Luanda - Razões pessoais de natureza familiar tornam difícil, para mim, escrever este artigo. Mas, com toda a consideração e amizade que não deixo de nutrir em relação às pessoas envolvidas e a quem, por força das funções que exercem, foi incumbida a responsabilidade de explicar à população o tão badalado caso dos desmaios das crianças em várias escolas de Luanda e não só, tenho de manifestar a minha opinião aberta e frontal em relação à conferência de imprensa realizada pela polícia nacional na passada terça-feira, 2 de Agosto, para o efeito: foi um desastre.


Fonte: NJ


Devo dizer que considero imprescindível e correcto impedir a generalização do pânico. Nesse sentido, as autoridades têm o dever de combater os boatos e até de apelar à imprensa que faça uma cobertura fundamentada e serena deste caso até agora inexplicável, o que não é fácil, sabendo-se que, infelizmente, a “escola” da maioria dos jornalistas angolanos é a do antigo semanário lusitano “O Independente”, conhecido pelo seu sensacionalismo barato, no mínimo.

 

De igual modo, estou plenamente consciente que nem sempre os casos são fáceis de explicar, pelo que o ritmo dos especialistas encarregados de desvendá-los não pode ser ditado pela pressão da mídia. As misteriosas razões que têm levado, há meses, crianças de diferentes escolas na capital do país (aparentemente, isso tem-se repetido ultimamente em outras cidades) a desmaiar implicam uma investigação técnica e científica cujos resultados levam tempo. Baseado na regra, para mim “de ouro”, segundo a qual cada um deve fazer a sua parte, os cidadãos responsáveis devem recordar-se disso e tentar passar essa mensagem a todos aqueles com quem privam, por várias razões, no dia-a-dia.

 

Isso é uma coisa. Outra, completamente diferente, é tentar minimizar e até ridicularizar as preocupações dos cidadãos, excessivas ou não, acerca deste caso. Embora eu acredite piamente que não era essa a intenção dos responsáveis que realizaram a conferência de imprensa, duas ou três afirmações feitas pelos mesmos permitiram, como rapidamente sucedeu, a leitura que acabei de fazer.

 

Cito, entre aquelas que mais me chamaram a atenção, as acusações exageradas feitas à imprensa; o tom usado na referência à situação social da maioria das crianças das escolas públicas, mais concretamente, ao seu estado de nutrição; e, por fim, as piadas envolvendo “feiticeiros” e quejandos.

 

Essas passagens não ocuparam, é verdade, a maior parte do tempo da conferência de imprensa. Mas foram tão despropositadas, que se tornaram nos tópicos mais “apelativos” (no mau sentido) de todo o discurso usado pelos seus autores, como verrugas inesperadas no rosto de uma mulher bonita.

 

Para os críticos e adversários do governo e do partido no poder, tais declarações constituíram imediatamente um prato feito para os seus ataques ao regime. Alguns deles, fazendo igualmente recurso ao chamado humor negro, apressaram-se a acusar o governo de, supostamente, responsabilizar a imprensa ou os próprios alunos pelos desmaios ocorridos. Isso é compreensível e, em democracia, tem de ser aceite sem dramas.

 

O que, na minha opinião, é politicamente inaceitável e, portanto, digno de crítica é a tentativa de aproveitamento partidário de um problema social ainda não explicado cientificamente. Falemos claro: isso é oportunismo. Um exemplo é o comunicado da direcção política da UNITA, na véspera da conferência de imprensa, responsabilizando as autoridades pelo surto de desmaios nas escolas de Luanda e outras cidades do país. Outro é a comparação, feita por alguns frequentadores das redes sociais, entre este caso e os acontecimentos de 27 de Maio de 1977.

 

Uma conclusão avulta, uma vez mais, de tudo isto: a incapacidade do regime em usar a comunicação, o que, numa era em que política e comunicação estão intrinsecamente vinculadas (a comunicação tornou-se o próprio terreno da política), é inquietante.

 

Tenho conhecimento de que o executivo tomou recentemente medidas acertadas visando a melhoria da sua comunicação institucional, como a constituição de um grupo de trabalho multi-sectorial para definir as suas principais linhas de força (o que não coincide plenamente com certas informações veiculadas a respeito do assunto, as quais resultam, sobretudo, da concorrência entre agências). Mas isso não basta. É preciso muito mais, quer no plano estratégico quer no plano operacional.

 

O treinamento dos responsáveis políticos e dos agentes do Estado para lidarem e usarem correctamente a comunicação é uma das muitas limitações que urge suprir com urgência. O domínio das técnicas de comunicação é tão fundamental para a governação como, apenas para dar um exemplo, o conhecimento das leis ou dos princípios de gestão financeiro-contabilística.