Luanda - A entrevista que o Superintendente Augusto Mateus Viana deu a este jornal a propósito do «Caso Quim Ribeiro» caiu sobre muitos como uma bomba, cujas ondas de perplexidade se continuam a espalhar pelo país e a causar espanto. E tais reacções acontecem não apenas pela coragem que este oficial demonstrou ao abrir a boca – e o coração - mas, fundamentalmente, pelo que significado das suas denúncias. 


*Maria Japa
Fonte Semanário: A Capital


Ao olharmos para esta entrevista, com olhos de ver – como diz o outro – conseguimos perceber que o seu alcance está além da quezila processual que opõe Viana ao seu ex-comandante. É preciso lembrar – outra vez com olhos de ver – que Viana foi director de gabinete de Quim Ribeiro, o que significa que era homem da sua inteira confiança, por quem passavam todos os dossiês no tempo da sua gestão. 


Outro aspecto que importa ressaltar para valorizar as suas declarações e percebermos o seu alcance, é o percurso profissional do Superintendente Mateus Viana. Antes de ser director do Gabinete de Quim Ribeiro, foi Director do Gabinete de Inspecção do Comando Provincial, ou seja, aquele a quem cabia zelar pela justiça e pela disciplina do comando. Considerados todos esses aspectos melhor compreendemos a dimensão da sua entrevista, onde põe a descoberto não apenas os «pecados» do seu chefe, mas a teia de jogos sujos que domina os meandros da segurança nacional. 


Com uma coragem de assustar, Viana acusa o Comandante Geral de ter enganado o presidente da república ao propor o nome de Quim Ribeiro para comandante geral, e nisso está subjacente todo um conjunto de erros que nos últimos anos vêm sendo cometidos no processo de escolhas dos responsáveis da polícia a todos os níveis.

 
De facto, ao propor um homem com o perfil, e o passado, de «Quim Ribeiro», Ambrósio prestou um mau serviço ao país e à corporação, em particular. Mas o mais grave não foi isso, o mais grave foi ele ter permitido – ou não se ter apercebido - que se cometessem durante a sua gestão os erros que agora vamos sabendo, cometidos pelo seu protegido e que o antigo delfim do mesmo o considera como um autêntico monstro e de ter as mãos sujas de sangue. Essa, a das mãos sujas de sangue, parece ser a acusação mais grave que Viana fez. À Polícia cabe garantir a segurança da sociedade, e para isso ela deve merecer a sua confiança. Ao sujar as mãos com sangue, o que em linguagem comum significa ao mandar matar pessoas – bandidos ou pacatos cidadãos, não interessa -, o antigo comandante de Luanda passou para o outro lado da fronteira e transformou-se num bandido fardado, muito mais perigoso que os criminosos comuns, porque está em condições privilegiadas para cometer os seus crimes. E o mais grave é, como parece que aconteceu, quando ele transforma toda uma instituição num autêntico bando de delinquentes.


As semelhanças da Polícia e uma organização criminosa


Ao ouvir as declarações de Augusto Viana sobre a forma como todo esse crime foi arquitectado e consumado, ficamos com sérias dúvidas sobre se ele estava de facto a falar da Polícia, HDA ou mesmo de organizações criminosas como o PCC no Brasil. A apetência ao «lucro» fácil de que tanto se acusa os criminosos, a destreza e frieza com que se decide assassinar alguém e a forma como utilizam o poder institucional para esconder os seus actos são típicos de uma organização criminosa de alto calibre, capaz de colocar em causa a segurança nacional. E, se juntarmos a isso as declarações constantes do acórdão do supremo tribunal militar, sobre o facto de os polícias criminosos estarem a preparar três elementos para assumir o assassinato do Superintendente-Chefe Joãozinho e do seu colega Mizalaque dos serviços prisionais, ficamos a perceber melhor como a instituição funciona. O que a sociedade sempre desconfiou, que a polícia forja culpados, como aconteceu com o caso da deputada do MPLA recentemente assassinada e tantos outros, surge agora como prova indesmentível de que as nossas cadeias estão cheias de «culpados» inocentes, da mesma forma que a polícia está cheia de bandidos. 


Por conseguinte, a responsabilidade de Ambrósio de Lemos em todo esse processo, enquanto Comandante Geral da Polícia Nacional, vai, pois, além do erro – propositado ou não - na escolha do Comandante, e tem também a ver com a sua omissão – ou incapacidade - em fiscalizar – com olhos de ver – as actividades do seu suposto protegido. Isso prova que a Polícia, como instituição, não possui mecanismos independentes de fiscalização e, para piorar o quadro, o estado também não, e por isso se permite que situações como estas agora denunciadas tenham acontecido, e, porventura ainda aconteçam.


Segundo Viana - “Venderam gato por lebre ao PR”

 

 A questão do logro que o Comandante Geral «enfiou» ao Presidente da República, leva-nos a questionar os critérios que o executivo define – se é que os tem – para a escolha dos responsáveis dos cargos policias. Nos últimos tempos temos visto a polícia a ser confundida como palco de interesses, desde pessoais a políticos, que têm levado à escolhas erradas. E é por isso que continuamos a ter uma polícia incompetente, incapaz, sem moral, sem confiança da população. As recentes movimentações que a novel comandante de Luanda operou são bem prova disso. Sabendo que a sua nomeação foi bastante contestada, interna e externamente, e sabendo que em condições que ela lá foi colocada, a sociedade esperava que a comandante Bety se rodeasse dos quadros mais competentes e mais capazes para ajudá-la na gestão de Luanda. Mas com as suas iniciativas, o que fica a descoberto parece ser uma intenção de pagar antigos favores, colocando oficiais da sua confiança, com quem trabalhou no passado, para comandar órgãos tão importantes onde, além da confiança, se exige a competência. 

 

O caso das escolas que agora assistimos ilustra bem as consequências das políticas erradas no capítulo dos recursos humanos ao nível da polícia nacional. Este fenómeno está a pôr a descoberto não apenas as deficiências da instituição policial mas de todo o sistema de segurança do país, incapaz de, até ao momento, descobrir a origem dos gases e os autores desses verdadeiros atentados terroristas. Independentemente de serem tóxicos ou não, o que ressalta em todo esse processo é a incapacidade do sistema de segurança nacional, em que a Polícia aparece como primeiro escalão, em resolver um problema tão grave, e que poderia ter consequências desastrosas se a tal substância fosse mortal. Isso mostra que o país não se preparou e não está preparado para lidar com verdadeiros fenómenos criminais e tudo o que vimos assistindo não passam de operações cosméticas, resumidas a compra de carros, cães e pistolas.


O que disse o Superintendente ultrapassa os limites do «Caso Quim Ribeiro». Com a sua corajosa entrevista, ele transformou-se no porta-voz de muitos oficiais, obrigados durante anos a compactuar com as atrocidades que se cometem nessa instituição que, por ironia dos destinos, deve ser o porto seguro de qualquer sociedade que se pretenda séria, mas a entrevista de Viana deve – esperamos honestamente – servir como o testemunho necessário para o estado se decidir, de uma vez por todas, a operar uma verdadeira reformulação da PNA e do sistema de segurança nacional, a semelhança como o faz com a TAAG e outras instituições. Está na hora do executivo mostrar verdadeira preocupação com a nossa segurança, porque já não há como esconder que o sistema está podre, e que esta podridão vem das suas hostes.