Luanda - Desde a reforma constitucional de 1991 em que Angola foi consagrada Estado de Direito e Democrático com opção económica fundamental orientada para economia de livre concorrência, a Lei de Terras tem sido, sem dúvidas, o diploma base para o desenvolvimento deste projecto fundamental. Todavia, problemas, como a falta de programas e planos de ordenamento do território, falta de celeridade e, por vezes falta de clareza dos mecanismos de registo predial, excesso de burocracia na obtenção de títulos ainda que precários para o uso da terra (nomeadamente do direito de superfície entre outros), inutilizam a importância estratégica deste diploma no contexto da materialização de uma economia de mercado efectiva.


Fonte: Club-k.net

 

ImageNa verdade, é a partir da estruturação da economia de mercado que muitos dos problemas hoje considerados crónicos e amplamente discutidos e esgotados no fórum político verão soluções precisas. O problema de falta de emprego, da dificuldade de cesso ao crédito com vista a provocar a explosão empresarial nacional em Angola, de uma política habitacional efectiva e abrangente, do combate a fome e a pobreza, da extensão dos serviços de saúde e educação para todos, da implementação efectiva do programa água para todos, da regularização e rentabilização da propriedade privada e muitos mais têm como meio de solução a organização e o funcionamento de uma verdadeira economia de mercado em que o papel do Estado directamente ligado ao desenvolvimento económico, i.e., intervindo no processo de produção da riqueza, é deixado a favor de uma iniciativa privada assente num empresariado forte e dinâmico. O que depende fundamentalmente da clareza e acesso a terra e seus recursos. Isto passa, obviamente, pela utilização da Lei de Terra como mecanismo legal intermédio de acesso aos demais direitos tendentes a organização económica e social.


À luz da legislação fundamental a terra continua a ser propriedade originária do Estado (art.º 15.º da Lei Constitucional ou LC) que pode transmiti-la sob várias formas de propriedade quando integra o seu domínio privado (art.º 6.º - Lei n.º 9/04, de 9 de Novembro – daqui em diante Lei de Terras ou LT). A constituição de direitos fundiários pode ser feita mediante direito de propriedade, domínio útil consuetudinário, domínio útil civil, direito de superfície e direito de ocupação precária como tipos legais determinantes (art.º 34.º - LT). Disto resulta que os direitos fundiários cobrem a maior parte dos regimes jurídicos que incidem sobre a propriedade imobiliária de carácter rústico, i.e., referente a terrenos com diferentes fins. É garantido as comunidades rurais o acesso gratuito à terra (art.º 37º, 6 – LT) não necessitando sequer de pagar impostos ou outras espécies de prestações durante a utilização da mesma. Ponto assente é que o domínio útil consuetudinário não prescreve. O que protege os indivíduos integrados em comunidades rurais de toda a espécie de expropriação ilícita. Questão interessante é a de saber se os indivíduos que integram as comunidades rurais podem transmitir os direitos derivados do domínio útil consuetudinário, i.e., se podem transmitir os direitos de uso e fruição dos terrenos rurais por elas titulados. Para garantir a estabilidade fundiária em prol do desenvolvimento das comunidades rurais e evitar o contágio dos movimentos internacionais dos “sem terra” que atinge milhões de pessoas a semelhança do que acontece no Brasil, a Lei de Terra rejeita essa possibilidade (art.º 37.º, 3.) mesmo quando não estejam sob aproveitamento útil e efectivo como se impõe como condição para a transmissão do domínio útil privado (art.º 7º).


Essa solução deveras brilhante no que tange a realização da ideia da protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos (sobretudo das comunidades rurais) cai por terra quando confrontada com falta de uma política de ordenamento do território que cria fronteiras precisas entre o domínio útil consuetudinário e os diferentes tipos de direitos fundiários. Há pois, com essa falta, o risco de confusão entre os diferentes direitos ao ponto de levar a míngua a extensão efectiva do domínio útil consuetudinário implicando com isto o seu desaparecimento gradual como já acontece na prática com as várias reservas fundiárias que se vêem constituindo em todo o território nacional sem a clara delimitação do que seja domínio útil consuetudinário. Esse é o factor potenciador, e também causador, dos conflitos a volta da ocupação e utilização da terra para fins agrários em todo o território nacional que opõe camponeses que integram comunidades rurais e os grandes investidores oriundos de zonas urbanas com pretensões para o desenvolvimento de uma agricultura mecanizada ou industrial que implica a utilização de grandes extensões de terras aráveis. Aqui impõe-se com urgência uma política integral de ordenamento do território, traduzida em planos directores, que determine com clareza os diferentes direitos fundiários, âmbito e extensão no contexto territorial, para uma racional afectação de acordo com a natureza do direito fundiário e o tipo de destinatários em causa. E ainda da política de ordenamento do território depende a organização e o funcionamento harmonioso dos diferentes factores de produção estruturantes da economia em prol do desenvolvimento de um mercado aberto à livre concorrência e assente em princípios de justiça e igualdade de acesso as oportunidades económicas disponíveis.

 

Problema de fundo com que se prende a operacionalização da Lei de Terras é, menos a constituição dos direitos fundiários que a sua transmissão, Sobretudo pelo Estado em benefício de pessoas singulares ou colectivas como se alude em muitos episódios normativos a partir do texto constitucional. É verdade que as terras que integram o domínio útil consuetudinário não podem ser objecto de concessão (art.º 37º, 3 – LT). Ou seja, não podem ser dadas a explorar por pessoas que não integram as comunidades correspondentes. Porém, a transmissibilidade de terras que integram o domínio privado do Estado não célere e é muito onerosa se acrescermos os custos com dispêndio de tempo que implica. Claro está que a falta de planos directores de ordenamento do território constitui um grande factor causador desta situação. Disto surge o problema dos embargos e das demolições de obras para além das desocupações promovidas administrativamente pelo Estado contra as iniciativas dos particulares no domínio imobiliário provocando instabilidade em todo exercício de direitos fundiários pelos particulares, que se vêem assim sem certeza de permanência nos locais em que se instalam.

 

A esta questão atrela-se ainda o problema da falta de títulos definitivos sobre a propriedade da terra que dificulta o acesso ao crédito sobretudo no que tange a exploração de actividade agrária ou industrial. São pois, factores inibidores do investimento e do consequente enriquecimento dos cidadãos. O que atrasa o processo de materialização de uma economia de mercado assente na livre concorrência em que os seus operadores perspectivam o bem-estar e o enriquecimento de forma lícita.