Luanda - Eu tinha programado escrever esta semana sobre a corrupção, usando como mote a  recente exoneração do governador de Luanda.


Fonte: NJ

As ameaças do general

Ao contrário do que insistem em repetir os sectores críticos (e também do que acreditam outras pessoas, que pensam, ingenuamente, ser possível continuar a manter impunemente determinadas práticas nocivas típicas do nosso passado recente), eu sou da opinião que alguma coisa está a mudar nesse domínio, embora ainda muito lentamente. Por isso, mais do que martelar a mesma retórica óbvia sobre a corrupção, considero mais produtivo destacar os exemplos positivos que começam a despontar e mostrar caminhos para aprofundar o combate a esse enorme malefício, que contamina toda a nossa sociedade e impede a sua mais rápida reconstrução.

 

Um facto ocorrido na última terça-feira, contudo, obrigou-me a mudar de tema. Refirome às ameaças proferidas aos microfones da Rádio Ecclésia pelo general Camalata Numa, actualmente deputado da UNITA, o qual, sem gaguejar, afirmou que, caso a Comissão Eleitoral Independente não correspondesse ao  formato proposto pela oposição, existem no país líderes capazes de criar um clima de agitação similar ao dos países árabes, levando a população a exigir nas ruas a saída do presidente da República (ele ainda não sabia o que estava para suceder em Londres).


Ficou claramente subentendido das suas declarações que um desses líderes é ele próprio. Devo dizer, com toda a serenidade, que as afirmações do general Numa não me espantam. De facto, é impossível esquecer que, em 1992, ele era o chefe do Estado Maior General adjunto das Forças Armadas Angolanas e preferiu desertar, juntando-se ao então líder da UNITA, Jonas Savimbi, para retomar a guerra.


Esta arrastou-se durante dez longos penosos anos, de 1992 a 2002, atingindo um grau de destruição muito mais elevado do que os primeiros 16 anos de guerra civil e colocando Angola, literalmente, no fundo do poço. Só terminou com a morte de Savimbi e a derrota das forças militares da UNITA. Portanto, Camalata Numa é um dos responsáveis pessoais por essa guerra pós-eleitoral estúpida e desnecessária, cujos efeitos ainda se fazem e farão sentir por muito tempo, em todas as áreas, excepto para os que teimam em julgar que a guerra é uma brincadeira inocente e sem consequências.

 

As ameaças do general e deputado Numa confirmam mais uma vez, como se isso ainda fosse necessário, a natureza imutável da UNITA. Por detrás de toda a sua retórica supostamente democrática e da sua estratégia de autovitimização (que só convence os jornalistas ingénuos ou, pior ainda, os activistas disfarçados de jornalistas), a marca registada da UNITA é a provocação, a intimidação e a tentativa de criar um clima de crispação permanente.


Essas características estruturantes do (ainda) maior partido da oposição sobressaíram nas palavras do general e parlamentar à estação radiofónica católica, chocando mesmo aqueles, como eu, que não tem qualquer ilusão em relação ao referido partido (o que não me impede, entretanto, de ter em alta conta pessoal vários dos seus membros, que tenho o prazer de conhecer).


Não tenho a menor dúvida que a esmagadora maioria dos angolanos não quer aventuras e que, para eles, a estabilidade tem um alto valor social e político. Não perderei, pois, muito tempo a demonstrar a perfeita inutilidade das bravatas do mencionado dirigente da UNITA.


De qualquer modo, as declarações do general Numa impõem uma leitura política, pelo menos em dois planos. É o que tentarei fazer a seguir,  para encerrar este texto. Em primeiro lugar, as referidas declarações desgastam ainda mais a imagem da UNITA, o que, como é óbvio – perdoai-me o cinismo político, mas isso faz parte do jogo -, não me nquieta particularmente. Em segundo lugar – e isso já me preocupa mais, como cidadão -, tais
declarações impedem que a sociedade se concentre no debate e na busca de soluções para os problemas realmente importantes e actuais, como o reforço da democracia, a luta contra a corrupção, o crescimento e o desenvolvimento, a redução das desigualdades sociais e o combate à pobreza. Nada disso é possível num clima de instabilidade e agitação, como o que o general Numa ameaçou despoletar.

 

Em última análise, as suas ameaças fortalecem as posições daqueles que estão pouco interessados em resolver, na prática, os problemas atrás identificados. É por isso que discordo daqueles que insistem que uma UNITA fraca é má para a democracia angolana. Quem disse que a UNITA tem que ter o monopólio da oposição? Insisto num ponto que já referi em outras ocasiões: a UNITA é politicamente responsável pelo atraso do nosso processo democrático, com todas as suas consequências, incluindo o florescimento da corrupção. Isso ficou claro, para quem quisesse ver, em 1992, quando a organização, em vez de exercer o seu papel de oposição forte e representativa (teve quase 40 por cento dos votos), escolheu retomar a guerra, que acabou por perder dez anos depois (juntamente com a sua representatividade). Numa situação de guerra como aquela que o nosso país viveu entre 1992 e 2002, é impossível, entre outros, ampliar a democracia ou combater a corrupção, mas o contrário é, inevitavelmente, mais comum.

 

A democracia reclama uma oposição forte, sim. Mas a oposição angolana precisa de uma nova cara, moderna, responsável e competente. O tempo da UNITA (e de todas as forças prisioneiras do ressentimento e do desejo, explícito ou implícito, de vingança histórica) já passou.