aceitar a realização de eleições em 1992. Como se não bastasse, Muangai inspirou ainda a UNITA a rejeitar os resultados eleitorais e a partir para uma guerra atroz que só terminou em 2002 porque, determinado a conquistar a paz, o Governo, depois dos esforços empreendidos em Addis Abeba, em Lusaka e em Abidjan para uma solução negociada do conflito militar, não teve outra alternativa senão lançar um ultimato a Jonas Savimbi.


Com todas as condições à sua mercê para determinar um outro desfecho do conflito no teatro de guerra – porque morto Jonas Savimbi a UNITA estava completamente desbaratada -, ainda assim o Governo soube ser magnânimo e, em exaltação aos direitos humanos, à promoção e valorização da democracia multipartidária, e profundamente imbuído do espírito de reconciliação nacional, tratou de baixar as armas e levar a direcção sobrevivente a assinar os acordos do Luena.

 

A glorificação que o secretariado-geral faz de Jonas Savimbi é uma negação da democracia, pelo que se sabe do rol de vicissitudes que muitos angolanos sofreram quando esteve à frente da UNITA. Muitos como Samakuva andavam pelas capitais europeias a passear-se; outros preferem continuar a alhear-se e cultivar uma relação estrábica com as lições da história.


*DG adjunto do Jornal de Angola

Filomeno Manaças , director adjunto do Jornal de Angola