Luanda - É muito difícil viver e ler o presente com os olhos no passado. Assim, são, também, as leis que mais do que disciplinar situações passadas dispõem para o presente/futuro. No dia-a-dia ouvimos “o que passou, passou”. Na verdade, mesmo quando fechamos a porta do carro, dificilmente, olhamos para ela, ou seja, fechamo-la com os olhos no caminho para onde ir ou com o coração no destino. Outrossim, olhamos para o passado com os olhos de lamúrias ou jeremiar.


Fonte: Club-k.net

 

Contudo, importa, aqui, entrar no tempo, reflectir e nela conferir alguns sinais que podem reorientar a forma de viver o presente. Estamos a falar de um passado de grandes impérios que se foram desmoronando com o tempo; da hegemonia de religiões que, internamente, se foram degladiando até às divisões e, sem número, a proliferação de Seitas; do nosso reino do Congo que, hoje, nem mesmo grandes páginas se prestam aos seus vestígios; de Partidos-Estados Unitários e Indivisíveis que vão conhecendo o abalo da violabilidade de suas fronteiras; da soberania de Estados cada vez mais movediça; do gestor que se vê confrontado com a dispersão geográfica; do rosário de penas de mortes às hipocrisias ditadas pelas execuções arbitrárias, enfim, é tanta coisa que a história vai registando. Estes pequenos exemplos parecem questionar o título que sugerimos __ Em Busca De Um Significado De Unidade De Um Povo.


Sem razões para teorizações porque o nosso objectivo é animar a reflexão e não, acima de tudo, estabelecer paradigmas vamos de imediato para o móbil da questão. No texto passado partilhamos convosco o título «Entre Nações e Nação: Uma Hipocrisia, Um Duelo» que não foge muito à ideia principal desta reflexão. O discurso de unidade é, recorrentemente, usado por políticos ou se ideólogos ou propagandistas da nossa praça. Por hipocrisia, simulacros ou não, a verdade é que fala tanto de um só povo e de uma só nação, enfim, da unidade. O difícil, ou o nunca foi não esclarecer os passos e fundamentos desta unidade ao pacato cidadão que sempre aplaudiu sem, em muitos casos, entender os contornos do seu real significado.


1. Unidade Formal

Designamos por unidade formal aos laços que se estendem entre os povos ou um povo suportado por acordos ou uma ordem jurídico-constitucional ou legal.


Partilhamos, de facto, um mesmo território, o estadual, e sujeito de/ou a um poder político, também, estadual; partilhamos os mesmos símbolos de Estado e a mesma língua, a colonial __ a portuguesa; temos uma só Constituição Política ou Lei Fundamental. Tudo isso, permite-nos dizer, formalmente, que estamos unidos. Contudo, é uma unidade cujos fundamentos estão suportados por uma ordem estadual, para nós, vulnerável. E vulnerável porque não é acompanhada de outras ordens. Nisso, queremos lembrar o facto de alimentar-se a ruptura ou a instrumentalização do poder tradicional e seus fundamentos axiológicos tanto do ponto de vista religioso, ético quanto cultural e filosófico. Portanto, estamos em presença de uma bandeira de unidade que não deflui dos fundamentos da sócio-cultura de um povo e, por conseguinte, determinada por uma vontade não substantiva usando a expressão de um cientista social. Para todos efeitos, olhando para a nossa história valeu essa bandeira de unidade sendo que nos resta o que de mais profundo estrutura o sentido de unidade de um povo.


2. Unidade Material

 

Aqui, a ideia de unidade material assenta em valores de igualdade, de justiça e solidariedade.


Ao longo de largos tempos temos estado a assistir a um processo quanto a nós de simulacros, pois, não concorre para a verdadeira unidade nem inclusão social. Dizemos de simulacros, ainda, por perverter os princípios pelos quais muitos povos lutam e procuram preservar. Ou seja, ao invés de proteger ou promover as línguas de grupos minoritários em extinção impera, estranhamente a protecção de línguas com maiorias de falantes (discriminação); ao invés de esbater profundas assimetrias e disfunções regionais procura-se acirrar, ainda mais, o fosso; ao invés de uma justa distribuição de recursos do país promove-se um grupo minoritário cada vez mais milionária e latifundiária; ao invés da descentralização o cidadão vê cada vez mais distante dos serviços básicos; etc. Portanto, vemos, aqui, mais fronteiras do que o sentido de unidade que se pretende, pois, onde há discriminação, injustiças, desigualdade perante a lei e ausência do sentimento de solidariedade paira o sentimento de ausência e não-pertença.


3. Lições


Começamos esta reflexão com um cenário que descreve a queda ao longo dos tempos de grandes impérios, etc. que supúnhamos unitários e indivisíveis. Por isso, há que olhar no tempo e nela ler os sinais que, hoje, dá-nos de volta o passado. E isso não é profecia. Os sindicatos e as revoluções que pareciam mortos; os povos que aparentam dominados por ideologias partidárias ou dogmas e doutrinas religiosas; a vénia de súbditos e, de certo modo, a divinização de alguns Chefes; o discurso político que há muito não ouvimos de quem não sabe ler nem escrever, enfim, tudo isso é enganador. Numa só expressão __ nada é eterno e, por conseguinte, muita coisa está a desmoronar, ou melhor, desmascarar-se. E isto ocorre quando são encomendadas ou formatadas as receitas que fundamentam o sentido de unidade de um povo. Por isso, essa pequena reflexão olhando para a nossa história serve para chamar a atenção no sentido de aprofundarmos e reorientarmos o sentido de unidade acabando com as hipocrisias e simulacros que cegam as maiorias.

 

Para tal, é preciso destruir, ou melhor, transcender as fronteiras partidárias, as doutrinas e dogmas religiosos que sempre nos dividiram e enterraram a racionalidade politica, ética e religiosa tradicionais. Portanto, o espírito do mal é o eu em detrimento do nós. O problema não é étnico como, injustamente, ensinaram-nos aqueles que nalgum tempo julgaram que não tivéssemos uma história e civilização. Por isso, enquanto os outros têm o orgulho quando trabalham para o bem e melhor imagem do seu país, nós em África, grosso modo, o nosso orgulho está no bem, no proveito e na imagem que cada um e sua família pode mostrar aos outros. Naturalmente, isso não promove o sentimento de unidade. Temos de convir que a unidade de um povo não se faz apenas com as leis, acordos ou mapas impostos. Ela é muito mais do que isso. Queremos dizer que podem existir acordos, leis ou mapas que podem significar a ideia de unidade e viver-se, de facto, o sentimento de unidade, tal como, podemos não vivermos e ter o sentimento de unidade. É uma questão de humanizar a política e devolver a dignidade ao homem. Chamamos, aqui, o significado humano de unidade.

 

Afinal, as fronteiras nem sempre significam falta de unidade de um povo, vice-versa. A unidade é tema que não deve ser politizado. É preciso reflectirmos muito seriamente e com os olhos no futuro e discernimento no passado porque partimos, desde logo, desunidos. E desunidos ainda mais quando a uns é reservado privilégios e outros sacrifícios; quando alguns são protegidos e impunes e outros vulneráveis que enchem as cadeias; quando uns por pertencerem a este ou aquele partido têm mais acessos a certos favores e recursos e outros são penalizados. Todos somos cidadãos e sujeitos do poder politico estadual que precisamos aprofundar com a reconciliação nacional e, nisso, construir a unidade, antes, com os valores humanos é o passo fundamental.